Projecto Metáfora: Caos e Ordem numa Inteligência Colectiva

Miguel Caetano. Originalmente parte de “Tecnologias da Resistência”, tese de mestrado, que pode ser baixada em http://pub.descentro.org/backgroundresearch

(n. do E.: este texto foi editado para não fugir ao tópico principal da publicação. Retirei algumas partes que detalhavam por demais os projetos do Metá:Fora)

Hoje em dia, a maior dificuldade para começar um projeto de pesquisa é a definição do nome. Que nome dar a um projecto que tem por objetivo entender e propor aplicações para uma realidade em que passaremos do online/offline para uma cultura permanentemente conectada? Como definir uma cultura em que definir o nome de um projecto é mais difícil do que estabelecer um fórum de comunicação entre os seus membros? E isso é só o começo. Virtualização da presença, k-logs1, m-log2s, RSS, telecentros comunitários, inteligência colectiva, o novo nomadismo, são alguns dos assuntos que vão nos guiar.
- Felipe Fonseca, “Metáfora”

Foi com esta frase em epígrafe enviada para uma nova lista de discussão por email que se deu início ao projecto Metáfora, a 28 de Junho de 20023. O objectivo era trocar ideias e talvez conceber tecnologias que incorporassem na prática noções como conhecimento livre, redes sociais, colaboração e copyleft4. Na origem do Metáfora esteve outra lista, a Joelhasso, que também servia de nome a um blog criado por Felipe Fonseca em 2001, que trabalhava na altura na indústria da publicidade. Aí se congregaram virtualmente os integrantes de outras listas brasileiras sobre marketing e comunicação, entre os quais Hernani Dimantas, Paulo Bicarato e Charles Pilger, que viriam mais tarde a fazer parte do Metáfora. Como conta Fonseca, os assuntos em discussão na Joelhasso abrangiam a Internet sem fios, dispositivos em rede, XML, integração de equipamentos e conversações (2005). Desagradados pelo que consideravam ser o atraso da indústria tecnológica brasileira, Fonseca e Dimantas criaram em jeito de resposta a primeira mailing-list Metáfora com o intuito, nas palavras do primeiro, de "tentar consolidar as novas ideias que um monte de gente estava gerando". Na entrevista que realizámos, Fonseca esclarece que o Metáfora surgiu como uma saída para a frustração que sentia no seu emprego na altura: “O Projecto Metáfora tornou-se o ambiente onde a criatividade não enontrava limites e onde começavam a aparecer pessoas que tinham interesses e perspectivas em comum comigo” (Fonseca, 2005b). Hernani Dimantas complementa essa afirmação, afirmando que “o carácter aberto do projecto deu ao grupo as possibilidades para o exercício total da criatividade” (Dimantas, 2004).

Tendo em conta um "quotidiano hiperconectado", a lista visava estimular o debate sobre "os limites cada vez mais ténues entre online e offline, entre digital e analógico, e o conhecimento livre como metodologia de colaboração" em que se passasse para além da crítica, no sentido da apresentação de alternativas concretas (Fonseca, 2005). No mesmo texto, Fonseca recorda o processo de formação da nova comunidade online: "Criei a lista de discussão no Yahoo! Groups e convidei 12 pessoas. Quase todas aceitaram" (idem). Dimantas afirma a este propósito que ambos combinaram inicialmente que ele faria a articulação externa e Fonseca ficaria a cargo da articulação interna. "Abri o diálogo do Meta com instituições do governo, algumas ONGs mais institucionalizadas e com participação política e a academia", refere no questionário que elaborámos. Por seu lado, Fonseca – que utilizava nesses primeiros tempos a alcunha Izquierdo, El Horrible - incentivava as pessoas que iam chegando à lista a conversarem entre si.

A lista começou por ser uma conversa entre um grupo de 15 pessoas, mas no período de um mês já tinham sido aí publicadas mais de 1200 mensagens entre 45 elementos. Foi assim criada uma wiki onde começaram a ser guardados os inúmeros bookmarks de notícias e artigos que eram debatidos na lista (Fonseca, 2003). De seguida, foi redigido o rascunho de um projecto. Três dias mais tarde, este rascunho transformou-se na descrição completa de um projecto, tendo os participantes começado a elaborar projectos colaborativos a partir da wiki (idem). O Metáfora viria a acabar em Outubro de 2003. Um mês antes, durante a sua intervenção no N5M, em Amesterdão, Felipe Fonseca afirmava que o Metáfora contava com “cerca de 200 pessoas, desde lurkers5 a gestores de projectos, e mais de 25 projectos, estando actualmente quase metade deles a serem desenvolvidos”, todos eles funcionando graças ao voluntariado dos participantes (ibidem). Embora a grande maioria dos elementos mais activos do Metáfora tenha pertencido à região de São Paulo, o projecto alastrou-se também a outras cidades brasileiras como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, contando ainda com participantes nos Estados Unidos.

De início, as conversas na lista, versando sobre telemóveis ligados à Internet, m-blogs, PDAs e computadores de bolso, evidenciavam um certo pendor para o tecno-narcissismo que, como Matteo Pasquinelli acusa (2002), predomina em muitos projectos autónomos trabalhando com media e tecnologia. Gradualmente, no entanto, assistiu-se a um desviar da atenção sobre a tecnologia em si para uma maior consciencialização sobre as necessidades reais das pessoas comuns de forma a ir de encontro a elas6.

