Uma experiência opensource

Hernani Dimantas, publicado em 05/10/06 em http://comunix.org

(N. do E.: esse texto do Hernani fala um pouco mais sobre o Projeto Metá:Fora, criado em junho de 2002 e encerrado por volta de outubro de 2003).

Em pouco mais de um ano, o Metá:Fora passou de uma lista de debates para um grupo de intervenção, utilizando conceitos de colaboração para desenvolver uma infra-estrutura ou incubadora de projetos colaborativos, ou, mais especificamente, uma chocadeira “open source”. Ou de códigos abertos. Conceitualmente está baseado no conhecimento livre, que significa liberdade para modificar, editar, adicionar ou subtrair, visando sempre aprimorar o conteúdo final. Um movimento iniciado pelos programadores e que pode ser replicado em outras áreas do conhecimento. As conversações propiciadas pelas listas de debates, fóruns e e-mails promovem a cultura do compartilhamento e beneficia a mentalidade do conhecimento aberto e livre.

O projeto objetivava entender e desenvolver conhecimentos adequados a uma nova relação com a cultura interconectada. A partir de comunidades locais, para fomentar a inclusão digital e o uso efetivo de ferramentas de publicação pessoal e construção coletiva de conhecimento, ou como utilizar a tecnologia para incrementar a conversação na rede. Cabe dizer que esse modelo de conversação proposto poderia ser replicado nas diversas áreas do conhecimento. Pode ser utilizado para debates sobre usos de novas tecnologias bem como para a facilitação de outras formas de debates ou ações como, por exemplo, engenheiros colaborando para uma obra na África ou médicos debatendo online sobre a utilização de uma técnica de tratamento para um caso qualquer.

Inclusão Digital, como já foi dito, é um termo inadequado. A idéia de transformação social é um conceito mais amplo e mais exato para identificarmos o impacto das tecnologias no cotidiano. Implica, além disso, numa ótica de do corpo humano para apropriação e utilização das tecnologias.

O Metá:Fora corporifica os conceitos da apropriação das tecnologias e, na prática, as utiliza como forma tática de diminuição das distâncias entre seres humanos. Dessa forma, a transformação social pela apropriação tecnológica passa pelo questionamento daquilo que se chama Inclusão Digital, passa pelo ativismo midiático, bem como, pela mistura cultural impulsionada e mediada pela cibercultura.

Num determinado momento percebemos, então, que o Metá:Fora era uma forma de troca de conhecimento. Percebemos que as pessoas conversavam com outras pessoas, imbuídas do mesmo interesse pela interatividade. Este diálogo caótico e emergente nos possibilitou experimentar a transversalidade do aprendizado. Percebemos que na rede as pessoas aprendem, de fato, através da utilização das ferramentas colaborativas pelas próprias pessoas.

Paulo Bicarato, jornalista e editor do alfarrabio.org numa discussão na lista do Metá:Fora:

“Aprender e apreender. Aprender a apreender. Não existe fórmula pronta. É deixar-se entrar no fluxo, intuitivamente, e sentir-se integrante/participante dessa mágica maior que não tem nome. Aí a consciência emerge: NÓS somos conhecimento...”

Outro conceito essencial para compreender o Metá:Fora é o de Inteligência Coletiva. No texto de Apresentação do projeto, pode-se ler: “Metá:Fora é uma inteligência coletiva para gerar inteligências coletivas. Um projeto aberto de pesquisa e desenvolvimento em diversas áreas do conhecimento, baseado em algumas premissas do modo de produção open source”. Mais à frente, verifica-se que o plano de atuação do projeto passa pela realização de “ações multiplicadoras ou esporos de inteligência coletiva envolvendo o uso de redes de informação”.

Segundo Felipe Fonseca, a maior parte das iniciativas deste projeto “não foi exatamente ativista”, no sentido da definição tradicional de mídia tática, dado que “visavam oferecer métodos para transformar as ferramentas midiáticas de forma a interferir socialmente. Esta posição tem que ser encarada sob a perspectiva brasileira, em que colaboração é uma forma importante de sobrevivência. Isso nos levou a estabelecer um elo entre a cultura hacker com diversos traços da cultura brasileira, fruto de mestiçagens, hibridizações, miscenização e nomadismos vários.

De acordo com Miguel Caetano, em sua dissertação de mestrado :

“No ensaio “Brasil is a Hacker Culture” , apresentado [por Felipe Fonseca] na edição de 2003 do festival Next Five Minutes, na Holanda, afirmamos que a população brasileira 'não necessita de mídia alternativas como jornais locais, rádios comunitárias e vídeos amadores, mas de mídia táticos em termos da utilização da comunicação para integrar as pessoas, de forma a que elas possam partilhar a informação que realmente importa para elas'. Não se trata de trazer mais pessoas para a era da informação, mas de transformar a tecnologia de forma a que possam melhorar de algum modo a sua qualidade de vida.”

“Felipe Fonseca deixa algumas pistas para o futuro deste tipo de práticas midiáticas: Se vamos pensar em um medium (ou vários mídias) que tenham o objetivo explícito de beneficiar milhões de pessoas que hoje estão ausentes do debate sócio-político-científico-cultural, não podemos criar simulacros dos media de massas. Claro que estes são úteis, mas com o objetivo único de desmascarar a credibilidade das mega-corporações de comunicação. Mas isso é combater o passado e o presente. Se vamos pensar no futuro, creio que devemos infundir desde o início as possibilidades que surgem com as novas tecnologias: a colaboração, o relacionamento de pessoas com pessoas (e não de mensagens para pessoas), a construção de conhecimento coletivo e adequável a cada realidade (...) Digo não fazer contra-media, mas romper as nossas hesitações em relação ao uso de tecnologia (tinta na caverna, lápis e papel, Jabber e Drupal ) para juntar as pessoas com idéias, perspectivas e objetivos em comum. Pensar em estratégia e tática autoconstruindo-se, simultaneamente. [CAETANO, 2005]

Mas tudo isso é o pano de fundo desta revolução digital. Percebemos que havia um pessoal interessante falando coisas semelhantes, mas um de cada lado. Nosso trabalho foi juntar esse pessoal. E deixar fluir para ver o que aconteceria. Em poucas semanas milhares de mensagens foram trocadas. Informação repercutindo conhecimento. Comunicação direta, conversação “open source” irradiando para a inteligência coletiva. A realização dos projetos para qualquer um que realmente tenha boa vontade e espírito colaborativo. Essa Metá:Fora tende a ser um projeto maior. Entre pessoas, em qualquer lugar. Numa viagem não linear no tempo e no espaço.