Cartografando: Esporos, ConecTAZes, Infralógica

Felipe Fonseca, janeiro 2009

Este texto é uma remixagem apressada de descrições curtas sobre Esporos e ConecTAZes da MetaReciclagem. Decidi fazê-lo para ter uma visão geral mais concreta das ações de MetaReciclagem, mesmo sabendo que não seria abrangente o suficiente.

Uma das maneiras de entender a MetaReciclagem é vê-la como uma rede distribuída de pessoas que compartilham uma prática, uma sensibilidade, uma metodologia. Essa metodologia diz respeito a um tipo de relação com a tecnologia que se baseia na desconstrução, reuso e re-significação, com o uso de software livre e o compartilhamento na rede dos aprendizados e descobertas resultantes.

O que significa distribuída? Que a MetaReciclagem não cresce a partir de um ponto central que vai se espalhando, mas a partir de projetos e pessoas em diferentes lugares que decidem voluntariamente adotar essa metodologia.

Para promover a integração entre esses diferentes projetos e pessoas, a gente desenvolveu uma nomenclatura que envolve três escalas:

  • Esporos são espaços de referência em MetaReciclagem. Geralmente, são espaços abertos que recebem doações de computadores, que são então remanufaturados e destinados a algum uso relacionado a educação, projeto social ou experimentação. Esporos podem organizar eventos, oficinas e cursos. Uma lista dos esporos ativos atualmente está disponível aqui: http://rede.metareciclagem.org/listas/esporos
  • ConecTAZes (um termo cunhado por Daniel Pádua, inspirado na idéia de TAZ – Zona Autônoma Temporária) são, de maneira abrangente, projetos de MetaReciclagem: qualquer ação que requeira a mobilização de pessoas para alcançar um objetivo comum, que também esteja ligado aos objetivos da MetaReciclagem. Uma lista de conectazes: http://rede.metareciclagem.org/listas/conectazes
  • A infralógica é um conjunto de sistemas na internet que possibilitam que os diferentes esporos, conectazes e pessoas se mantenham informados sobre o que as outras estão fazendo, e possam usar os aprendizados coletivos como recursos para seus próprios objetivos. A infralógica hoje em dia está centralizada aqui: http://rede.metareciclagem.org (e não vou falar mais sobre ela neste texto).

Esporos

Galpão. O Agente Cidadão é uma ONG dedicada à "logística da cidadania": capta doações de bens materiais (roupas, livros, móveis... e computadores) e as encaminha para projetos sociais. Eles hospedaram o primeiro esporo de MetaReciclagem em um espaço anexo a seu escritório, na zona sul de São Paulo. Trabalhamos diretamente com eles do início de 2003 até a metade de 2004, e tivemos a oportunidade de pesquisar e otimizar tecnologia para MetaReciclagem. Muitas pessoas que ao longo dos anos contribuiriam bastante com a rede apareceram por causa do laboratório (chamado carinhosamente de galpão). O Agente Cidadão nos ofereceu contato direto com dezenas de entidades e projetos sociais de São Paulo, com a intermediação de Adilson Tavares, que coordenava a logística e o operacional da ONG (e que veio a falecer em 2007, para tristeza de muitxs amigxs). O galpão sediou algumas das reuniões onde se tentava criar uma ONG para o projeto Metá:Fora, recebeu as primeiras grandes doações (90 computadores, logo depois do Mídia Tática Brasil), e recebia a cada fim de semana uma dúzia de voluntárixs e curiosxs, entre eles o Eduardo Mota, que ensinou muito do que a gente sabe sobre redes, wi-fi e servidores; e o Fernando Henrique (Liquuid'Slave), que entre muitas outras coisas criou o MetaLinux, uma distribuição GNU/Linux especial para computadores antigos. O galpão também catalisou o desenvolvimento de uma série de projetos.