Tal como outros grupos abordados anteriormente, o Metáfora conseguiu juntar no mesmo projecto hackers, filósofos, jornalistas, artistas, antropólogos e designers, todos eles actuando em quatro grandes àreas: comunicação, tecnologia, educação e arte. “O Metáfora é totalmente independente. É aberto e flexível. Não é um projeto académico. É uma nova forma de gerar conhecimento. O nosso enfoque é o incentivo de projectos pessoais através da colaboração entre os participantes”, explicou Hernani Dimantas (2004). O carácter transdisciplinar do projecto é recordado por Felipe Fonseca: “Baseados em tecnologia que hoje (Novembro de 2005) até parece pouco sofisticada (uma wiki e uma lista de discussão), fomos capazes de mobilizar efectivamente mais de uma centena de pessoas dispostas a experimentar novas formas de lidar com o conhecimento e de encontrar soluções para problemas em comum” (Fonseca, 2005b). Esta convergência de esforços resultou naquilo a que o colectivo denominou de aprendizagem distribuída em que “um grande número de pessoas com os mais variados repertórios, esforçando-se por fugir aos jargões e por expressar-se de uma maneira que todos compreendessem, foram responsáveis por uma disseminação multilateral de conhecimento com um ritmo que eu nunca tinha visto” (idem). Na base desta “comunicação multi-facetada, multi-lateral, interactiva e independente” (Dimantas, 2004) esteve a ideia de “xemelê”, que Fonseca define como sendo “um esforço positivo no sentido de manter um nível de linguagem que pudesse ser mutuamente compreensível” de modo a que todos pudessem participar nas discussões (Fonseca, 2005)7. O termo remete para um episódio concreto da história do Metáfora, quando Dalton Martins enviou uma mensagem para a lista sobre computação distribuída e Fonseca respondeu: “xemeleia aí que eu não entendi nada”8. Xemelê viria a ser, aliás, o nome da segunda lista do Metáfora, criada em meados de Junho de 2003, quando a primeira lista, alojada no serviço de alojamento eGroups do Yahoo! estava prestes a ultrapassar o limite de armazenamento de emails - dez mil mensagens - imposto por aquela empresa9.

Em pouco mais de um ano, o Metáfora passou de uma mailing-list a um grupo de acção para um conceito de colaboração, uma infra-estrutura ou incubadora para a criação de projectos colaborativos, em que os próprios projectos, como explicou Felipe Fonseca (2003) “criam grupos de acções, como se do caos surgisse uma ordem fractal”. Aliás, um dos termos mais empregues pelos participantes do Metáfora para definir o processo de funcionamento do projecto era o de ‘caordem’, uma mistura de caos com ordem, que nos faz remeter para conceitos como rizoma, swarming e multidão já abordados anteriormente10. Outro conceito essencial para compreender o Metáfora é o de Inteligência Colectiva, introduzido por Pierre Lévy, segundo o qual estamos a assistir à emergência de uma nova era do conhecimento que irá produzir uma consciência humana global11. No texto de apresentação12 do colectivo, pode-se ler: “Metáfora é uma inteligência colectiva para gerar inteligências colectivas. Um projecto aberto de pesquisa e desenvolvimento em diversas áreas do conhecimento, baseado em algumas premissas do modo de produção open source.” Mais à frente, verifica-se que o plano de actuação do projecto passava pela realização de “acções multiplicadoras de inteligência colectiva envolvendo o uso de redes de informação”. Do mesmo modo, Hernani Dimantas enfatizava essa visão do Metáfora inteligência colectiva num artigo publicado na revista electrónica Nova-E ainda durante a fase inicial do projecto13.

Os projectos do Metáfora abrangiam desde soluções para acesso à internet até alternativas para estimular o espírito empreendedor das comunidades desfavorecidas. Tais iniciativas estavam baseadas numa organização conceptual denominada a Tríade da Informação:

  • Infra-estrutura física: computadores pessoais, modems, routers, cabos, hubs, gateways;
  • Infra-estrutura lógica: padrões de interligação, sistemas de publicação online, gestão de conhecimento, redes de processamento distribuído, protocolos;
  • Interacção: colaboração, capital social, formação, conhecimento partilhado, mobilização, participação.

Este modelo baseia-se em parte no conceito dos três níveis dos sistemas de comunicação introduzido pelo jurista Yochai Benkler e retomada por Lawrence Lessig (2001: 23-25), compostos por um nível físico, situado em baixo, um nível intermédio lógico ou relativo ao código e um nível superior, relativo ao conteúdo. A diferença substancial situa-se nesta última camada: enquanto Benkler e Lessig utilizam o termo conteúdo, os elementos do Metáfora preferem recorrer ao conceito de interacção de modo a fomentar a autonomia das comunidades14. “Sempre me pareceu pretensão a visão segundo a qual um grupo de pretensos especialistas definem qual o 'conteúdo' interessante para um determinado grupo”, refere a este respeito Felipe Fonseca na entrevista (2005b).

Apesar da sua curta duração, de apenas 15 meses, o Metáfora deixou um legado bastante valioso de projectos que ainda hoje subsistem. Destes, o MetaReciclagem foi o que obteve maior êxito, tendo chegado a todas as grandes cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Brasília, Curitiba, Manaus, etc. Como o nome indica, o MetaReciclagem dedica-se à reciclagem de computadores obsoletos doados, equipando-os com componentes usados que estejam em condições de funcionamento e instalando-lhes software livre. Depois de reapetrechadas, as máquinas são pintadas por artistas plásticos e cedidas a associações e centros comunitários de bairros periféricos. O colectivo desenvolve ainda nessas comunidades laboratórios de reciclagem onde os jovens aprendem a utilizar não só Linux mas também o próprio processo de reciclagem de PCs, demonstrando e remontando os computadores. Pretende-se assim fomentar a reapropriação da tecnologia visando a transformação social.

Uma das influências na criação do MetaReciclagem foi o Lowtech.org15, uma ONG britânica surgida em 1997 a partir do grupo de artistas Redundant Technology Initiative (RTI) de Sheffield que recicla computadores doados e resgata componentes informáticos da sucata para desenvolver manifestações artísticas a partir destas máquinas como instalações de video-walls, trabalhando também exclusivamente com software livre. Possui um laboratório de media, o Access Space, onde disponibiliza acesso à população e ministra cursos de formação em tecnologias aplicada às artes.

(...)

A importância concedida ao conceito de conhecimento livre não se restringia apenas ao mundo do software e da tecnologia. Desde o início, aliás, se pôde sentir na lista uma forte pulsão para alargar a filosofia do copyleft incorporada na GPL a domínios como a cultura e a educação.

(...)

