Dalton Martins, 14/10/2008, publicado no blog http://lixoeletronico.org
(N. do E.: esse texto do Dalton conta um pouco mais da experiência dele com MetaReciclagem em Santo André, que começou em fins de 2003 e se estendeu até 2005)
Relatar experiências nunca foi meu forte. Mas, ao ler os posts do Felipe falando do modelo de logística distribuída, algo que participei ativamente pensando, tentando, propondo, nos últimos anos, despertou uma vontade de completar um pouco da história e relatar os princípios do que aconteceu em Santo André.
A Chegada
Já vínhamos buscando experimentar algumas das idéias de MetaReciclagem em outros locais, como no galpão do Agente Cidadão, na Casa Amarela (uma organização que ficava próximo do Morumbi e onde montamos o primeiro laboratório de máquinas metarecicladas) e nos 3 laboratórios pilotos dentro do projeto CAJUs (Centros de Ação Juvenis), que montamos em Ermelino Matarazzo, São Miguel Paulista e Itaquera.
No entanto, todas essas ações foram extremamente rápidas, desorganizadas e, basicamente, o que fizemos foi: recuperar algumas máquinas, montar um servidor Linux, montar uma rede local, instalar as máquinas e tentar capacitar alguém local para tocar a estrutura. Apesar disso, foram grandes escolas, onde pudemos avaliar algumas dificuldades que nos permitiram direcionar melhor a pesquisa: que distribuição utilizar, formas de suporte técnico, capacitação e a questão da banda larga.
Primeiros passos dados. Alguns passos experimentais. Enfim, resolvemos ir a Brasília, II Oficina de Inclusão Digital, início do governo Lula. Eu, Felipe Fonseca e Slave fomos em busca de encontrar quem estava pensando Inclusão Digital no Brasil e de que forma poderíamos mostrar MetaReciclagem como uma possibilidade de sustentabilidade e formação de rede para os projetos existentes. Encontramos Hernani Dimantas e Ricardo Kobashi, que foram a ponte de conexão direta com Santo André.
Parque Escola - Um local que tinha por objetivo ser construído todo a partir de material reutilizado de obras, sobras de empresas, lixo e tudo o mais que pudesse ser adaptado na cabeça do arquiteto Henrique Zanetta. O local perfeito e com a abertura necessária para a experimentação. Fomos conhecer o local na volta de Brasília. Sinergia imediata, uma semana depois começamos a trabalhar.
Propostas e princípios
A proposta inicial era:
- montar um laboratório de reciclagem de computadores dentro do Parque;
- equipar o Parque com computadores de acesso ao público em diversos locais;
- disponibilizar uma conexão de Internet banda larga Wifi para o Parque e redondezas;
- articular com a área de cooperativismo da prefeitura um projeto de informatização das cooperativas com base na produção do laboratório;
- capacitar jovens das 2 favelas próximas do parque, para criarem um empreendimento popular em duas áreas de negócios criadas para este fim pela prefeitura.
Um bom escopo de trabalho. Tivemos total apoio da equipe de coordenação do parque e da secretaria de educação. Enfim, era o momento ideal e com o nível de sustentabilidade ideal (tínhamos um cenário de quase 2 anos de projeto pela frente) para experimentar um processo com mais tempo e possibilidade de analisarmos o resultado.
Nos baseamos nos princípios conceituais de MetaReciclagem que havíamos discutido por meses seguidos na lista de emails. A seguir:
- atuar na tríade da informação livre, ou seja, trabalhar com hardware livre (doação), software livre (linux e aplicativos), oficinas de apropriação dessa tecnologia para promover a formação de redes livres;
- conexão com os projetos de economia solidária e microcrédito (sim, as idéias do Mohammad Yunusforam extremamente importantes na época, quase todos tínhamos lido a experiência do livro o Banqueiro dos Pobres);
- conexão com os projetos de coleta seletiva da prefeitura para auxiliar na tal organização da logística distribuída;
- ter o laboratório constantemente aberto, para que os usuários do parque pudessem atuar de forma efetiva na recuperação das máquinas, seja nas oficinas de Hardware, seja usando as máquinas para acesso;
- criar processos de apropriação da tecnologia: experimentar as diversas formas que as pessoas poderiam usar e experimentar aquelas peças, softwares e ferramentas.
Primeiras doações
Para minha surpresa geral e de praticamente todos naquela época, em questão de duas semanas de trabalho, graças a um importante contato com uma pessoa do Semasa (obrigado, Meire!) conseguimos uma doação de 30 Pentium 100MHz, 20 impressoras matriciais, 30 monitores de vídeo e mais uma porção de peças e sobras de outros computadores.Tínhamos o básico de materiais para avançar. Muito mais veio depois, mas essa primeira doação foi fundamental, pois se esperássemos meses para obter equipamentos perderíamos o tempo adequado de mostrar resultados.
Enfim, um laboratório
Ao mesmo tempo, ganhamos uma doação de 25 mesas de escritório e 10 estantes da Prefeitura de São Paulo. Era tudo o que precisávamos. Tínhamos o necessário para um bom desenvolvimento do projeto:
- espaço e infra-estrutura;
- computadores;
- ferramentas;
- banda larga;
- vontade política de fazer;
- apoio local.
MetaReciclagem se tornava real a cada passo dado e percebíamos que o que mais nos importava, a capacidade de agenciamento das redes, era o elemento fundamental que permita o projeto construir sentido e avançar em suas propostas experimentais.
Mas, hein?
Pois é, todo esse processo, extremamente intenso, não levou mais de 3 meses para estruturar e ter condições de começarmos a operar.
Era o momento adequado de conectar pessoas e experienciar a ocupação dos espaços. Chegava o momento da emergência da Rede!