  • Casa Amarela foi o primeiro telecentro com computadores usados que a gente montou.
  • AutoLabs foi um projeto articulado pela rede Mídia Tática (mais abaixo, em ConecTAZes).
  • CyberSocial foi um espaço que ocupamos por um mês dentro do shopping SP Market (onde ficava o Agente Cidadão). Leia mais abaixo, em ConecTAZes.

O Agente Cidadão também ofereceu apoio material e operacional a outras ações, como os esporos no Parque Escola, na Sacadura Cabral e na galeria Olido.

O Parque Escola, em Santo André, tinha a proposta de explorar diversas formas de reciclagem de material. A partir de um contato de Hernani Dimantas, a MetaReciclagem foi convidada a ocupar um container e desenvolver um esporo de MetaReciclagem no parque. Diversos projetos foram articulados nesse contexto: o videowall com computadores usados, a exposição sobre reciclagem, os experimentos de ciências com peças recicladas, o planejamento de um parque científico, cursos de reciclagem de computadores para cooperativas e o que pode ter sido (em 2004) a primeira rede wi-fi aberta em um parque público no Brasil. Foi também no Parque Escola que Glauco Paiva se aproximou da MetaReciclagem e começou a pintar os computadores usados com temas coloridos, que até hoje são elementos marcantes do imaginário metarecicleiro.

Sacadura Cabral. O esporo metarecicleiro de Sacadura Cabral, núcleo habitacional de Santo André, surgiu depois do curso de metareciclagem que Dalton Martins realizou no Parque Escola. Na época em que estava ativo (meados de 2005), o esporo recebeu uma grande quantidade de doações e ofereceu cursos para a comunidade. Uma entrevista de Dalton Martins para a BBC foi realizada no esporo.

Bailux é um esporo de MetaReciclagem em Arraial d'Ajuda, tocado pelo Regis. Já há alguns anos, o Bailux é um dos espaços mais constantes da MetaReciclagem, sempre em movimento e servindo como espelho e inspiração para o restante da rede.

Boralá é um projeto do britânico Ian Lawrence, que mora em Manaus. Ian foi quem convidou Felipe Fonseca e Dalton Martins a apresentarem a MetaReciclagem no painel Debian-NP da DebConf de 2004, em Porto Alegre.

IP:// Começou no início de 2005, organizado por Tati, Ruiz, Djahjah e Romano no coração da Lapa, Rio de Janeiro. A proposta original do IP estava declarada no site:

/boot aproximar práticas de mídia, arte e ativismo das novas mídias e do software livre; produzir e distribuir mídia livre, IP:// tem como foco o desenvolvimento de práticas e pesquisas que busquem unir novas e antigas ferramentas de comunicação à produção cultural independente.

/home é também um espaço físico para discussão, aprendizado, comunicação e eventos em net.arte, web e mídia arte, projetos de re-apropiação tecnológica, mídia comunitária e tática no Rio de Janeiro.

/bin foco em projetos que enfrentam a desigualdade no acesso às novas mídias e às tecnologias sociais, projetos que estimulam a formacão de redes de colaboração, a diversidade cultural, a organização dos movimentos sociais e a computação feminina.

Mezanino. O Centro Cultural Galeria Olido, no centro de São Paulo (Av. São João), é um complexo com cinema, salas de de dança, galeria de exposições e mais uma série de projetos. Por conta de uma parceria da prefeitura de São Paulo, do projeto Cibernarium e da cultura digital do Ministério da Cultura, o Olido abrigou, de meados de 2005 até fevereiro de 2006, um esporo de MetaReciclagem planejado especialmente para esse fim. O esporo ficava no mezanino em cima do telecentro da galeria. Integrantes do projeto MetaReciclagem planejaram a implementação do espaço, que sediou ações de reciclagem de computadores, aprendizado informal e seminários técnicos.

MetaCampinas foi uma tentativa de implementar a MetaReciclagem em projetos de inclusão digital com a prefeitura de Campinas, como o Jovem.com na Casa Brasil. Foram desenvolvidas oficinas e cursos de artesanato com componentes de computadores usados.