A Participação no Midia Tática Brasil

A participação do Metáfora no festival Midia Tática Brasil, em São Paulo, no mês de Março de 2003, assegurou uma maior projecção pública ao projecto, apenas conhecido até então por um núcleo restrito de pessoas – sobretudo bloggers, uma vez que os dois fundadores do colectivo mantinham blogs16. Numa sala da Casa das Rosas, a sede do evento, o colectivo montou um laboratório com computadores reciclados – um servidor e cinco estações de trabalho – ligados em rede a partir dos quais os visitantes podiam aceder às páginas dos projectos na wiki17. Apesar da apresentação ter sido um pouco desorganizada18, os workshops sobre colaboração online desenvolvidos no âmbito do programa do festival em três telecentros da Prefeitura de São Paulo em Guaianases, Lajeado e Cidade Tiradentes foram bastante importantes na medida em que representaram a concretização de uma das premissas iniciais do projecto: o contacto directo com a periferia e as suas comunidades. Alguns dos assuntos abordados foram as ferramentas de construção colaborativa do conhecimento como os blogs, as wikis e os fóruns de discussão, a reputação, o conhecimento livre e as trocas de informação. Os participantes nos workshops puderam, mediante registo, participar num site colaborativo19 desenvolvido previamente, baseado na plataforma Drupal. Para além de permitir a publicação de um blog pessoal, possibilitava ainda outras formas de acção como um livro colaborativo, sala de conversa, fóruns, publicação de artigos, mensagens pessoais e agregação de conteúdos através de RSS. Contudo, o comportamento dos utilizadores face à tecnologia disponibilizada gerou alguma frustração junto dos voluntários do Metáfora, como relata Felipe Fonseca: “Eles entravam, escreviam um pouco sobre as suas vidas, comentavam o que os outros escreviam. Mas depois de alguns minutos, muitos deles voltavam ao bate-papo do UOL ou a algum site de notícias” (2003c). Essa “subutilização” da tecnologia devia-se, na sua opinião, ao facto de as pessoas não estarem acostumadas a escrever livremente desde a escola, ao nível de experiência que os ambientes colaborativos exigiam e à falta de intuitividade da interface dos sistemas de colaboração para os leigos (idem). Apesar dos resultados da iniciativa terem ficado aquém do previsto, as lições retiradas daí seriam aproveitadas em projectos do MetaReciclagem, após o fim do Metáfora.

A Tentativa de Criação de uma ONG e o Fim

Com o desenrolar das conversas e o crescimento do número de esboços de projectos, surgiu também a ideia de conceder um carácter mais institucional ao Metáfora e às suas iniciativas, através da criação de uma organização não-governamental e sem fins lucrativos que servisse para angariar recursos financeiros de modo a colocar em prática as iniciativas do colectivo. Houve, contudo, desde sempre uma forte divisão no interior do grupo face a essa questão da institucionalização. Aliás, como iremos referir mais a frente na análise dos questionários realizados aos antigos integrantes do projecto, vários dos inquiridos mencionam a tentativa de constituição de uma ONG como factor motivador de disputas internas. Com efeito, se a dissolução do grupo se deveu directamente à desistência de Felipe Fonseca do cargo de moderador das listas e dos projectos, podemos, no entanto, concluir que a decisão de Fonseca teve origem numa situação de atritos que já se arrastava desde há alguns meses, somada à multiplicação caótica de projectos colectivos ou individuais associados ao Metáfora.

A vontade de constituir uma ONG a partir do Metáfora surgiu logo no início do projecto. O primeiro membro do colectivo a colocar esta hipótese na lista foi Daniel Pádua, na mensagem nº 130 datada de 5 de Julho de 2002:

Uma ONG para distribuir computadores 'open-sourced' já preparados para funcionar em redes livres?

Uma ONG para divulgar e ensinar tecnologia aberta na sociedade, através de palestras e workshops de grátis (ou não)?

Uma ONG para fomentar um debate sobre a evolução da inteligência coletiva na sociedade brasileira (inicialmente, mas quem sabe na sociedade mundial)?

Uma ONG para educar os partidos políticos, o congresso e o escambau a quatro(...)?

Uma ONG para pensar, propor, desenvolver e experimentar meios de um cotidiano 100% online?

Face a este repto lançado por Pádua, outros elementos tinham, porém, uma posição mais cautelosa: Colacino considerava que seria mais adequado numa fase inicial conceber o Metáfora como uma ONG virtual que desenvolvia “projectos .ORG” e mobilizava pessoas em torno dessa causa, estabelecendo progressivamente ligações e contactos com o resto da sociedade: associações, empresas, universidades e media comerciais, em vez de uma ONG tradicional, não descurando no entanto a hipótese de o projecto evoluir nesse caminho20. Fonseca assertou que a ideia da institucionalização seria ainda um pouco precipitada e sugeriu desdobrar as ideias propostas por Pádua em projectos individuais21. Felipe Albertão colocou a possibilidade de o grupo fundar uma ONG especificamente direccionada para a prestação de serviços de formação, consultoria e assistência técnica em informática utilizando open-source para outras instituições não-lucrativas22. O assunto foi, no entanto, esquecido nas semanas seguintes.

Retomando esta questão a 4 de Setembro a propósito da doação de computadores reciclados para concretizar os planos do MetaReciclagem, Bernardo Schepop salientou a necessidade de formalizar o Metáfora sob a forma de uma ONG que se responsabilizasse pelos compromissos assumidos com as empresas doadoras, de forma a que estas se assegurassem que qualquer utilização das máquinas cedidas não pudesse resultar num processo legal contra elas. Alertou contudo para o facto de que a institucionalização do Metáfora poderia acarretar, por um lado, uma lentidão burocrática que atrasaria a velocidade de difusão de novas ideias e, por outro, um fechamento do ambiente aberto e colaborativo do projecto. Outra alternativa seria continuar como um colectivo que apoiasse iniciativas de outras entidades, embora isso significasse um menor grau de autonomia, pois os voluntários teriam que “depender sempre de uma segunda instituição para assinar e assumir as consequências”. Face a este dilema, Schepop perguntava se havia um caminho intermédio23. Essa via é desenvolvida por Felipe Fonseca através de um plano que passava pela criação de ONGs independentes do colectivo por alguns dos elementos individuais do Metáfora de forma a implementar projectos específicos – em linha com a ideia proposta semanas antes por Albertão. Mais do que uma TAZ efémera ao jeito do modelo teorizado por Hakim Bey (2001 [1991]) ou uma ONG com estatuto e regras, o Metáfora seria, na sua opinião, “uma nuvem espalhando-se sobre ONGs, prefeituras, associações de bairro, empresas e cada um de nós” ou ainda “uma biblioteca onde a gente pega as ideias e escolhe as pessoas para desenvolver cada uma delas, mas não a estrutura que viabiliza cada uma delas”24.

Adriana Veloso, por seu lado, afirmava: “Gosto da caordem daqui e não me agrada a institucionalização deste projecto, mas todos passamos por isso. Há modelos organizacionais horizontais, que funcionam por consenso que acredito serem mais interessantes”25. A necessidade a médio prazo de captar apoio financeiro, receber equipamentos e de garantir a protecção legal dos projectos desenvolvidos obrigava, contudo, para Paulo Colacino, à constituição de uma ONG. Na sua opinião, era possível montar uma estrutura económica que permitisse a viabilização das actividades do grupo e manter a criatividade sob a forma do “xemelê de ideias” na lista e na wiki26. Antes da formalização em larga escala do núcleo do colectivo, deveria-se, contudo, segundo Daniel Pádua, pensar primeiro em implementar um trabalho comunitário concreto e que, para tal, não seria preciso uma estrutura jurídica que levaria obrigatoriamente a uma perda de espontaneidade e capacidade de transformação da comunidade. Assim, numa perspectiva “caórdica”, o Metáfora funcionaria como uma conversação livre empregando ferramentas online a partir da qual surgiriam núcleos descentralizados mas interligados entre si através de um consenso gerado na lista. Estes núcleos poderiam ser formalizados pelos interessados, podendo outras pessoas que quisessem participar juntar-se a essa entidade27.

Esse seria o modelo a ser seguido até ao fim do Metáfora, em projectos como o MetaONG e o MetaReciclagem, embora ambos nunca tenham chegado a efectivar uma verdadeira institucionalização. Em vez disso, no caso deste último em particular, o colectivo estabeleceu uma relação de colaboração com uma ONG, o Agente Cidadão, através do qual recebeu as suas primeiras doações de computadores. Houve, contudo, nos últimos meses do Metáfora, um esforço concreto de criação de uma entidade sem fins lucrativos. Para tal, foi aberta uma lista de discussão separada da principal – da qual já não existe registos -, de acesso restrito e Bernardo Schepop chegou mesmo a redigir um estatuto e organigrama da futura instituição que se deveria chamar Co:Lab28. A ONG deveria destinar-se ao desenvolvimento de projectos e redes sociais colaborativas, tendo por objectivos a realização de estudos e pesquisas em tecnologias livres e abertas de modo a fomentar o desenvolvimento social, o apoio especializado de outras ONGs, a promoção da partilha livre do conhecimento e a defesa dos direitos civis. Schepop recorda esse período no questionário que realizámos:

Quis muito que o Metáfora se viabilizasse como uma alternativa. Cheguei a elaborar junto com os demais um possível estatuto para uma futura ONG Metáfora. Isso envolveu um grande número de encontros e debates (...) O grupo concluiu que seria melhor não oficializarmos nada. Deixar o Metáfora neste instante flutuante (...) Mas, neste ponto, sem intenções de se estabelecer definitivamente, o 'projecto' diluiu-se

Num texto escrito em 2005 onde faz um resumo da história do Metáfora, Felipe Fonseca dá a entender que a ONG não foi a avante devido a outros problemas gerados dentro do grupo29:

Complicações em alguns projectos começaram a acicatar atritos que até então estavam sublimado, as brigas feias começaram a acontecer quase diariamente. Percebemos que uma ONG não era o caminho. A nossa principal força eram as acções descentralizadas mas coordenadas. Mas os atritos persistiram ainda por algum tempo (Fonseca, 2005).

Em entrevista, Fonseca acrescenta:

Sempre tivemos essa predilecção pela mobilidade, pelo nomadismo psíquico como diz o outro... Hoje também vejo que, constituindo uma pessoa jurídica, é possível que tivéssemos que definir um foco de actuação mais limitado. Talvez tivéssemos escolhido trabalhar só com reciclagem de computadores. E isso teria limitado muito a nossa actuação (Fonseca, 2005b).

No início de Outubro de 2003, poucas semanas depois do seu regresso de Amesterdão para integrar a delegação brasileira do festival N5M, Felipe Fonseca publicou uma mensagem na lista Xemelê e no seu blog da altura, o hipocampo, a anunciar que desistia de ser moderador e que cedia essa função a quem tivesse interessado30:

Como eu acredito que vocês devem ter percebido, a lista Xemelê parou. Quero contar para vocês o que eu estou fazendo a respeito: Nada. O fato é, eu cansei de ser moderador da Xemelê. Principalmente porque ela deixou de fazer jus ao nome. Não vi mais xemelê por ali, e não vou me esforçar em resgatar um cadáver (Fonseca, 2005).

No mesmo texto posterior já mencionado, Fonseca adianta uma das motivações por detrás dessa decisão: “As brigas dentro da lista do ProjetoMetáfora tornaram-se diárias e eu continuava tentando ouvir todos os lados antes de dar a minha opinião (...) Passava muito tempo tentando apaziguar as brigas e não podia dedicar-me a nenhum projecto específico” (idem). Por outro lado, sentia que certos participantes da lista estavam-se a apropriar do nome do projecto e da sua reputação para se apresentarem em iniciativas individuais como 'integrantes do Metáfora' sem terem realizado um trabalho válido no interior do colectivo”. Na sua opinião, o Metáfora era um conceito de produção colaborativa e não um grupo de acção, sendo composto por colaboradores e não por membros. “Peço mais uma vez: não usem o nome do projetometafora. Minha opinião: Ninguém pode se definir como Fulano do MetaFora ou vender o nome do metafora como realizador de um projeto. Não o façam e não aceitem que o façam” (idem). De um modo aparentemente involuntário, contudo, pode-se concluir que o gesto de Fonseca precipitou o fim do projecto. “Para minha decepção, depois dessa mensagem recebi quase uma dezena de e-mails de membros-chave do projecto dizendo que também estavam cansados das brigas e que saíriam comigo do ProjetoMetaFora”, escreveu ele mais tarde (idem). Pode-se ver por aqui que apesar da valorização atribuída à abertura e à colaboração, o papel de coordenador de todos os sub-projectos desempenhado por Fonseca era considerado essencial pelos outros voluntários. Para assinalar a despedida do Metáfora foi colocado um texto na página inicial do site do Metáfora:

MetaFora não é mais o que era. A máfia que controlava as senhas foi pra

Croatã. Deixaram algumas coisas de herança para o mundo:

- Um wiki recheadaço.