O MetaProjeto começou no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, com o objetivo de trazer a perspectiva da apropriação tecnológica para dentro do contexto do programa Acessa São Paulo. Diversas oficinas foram realizadas no PEFI, e o projeto serviu de base para a posterior implementação do Weblab Social, no Parque da Juventude (mais abaixo).

Casinha foi por algum tempo (2006 e começo de 2007) o centro de pesquisa da Cultura Digital do Minc em São Paulo. Não foi propriamente um esporo ativo de MetaReciclagem, mas sediou os diálogos do ciclo Gambiarra.

O WebLabSocial é um esporo de MetaReciclagem no Parque da Juventude, em São Paulo. Oferece uma programação continuada de diversas oficinas e cursos. Também é espaço para experimentação, como as oficinas de metabots e outros projetos. O dia a dia é tocado por Guima, Joe e Cesinha.

ConecTAZes

Mídia Tática Brasil foi um evento no início de 2003, na Casa das Rosas, Fundação Japão e SESC Paulista. Foi a primeira aparição pública da MetaReciclagem. A movimentação em torno do evento criou níveis de articulação entre diversos coletivos do Brasil, MetaReciclagem incluso. Montamos um lab experimental na Casa das Rosas, com quatro computadores velhos ligados em rede, e fizemos uma oficina de Colaboração Online no Telecentro de Cidade Tiradentes. Como conseqüência do evento, Felipe Fonseca foi no mesmo ano para Amsterdam para participar do Next 5 Minutes.

O projeto CyberSocial foi uma ConecTaz criada em parceria com o Agente Cidadão dentro do Shopping SP Market, durante o I Mês Social. Foi a primeira vez em que montamos um laboratório completo, com um servidor exportando o ambiente gráfico para clientes sem HD reciclados ("terminais leves") e pintados. Os computadores foram pintados pelo artista plástico Glauco Paiva, e o CyberSocial contou com cursos abertos cobrindo diversas áreas, técnicas e conceituais. .

O projeto Autolabs aconteceu em 2004 dentro do programa Cajus, Centros de Ações Juvenis, uma parceria da Prefeitura Municipal de São Paulo com a Unesco, Fiat e LaFabbrica com diversos coletivos independentes articulados pela rede Mídia Tática. Previa a montagem de estrutura e a realização de oficinas de apropriação tecnológica e produção midiática para trezentxs jovens da Zona Leste de São Paulo. A MetaReciclagem cedeu 45 computadores do galpão, montou os telecentros e ministrou oficinas.

Waag/Sarai. A partir da articulação internacional criada pelo Mídia Tática Brasil, a MetaReciclagem teve contato com diversas redes em todo o mundo. Em 2004, enviamos uma proposta de projeto para integrar a plataforma de pesquisa entre a organização indiana Sarai e a sociedade Waag, da Holanda. Em vez de propor um centro de mídia, como a chamada de projetos pedia, propusemos o desenvolvimento de uma metodologia em rede de ocupação de espaços (a argumentação ia na linha de “não precisamos criar um novo centro de mídia, já existem vários por aí”). No ano seguinte, Bia Rinaldi e Fernando Liquuid'Slave foram convidados, como integrantes da MetaReciclagem, a fazer uma residência no projeto Cybermohalla, em Nova Déli. A plataforma Waag/Sarai também apoiou a produção das primeiras conferências Submidialogia e da publicação Digitofagia, e a criação do DesCentro.