- Uma pá de idéias para projetos coletivos.

- Um método de produção colaborativa.

- Os arquivos das listas MetaFora e Xemele.

- Três listas em funcionamento: infrafísica, infralógica e ações.

Apropriem-se.

Alguns projetos que nasceram aqui e descolaram como esporos de uma

samambaia:

- MetaReciclagem.

- MeMeLab.

- Co:Lab.

- Buzzine.

- MetaOng.

- MidiaTaticaBrasil

Estão sendo realizados eventos abertos em todo o mundo para comemorar o

fim da ditadura no MetaFora.

Se fores justo, serás avisado31.

O título original do texto, “Dispersando, cambada!” foi depois alterado para “Reagrupai e esporificai-vos”, por sugestão de André Passamani/Maratimba. A frase sintetiza com clareza aquilo que foi desde o princípio a filosofia de actuação, o lema do projecto Metáfora, de servir como incubadora de projectos colaborativos que deveriam crescer e replicar-se de uma forma autónoma por toda a sociedade.

Liderança e Motivação numa “Caordem”

O texto de despedida do Metáfora também remete para as relações de liderança no interior do projecto – ainda que de forma invertida e com uma grande dose de auto-ironia... Felipe Fonseca assumiu desde o início a função de “ditador benevolente”32. Humoristicamente e com camaradagem, muitos elementos do Metáfora reconheciam-no legitimamente como tal33. Porém, o único poder efectivo que Fonseca chegou a exercer, e apenas durante um curto período de tempo, foi o de moderar as mensagens enviadas pelos novos subscritores da lista. O termo “ditador benevolente” está associado ao papel desempenhado pelo líder ou comité de líderes nos projectos de software livre que decide em definitivo quais as peças de código a integrar na versão oficial do programa. Segundo Manuel de Landa, estes “ditadores benevolentes” possuem uma autoridade inquestionável que lhes advém do facto de facilitarem e fomentarem a criação de uma comunidade de apoio ao projecto e não tanto de concentrarem em sim o processo de tomada de decisões (Landa, 2001). Tal como Eric Raymond constatou a propósito do modelo de desenvolvimento implementado por Linus Torvalds no Linux – baseado no lançamento constante de novas partes do código (release early, release often) e na delegação de responsabilidades a outros interessados -, a existência de líderes é indispensável em qualquer projecto de software livre, mesmo em colectivos com uma estrutura organizativa horizontal, descentralizada e baseada no consenso. Do mesmo modo que no campo da programação informática, no Metáfora Felipe Fonseca desempenhava esse cargo tentando ser o menos egocêntrico possível, no sentido de promover a colaboração entre todos34, tendo apelado várias vezes aos outros voluntários que assumissem a liderança das diferentes iniciativas do Metáfora de forma a levá-las a cabo:

O bom dos projetos colaborativos é a liberdade e toda aquela onda de inteligência coletiva e tal. Mas para começar qualquer projeto é necessária uma pessoa disposta a se dedicar pelo menos a estimular a colaboração (...) É necessário (...) um 'champion', um líder para o projeto35.

Muitas vezes, porém, mesmo quando as ideias eram executadas na prática, havia uma tendência para os projectos serem abandonados ou para evoluírem de uma forma independente do resto do grupo, como Fonseca se queixava:

Já repeti um milhão de vezes que cada projeto precisa de um líder. As coisas têm funcionado assim, até agpra. Mas eu sinto a falta de um feedback para o grupo. Os projetos saem daqui e não voltam (...) acredito que o líder de cada projeto interno, ou o representante metafórico de cada projeto externo precisam relatar periodicamente por aqui o que acontece36.

Em contraste com esta posição estava Adriana Veloso, que questionava a noção de líder:

Num grado muito de concentrar as coisas em um indivíduo principalmente quando se trata de projetos colaborativos em que há nucleos (ou pelo menos pessoas) de diversos locais. Essa coisa de representatividade e liderança é resquício da nossa cultura política que precisa de uma hierarquia pra poder pensar em organização. Mas entendo o que vc quer dizer com o relato. Acho que em cada projeto há um nível de envolvimento que nem sempre é contínuo. As pessoas empolgam com as coisas e depois já tem idéia melhor ou outro o que fazer. É esse nível de envolvimento com o projeto e com o grupo que levam o indivíduo a dar esse feedback que você está sugerindo (...) Num sei se vocês repararam na organização do ProvOs, mas (...) tá todo mundo no mesmo nível como um rizoma. Num tem representatividade. As decisões são tomadas de acordo com o nível de envolvimento de cada um dos voluntários e está tudo aberto para críticas e ajuda37.

Em resposta, Fonseca retorquiu:

Concordo que projetos colaborativos têm como grande força a descentralização. Mas hás de concordar que, se não fosse o albertão, metaong não existiria; se não fosse dri (Adriana Veloso) e dpadua, provOs não existiria; se não fosse tupi e dri, recicle não existiria... é necessário um impulso inicial. E isso não é resquício de autoritarismo ou ditadura ou hierarquização. Ou, ok, é uma hierarquização, mas temporária e para um assunto específico. Não acredito muito em igualdade a priori. Cada indivíduo vai ter um interesse maior em um determinado assunto, e os projetos só vão sair se esse cara conseguir conquistar pessoas suficientes para realizar o projeto (...) Sou contra a autoridade pré-definida, mas um grau de autoritarismo está presente em cada ato de comunicação (...), e temos que ter consciência disso e saber lidar38.

Adoptando uma posição conciliatória, Daniel Pádua dizia partilhar da mesma opinião de Veloso, salientando porém que as lideranças que tinham funcionado até então no Metáfora eram de pessoas com interesse no projecto que tomavam a iniciativa para o levar à avante. “Mas para isso acontecer, não adianta 'eleger' um líder, o que seria burlar a caordem”, pois “a liderança que um projeto precisa surge do caos”, concluía39. Fonseca salientou em seguida que não se tratava de uma questão de eleição, mas da necessidade de encontrar uma estrutura que permitisse ao responsável pelo projecto incentivar mais voluntários a participarem e comunicarem com o resto da rede colaborativa40.

A falta de envolvimento de mais pessoas para além do líder era também criticada por André Passamani/Maratimba, para quem não faltavam líderes para os projectos, mas sim um consenso, havendo em troca um excesso de egocentrismo dos outros colaboradores. “Não espero que um líder seja responsável pelo consenso, quero isso do grupo”, na medida em que “o cara que finaliza e o cara que tem a ideia original têm o mesmo valor”, acrescentava41.

Com base na análise das listas de discussão e da wiki, podemos verificar que, não obstante a existência da figura do “ditador benevolente” encarnada na pessoa de Felipe Fonseca, o processo de liderança emergindo do caos a que Daniel Pádua fazia referência pode ser encaixado na organização do Metáfora durante a sua existência. Esse modelo organizativo fica explícito numa declaração de um autor anónimo recolhida por Paulo Bicarato sobre o modo como o festival Midia Tática Brasil foi montado:

Foi construído de cima para baixo. As lideranças são aquelas obedecidas a milanos, as lideranças naturais que simplesmente vêm e dizem: eu fiz o que era para ser feito pro evento rolar pra todo mundo. O líder natural que vem servir ao coletivo, um coletivo que não precisa de muitas palavras para reconhecer a verdade42.

Este depoimento reflecte o espírito que se sentiu nos 15 meses de existência do Metáfora. Mais ainda, há que salientar que a lista do projecto serviu de fórum para muitas das discussões preparativas do Midia Tática Brasil, havendo muitos colaboradores comuns a ambas as iniciativas. Em último caso, contudo, pode-se dizer que a desistência de Fonseca e o consequente fim do Metáfora se deveu a uma fraqueza inerente ao modelo organizativo da “caordem”. Com a profusão de projectos, muitos dos quais permanecendo apenas na fase de rascunho e abrangendo àreas tão diferentes entre si, como arte, media, tecnologia, educação, cultura, activismo político e intervenção social, o núcleo central do Metáfora desagregou-se e deixou de haver um elo de ligação entre esses projectos. Mas, ao mesmo tempo, a “caordem” estabelecida no interior do colectivo foi também a maior mais-valia do Metáfora, uma vez que permitiu a autonomização e a replicação de um novo tipo de paradigma e metodologia baseados na partilha do conhecimento livre, como foi o caso mais vísivel do MetaReciclagem43.

 

Referências

As notas bibliográficas deste texto podem ser encontradas na tese do Miguel, no site do descentro: http://pub.descentro.org/backgroundresearch

Notas

1Utilização de weblogs no ambiente corporativo com a finalidade de estimular a colaboração e a organização pessoal do conhecimento.

2Utilização de weblogs em empresas para serviços de marketing junto de clientes.

3Grande parte do arquivo desta lista encontra-se disponível em http://metareciclagem.org/material/metafora/lista/. O arquivo está dividido em cinco ficheiros: o primeiro – grab.htm - vai até à mensagem nº 1501, o segundo – grab2.htm - vai da 1502 à 3001, o terceiro – grab3.htm – vai da 3002 à 4501, o quarto – grab4.htm – vai da 4502 à 6001 e o quinto – grab5.htm – vai da 6002 à 7501. Este arquivo não contém, contudo as mensagens datadas desde o final de Março até ao final de Junho de 2003, isto é, cerca de 2500 do total de 10 mil enviadas para a lista.

4Forma de protecção dos direitos de autor que tem como objectivo prevenir que sejam colocadas barreiras à utilização, difusão e modificação de uma obra criativa devido à aplicação clássica das normas de Propriedade Intelectual. A General Public License, licença que protege a maior parte do software livre, é uma forma de copyleft.

5Meros leitores das mensagens enviadas para a lista de discussão, que nunca intervêm publicamente.

6Ver mensagens nº 7, 8 e 9 do arquivo trocadas entre Paulo Colacino e Felipe Fonseca e a mensagem nº 1191 que contém uma reflexão do primeiro sobre o que tinha sido a evolução da lista até então. No questionário por email que realizámos, Tupi Namba assemelha o discurso inicial do Metáfora com “o empreendedorismo geek flower power de Silicon Valley e do anarquismo do periodo punk".

7Esta intenção de adequar a linguagem do discurso ao resto da sociedade está patente numa mensagem de Felipe Fonseca enviada para a lista a 24 de Julho de 2002 (nº 1059):

Acho que a nossa história aqui, como eu postei antes, xemlê de ideias, e tal, é fazer o meio termo de algumas coisas. Não ser tão geek, nem tão mercado, nem tão jornalixta, nem tão revolucionário que impeça o diálogo com os outros e com a sociedade (que, ao menos na minha opinião, é uma das motivações de projectos abertos como nosso grupim).

8Ver mensagens nº 5651 (Dalton Martins) e 5661 (Felipe Fonseca) no arquivo da lista.

9Ver arquivo quase completo da lista em http://amsterdam.servershost.net/pipermail/xemele_projetometafora.org. Deste arquivo não constam as mensagens enviadas para a lista na segunda quinzena de Setembro de 2003. O backup original do arquivo desapareceu irremediavelmente em 2004.

10A ideia de caordem foi introduzida na lista, logo no início, por Paulo Colacino, numa mensagem enviada para a lista sobre o modo de organização que iria reger a lista:

Primeiramente valeu Felipe pela criação do espaço. Vamos provar aqui que várias cabeças, dão mais cabeçadas que uma só e juntas cabeceam melhor do que sozinhas. É isso aí.