Os Pontos de Cultura são parte integrante do projeto Cultura Viva, do Ministério da Cultura. Consistem em centenas de centros culturais comunitários, promovendo o desenvolvimento da produção cultural, com foco prioritário na inserção das culturas locais no âmbito da interconexão através das tecnologias de informação e paralelamente o desenvolvimento de software livre. O projeto dos Pontos de Cultura dialoga profundamente com aspectos de cultura digital, por influência direta do ex-ministro Gilberto Gil. O objetivo do projeto é tornar o conjunto dos Pontos de Cultura uma grande rede de produção, circulação e acesso à produção cultural brasileira, promovendo o crescimento e a profissionalização de outros ciclos de cultura. A estratégia de cultura digital para os pontos de cultura foi desenvolvida com a participação de diversos integrantes da rede MetaReciclagem, que também fizeram parte da implementação e suporte aos pontos. A MetaReciclagem e a ênfase no artesanato tecnológico, além da opção pelo software livre e por licenças livres, surgiram como estratégia de apropriação de tecnologias para Pontos de Cultura. Além de uma dezena de metarecicleirxs, o projeto contava com uma equipe de quase noventa pessoas para testar, adequar e implementar soluções multimídia baseadas totalmente em software livre. Por algum tempo, o desenvolvimento e implementação dos pontos de cultura concentraram-se em dois núcleos fundamentais: a cultura digital do MinC, em Brasília, e o espaço Piolim, dentro da galeria Olido, ao lado do esporo Mezanino, além de coordenadores regionais para o sul, salvador, recife e região norte.

DigitoFagia foi um evento realizado no MIS - Museu da Imagem e do Som no início de novembro de 2004. A proposta era promover o debate e ações conjuntas relacionadas à apropriação tipicamente brasileira das novas linguagens de comunicação e experimentação estética, e o relacionamento dessas ações com o contexto social e de mídia tática. O projeto MetaReciclagem participou do DigitoFagia montando uma InstallFest permanente, uma BurnStation (e uma tentativa de CopyStation), além da participação de alguns de seus integrantes nos debates. Participou também indiretamente através do projeto CapimVille, uma estação de som itinerante criada por Cris Scabello em um computador do projeto MetaReciclagem, e utilizando exclusivamente software livre.

Oficinas Nômades. Oficina realizada em 2004 durante o Fórum Cultural Mundial, no Sesc Pompéia (São Paulo), por Dalton Martins e Glauco Paiva, com a participação de Etienne Delacroix. O objetivo da oficina era investigar as possibilidades criativas decorrentes da desconstrução em vários níveis das redes de computadores.

As Casas Brasil são um projeto federal de inclusão digital, que oferece um módulo de “laboratório de MetaReciclagem”. Integrantes da rede participaram da elaboração do projeto e do desenvolvimento da capacitação online para as pessoas que trabaham nos laboratórios.

O Ciclo Gambiarra consistiu em uma série de atividades que tinham por objetivo promover o aprofundamento conceitual de questões relacionadas a apropriação tecnológica, improviso, aprendizados, gambiarra e bricolagem. Foi idealizado no fim de 2006 e articulado através da lista de discussão e do wiki. Tomou forma no primeiro semestre de 2007, através do LaMiMe – laboratório de mídias da MetaReciclagem, no Sesc da Av. Paulista; e dos Diálogos na Casinha - série de debates realizados na Casinha, transmitidos ao vivo pela internet e acompanhados por bate-papo no irc

O conceito de Bricolabs vem da ação proposta pelo espaço Estilingue, em Belo Horizonte. Define as metodologias envolvidas no estabelecimento de laboratórios de "baixa tecnologia". O nome Bricolabs foi utilizado para batizar a rede articulada por Felipe Fonseca junto com Bronac Ferran (Reino Unido) e Robert van Kranenburg (Holanda), que agrega pessoas de todo o mundo interessadas em infra-estruturas genéricas, inovação baseada em abertura de código (hardware aberto, software livre, conhecimento livre, espectro aberto...). A rede conta hoje com quase 100 pessoas.

MíMica foi um laboratório de democratização de mídia e produção de conhecimento livre a ser realizado na galeria Olido, no centro de São Paulo, de 25 a 29 de janeiro de 2006, paralelamente ao Fórum Social Policêntrico. Integrantes de diversos movimentos sociais se reuniram para debater e trocar experiências relacionadas a comunicação, tecnologia e engajamento.