O segundo desafio é organizar isso aqui, se é que será possível. Vamos ter um diretriz, projetos, um objetivo, ou vamos discutir à esmo ? Caos ? Ordem ? Ou caordem ?

Felipe Fonseca respondeu de forma contundente:

Caordem.

Arquivos e Bookmarks: Caordem também. Cadum faz do jeito que quiser. Desde que passe o recado.

Ver mensagens nº 3 e 6 do arquivo da lista. O termo vem do inglês chaord introduzido por Dee Hock, fundador e director-executivo emérito da Visa, para designar qualquer organismo, organização ou sistema, tanto fisíco, biológico como social, que seja complexo, não-linear, auto-organizado e capaz de se adaptar ao seu meio-ambiente apresentando um comportamento que funde harmoniosamente características de caos e ordem. Uma chaord seria também qualquer entidade cujo comportamento revela padrões e probablidades observáveis que não são controlados ou explicados pelo comportamento das suas partes. Hock aplicou o conceito de “organização caórdica” à Visa, seguindo os princípios organizativos fundamentais da natureza. Ver Hock, Dean (1999), “Birth of the Chaordic Age”, Berrett-Koehler Publishers.

11Inspirado no conceito de noosfera teorizado pelo jesuíta francês e paleontólogo francês Teillard de Chardin relativo a uma esfera do pensamento humano composta por todas as inteligências humanas que evolui em direcção a uma maior integração, Lévy argumenta de um modo optimista que as redes de computador, os ambientes virtuais e o multimédia estão a possibilitar o surgimento de um espaço do conhecimento que irá unir as nossas mentes num todo que será potencialmente maior que a soma das partes:

O que é a inteligência colectiva? É uma inteligência globalmente distribuída, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que conduz a uma mobilização efectiva das competências (...) O fundamento e o fim da inteligência colectiva é o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas e não o culto de comunidades fetichisadas ou hipostasiadas (Lévy, 1997 [1994], 38).

Empregando um discurso teórico que será mais tarde explorado por Hardt e Negri no conceito de “Multidão”, embora numa perspectiva mais marxista (2000 e 2004), Lévy escreve:

O colectivo inteligente não submete nem limita as inteligências individuais; pelo contrário, exalta-as, fá-las frutificar e abre-lhes novas potencialidades (...) Faz crescer uma forma de inteligência qualitativamente diferente, que vem juntar-se às inteligências pessoais, uma espécie de cérebro colectivo ou de hipercórtex.

Hipercórtex foi, aliás, o nome de um dos projectos individuais de Felipe Fonseca antes do Metáfora, e que seria uma “combinação de enciclopédia, jornal, dicionário, fórum e chat” construída pelos utilizadores, partindo do modelo do Slashdot. Fonseca iria retomar o termo como nome de um blog.

13Cópia de arquivo do texto “Metáfora: incubadora colaborativa” disponível em http://web.archive.org/web/20021223221540/http://www.novae.inf.br/neural....

14Inicialmente, o modelo da tríade incluía o conteúdo em lugar da interacção, de acordo com a mensagem nº 967 de Daniel Pádua enviada para a lista a 22 de Julho de 2002 relativo à proposta de criação da UTIL (União pela Tríade da Informação Livre, que não veio a ser posta em prática. Em reacção às tentativas das indústrias de tecnologia e entretenimento de controle e vigilância através de tecnologia supervisionada por extensões de hardware, software proprietário e conteúdos de acesso restrito, a UTIL deveria ter uma missão de “evangelização” no sentido de alertar os utilizadores para a necessidade de uma estrutura de comunicação online livre assente em: 1) tecnologia reciclada e redes comunitárias sem fios; 2) software livre; 3) blogs, redes P2P e conteúdos abertos e livres. Ver página do projecto na wiki em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?UTIL.

Felipe Fonseca iria mais tarde, a 14 de Agosto, sugerir que a estrutura da tríade servisse como modelo das actividades do Metáfora, dado que a maioria dos projectos podia ser encaixada em cada uma das três partes (mensagem nº 1626). Em resposta, Paulo Colacino (mensagem nº 1627) propôs a inclusão da interacção ao esquema, de modo a salientar a importância das relações entre nós humanos. O logotipo do Metáfora, um círculo com três setas viradas para o centro – consiste numa representação gráfica do conceito da tríade implementada por Tupi Namba – aprovada pelo colectivo através de uma votação -, a partir de uma ideia de Bernardo Schepop (mensagem nº 1991). Ver página na wiki em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?IdentidadeVisual.

15Site disponível em http://www.lowtech.org. Durante as discussões na lista que deram origem ao MetaReciclagem, Schepop indicou o exemplo desta ONG como uma possível referência para o novo projecto (mensagem nº 335 e 553.

16Deve-se também salientar aqui a reputação que Hernani Dimantas granjeava na época na Internet brasileira graças ao seu blog Marketing Hacker (www.buzzine.info/marketinghacker), que veio a dar origem ao livro com o mesmo nome e o subtítulo A Revolução dos Mercados, publicado em 2003 pela editora Garamond. Outro blog que contribuiu para a divulgação do Metáfora foi o Interney (www.interney.net) de Edney Souza, que em Feveriro de 2006 surgia em oitavo lugar na lista TopLinks dos sites com maior número de ligações (280 – à frente de todos os outros blogs) por parte dos bloggers brasileiros desde todos os tempos, disponível em http://toplinks.idearo.com.br/todos.php.

17Ver mensagem nº 6748 enviada para a lista por Bernardo Schepop, fazendo o balanço da primeira reunião física oficial do Metáfora a 24 de Fevereiro de 2003 no “galpão” do Agente Cidadão.

18Como reconheceu mais tarde Felipe Fonseca (2003c).

20Ver mensagens nº 293 de 11 de Julho e 473 de 15 de Julho de 2002.

21Ver mensagem nº 321 de 11 de Julho de 2002.

22Ver mensagens nº 327 de 11 de Julho, 330 de 12 de Julho e 482 de 15 de Julho de 2002. Albertão veio inclusivé a criar um projecto na wiki do Metáfora relativo à formação de uma ONG que prestaria serviços de consultoria em software open-source a outras ONGs através de voluntários com formação técnica adequada, o UnusMundus, em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?UnusMundus.

23Ver mensagem nº 2326 de 4 de Setembro de 2002.

24Ver mensagens nº 2330, 2331e 2358 de 4 e 5 de Setembro de 2002.

25Ver mensagem nº 2332.

26Ver mensagem nº 2357 de 5 de Setembro.

27Ver mensagem nº 2373 de 5 de Setembro.

28Ver página da wiki em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Co%3ALab. O termo CoLab, que remete através do prefixo “co-” para companhia, cooperação e colaboração e através do sufixo “-Lab” para experimentação, pesquisa ou laboratório, foi também pensado por alguns elementos do colectivo – André Passamani/Maratimba e Felipe Fonseca - para designar um espaço que funcionaria como um misto de café, bar, restaurante, sala de conferências e debates, ponto de acesso à Internet sem fios e livraria/bibilioteca. Fonseca teve a ideia para este espaço, que serviria como “uma extensão das conversações online” após a sua participação em Setembro de 2003 no festival N5M, em Amesterdão (2005). Ver página relacionada na wiki do Metáfora em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?OpenSpace.

29Um dos casos onde a tensão entre os elementos do grupo foi mais evidente consistiu nas discussões travadas na lista Xemelê em finais de Junho de 2003 a propósito do ConecTAZ, o evento que estava a ser planeado para Outubro/Novembro desse ano e que deveria marcar o lançamento da nova ONG CoLab.

30Lamentavelmente, esta mensagem original já não está disponível excepto no texto posterior que Fonseca escreveu.

31Uma cópia da página inicial do site do Metáfora está disponível em http://www.metareciclagem.org/metafora.

32Ver a mensagem nº 96 de Felipe Fonseca enviada para a lista a 4 de Julho de 2002 em que este rectifica Paulo Colacino por lhe ter chamado de Imperador.

33Ver mensagens nº 149, 174, 220, 442, 501, 1268, 1699, 1708, 1771, 2186, 2197, 2971, 3567, 3925 e 6194 da lista do Yahoo!. Ver também na lista Xemelê: http://amsterdam.servershost.net/pipermail/xemele_projetometafora.org/20... e http://amsterdam.servershost.net/pipermail/xemele_projetDe Tecnologias da Resistência, tese de mestrado de Miguel Caetano
http://pub.descentro.org
ometafora.org/2003-July/000413.html.

34No decurso do projecto, foram sendo lançadas várias “pesquisas de opinião” de forma a aprovar, rejeitar ou escolher determinadas propostas que alguns dos voluntários sugeriam em relação ao núcleo central do Metáfora.

35Ver mensagens nº 2988 enviada para a lista por Fonseca a 18 de Outubro de 2002. Ver também as mensagens nº 2576 de 10 de Setembro de 2002 e 4570 de 24 de Outubro de 2002.

36Ver mensagem nº 5619 de 17 de Dezembro de 2002.

37Ver mensagem nº 5631 de 17 de Dezembro de 2002.

38Ver mensagens nº 5638 e 5640 de 18 de Dezembro de 2002.

39Ver mensagem nº 5640 de 18 de Dezembro de 2002.

40Em Março de 2003 viria a ser implementado um sistema de comunidade online baseado na plataforma Drupal de forma a dar resposta a essa necessidade de uma maior comunicação interna e externa. Este sistema, integrado no site do Metáfora, já não se encontra disponível. Ver cópia de arquivo em http://web.archive.org/web/20031022213440/http://drupal.projetometafora....

41Ver mensagem nº 5669 de 19 de Dezembro de 2002.

42Ver mensagem nº 6982 de 28 de Fevereiro de 2003.

43No início de 2005, Felipe Fonseca retomou a ideia do Metáfora sob o nome de CoLab, através de uma lista de discussão e de uma wiki. Ver arquivos da lista em http://www.colab.info/cgi-bin/mailman/listinfo/lista e wiki em http://www.colab.info/wiki/index.php/Pagina_Inicial. Apesar do ímpeto inicial na troca de ideias, um ano depois o projecto encontrava-se estagnado, servindo apenas para discussões de ideias não relacionadas com os assuntos debatidos na lista do MetarReciclagem. Entre as iniciativas apresentadas no âmbito do CoLab contam-se:

  • Academia Livre - visava a montagem de espaços de interacção presencial baseados no conceito de aprendizagem distribuída do MetaLearning, de forma a possibilitar o debate e a produção de conhecimento livre. O financiamento de cada espaço seria assegurado através de um modelo de sustentabilidade baseado em cotas de associados e numa moeda virtual. Ver página em http://www.colab.info/wiki/index.php/AcademiaLivre.

  • CursosCoLab – ambiente online baseado na plataforma open-source Moodle destinado à criação e frequência de cursos de estudo relacionados com os colectivos de media tácticos brasileiros. Até ao início de 2006 tinham sido criados oito cursos abordando temas como produção mediática autónoma e independente, construção de distribuições GNU/Linux, sistemas colectivos de bookmarks e RSS, tecnologia social, semiótica, design gráfico e animação digital.

  • MochilaWiFi – projecto para a criação de uma mochila equipada com um computador rodando Linux, uma placa USB WiFi e uma antena repetidora de sinal, em que esse terminal estaria ligado a um módulo de mão formado por um monitor e um teclado de um telemóvel usado. Esta mochila permitiria partilhar o acesso à Internet sem fios em zonas periféricas não abrangidas pelos serviços das empresas de telecomunicações.

Na entrevista que realizámos, Fonseca explica a suspensão do CoLab da seguinte forma: “Talvez colab tenha sido um pouco de ingenuidade. Aliás, começamos como ProjectoMetáfora/dois, tentando ressuscitar a agitação que acontecia no Projecto Metafora. Mas o momento já era outro. Não fazia sentido pensar que tinhamos feito uma pausa e que seria só carregar em play novamente.”