Regras de jogo

Stalker, respondendo na lista metarec a uma mensagem de Felipe Fonseca.

Felipe Fonseca wrote:
> Enton, meninas e cumpadis
>
> Eu ia elaborar mais por aqui, mas sacumé,
> release early release often. Vqv.
>
> A parada é a seguinte: MetaReciclagem
> começou com duas ou três pessoas sem
> rumo passando parte de seus fins de
> semana num galpão insalubre da zona
> sul de São Paulo. Não, MetaReciclagem
> começou antes, como idéia dentro do
> projetometafora, mas essa história já
> tá contada pelos cantos da web. O
> esquema é que de repente, o esquema
> foi crescendo, em parceria com uma ou
> outra ONG, depois com apoios formais
> ou informais de uma ou outra ação
> governamental, até virar uma coisa
> descentralizada que ninguém mais
> sabe explicar, que funciona de maneira
> aberta mas não tem regras internas
> muito claras (e talvez não precise,
> ou talvez ainda não precise, sei lá).

A gente pode lidar com a normatividade de dois jeitos:

 

  1. Pirando em regras de jogo bem minuciosas, que prevejam todas as jogadas; neste jogo soma-zero, quem ganha faz o outro perder, podem-se até desenvolver táticas e estratégias (que funcionam como um segundo plano normativo), mas o conjunto de regras de jogo permanece o mesmo, o jogo se desenvolve cronologicamente segundo correlações de causa-conseqüencia. Isso é um "jogo real", modelo dos jogos com os quais brincamos, do truco às bolsas de valores, para não falar na política institucional que segue.  É assim que para a "teoria da  escolha racional" (derivada da "teoria dos jogos") se organizaria a sociedade como um /sistema/.
  2. Pirando em princípios de jogabilidade bem gerais, que sirvam para criar um espaço de convergência de ações e construam em linhas gerais alguns objetos para os quais estas ações se dirigem; mas estas regras são mudadas a cada lance, não há distinção entre elas e as estratégias e táticas emergentes, cada ação as reconstrói e o jogo não é o mesmo a cada momento nem para cada jogador. O "jogo ideal", neste caso, é o modelo do pensamento, na arte, na filosofia e na política instituinte... e da transbricolagem/metareciclagem, em se tratando da lida com ferramentas e máquinas.

Claro que não dá para ser um jogo puramente ideal. Mas dá para o MetaRec formular suas regras para si de modo a ciclicamente arrebentá-las, retomando-as como princípios a cada ciclo.

> Mas o esquema é que MetaReciclagem
> sempre foi mais eventual: pessoas
> que põem o rótulo MetaReciclagem
> em suas correrias.

Não acho que "aderir" à MetaRec seja simplesmente "por um rótulo". Quando identificamos atividades como metarecicleiras, elas mudam de sentido e passam a se comunicar com todo o processo de metareciclagem que se pratica e se conceitua. Parece-me que a questão é a da "colheita": o conceito de MetaRec interpreta nossas ações, transformando-as e colocando-as em virtual comunicação umas com as outras. O que se sugere aqui (no texto do ff) é um esforço de /atualização/ desta comunicação.

> A idéia de institucionalizar, levantada
> por alguns aqui, é menos importante
> do que a intenção que acredito que
> exista de organizar as interações que
> existem, de fazer as coisas acontecerem
> de maneira que dê oportunidade de
> todo mundo participar. Então, eu acho
> que tá na hora de fazer as coisas
> para "a" MetaReciclagem em si, não
> apenas beneficiar outros projetos
> com a MetaReciclagem.

Concordo. Mas acho que o grande perigo de qualquer institucionalização é que nunca partimos do zero. A cizânia do MetaRec há alguns anos (MetaClubeDaLuta, lembram?) foi resultado da enorme pressão de um modelo de institucionalização sobre um processo intuitivo e frágil de construção de um modelo institucional autônomo. Institucionalização não é questão de sim ou não, mas de criticar modelos, capturar e explicitar as singularidades organizativas do MetaRec e aí bolarmos dispositivos institucionais que nos permitam ter autonomia sem com isso termos que fingir que ignoramos a existência de Estado Burguês, Ordem Democrática de Direito, Mercado Capitalista e Orgulho Invidualista.

> Daí a idéia: chamar o próximo ano,
> ou até o próximo semestre, de
> época fundamental numa grande
> transformação na MetaReciclagem.
> Que cada umx faça suas propostas,
> pois que somos descentralizadxs
> e abertos. Mas abaixo o que eu
> pretendo fazer no próximo semestre,
> se tudo der certo e os recursos
> aparecerem:
>
> * estabelecer o MeMeLab em sampa,
> Laboratório de Mídia da MetaReciclagem.
> Em essência, um espaço físico pra reunir
> a galera, sem depender de nenhuma
> ongue ou instância governamental, que
> foi o que fodeu nos primeiros esporos
> de sampa.

(1) O Estilingue se propõe como um tal laboratório, em BH. Diante do que podemos pensar em uma /rede de laboratórios/.

(2) Acho que a gente deve abandonar o conceito de meme e denominar esses laboratórios como MetaMídiaLabs ou coisa assim

Arrisco a offtopicar demais, mas acho que é preciso dizer porque penso haverem poucos conceitos que sejam tão perniciosos como o de meme. Vou tentar ser sucinto, mesmo porque não tenho palavras suficientes para descrever o quanto detesto esta pseudo-ciência neo-cartesiana chamada de "memética". Para os pacientes, recomendo a leitura de

http://www.helsinki.fi/science/commens/papers/memetics.pdf

Meme é um conceito que trata a produção de sentidos segundo o modelito dos "genes egoístas", ou seja, trata-a com resultante de elementos discretos de um código, os quais são OU mantidos OU descartados. Pela memética, descarta-se a idéia de que a produção de sentido é um processo aberto de conexão entre mentes e coisas através de objetos e idéias, COMO SÃO OS SIGNOS.

A primeira grave inconconsistência dos memética é que supor que existam unidades mínimas de sentido, mas não é capaz de apontar nenhuma, porque não existe unidade mínima de sentido (me apontem um "meme" qualquer que não seja composto por outras unidades que são compostas por outras, e assim por diante!). A segunda derrapada é que supõe que esta unidades tem total independencia do contexto e dos intérpretes (mas me mostrem um desses "memes" que circulem sem ser alterados e transformados pelas situações de uso!).

A terceira, particularmente grave, é que os memes são concebidos como entes que circulam no mundo mental/cultural e este não se comunica com o mundo físico e fenomênico. Memes geram memes que garam memes... mas como é que eles entram em circulação? Onde está a teoria da percepção da memética? Tudo que faz sentido, mesmo que extremamente fragmentário, emerge da perspectiva de organismos vivos sobre aquilo que eles precisam ou os ameaça. Isso pode ficar latente durante zilhões de anos, mas toda unidade de sentido é apegada a algum uso e virtualmente sempre se apresenta como solução para a vida concreta, prática. Pensar o contrário disso, como a memética, é pensar que nossa mente é imaterial, destacada da mente divina e que esta é algo completamente descolado do mundo físico. Chama-se cartesianismo, e todos nós sabemos o que ele permitiu em termos de dominação e exploração de certos organismos (chamados de capitalistas) sobre o resto do mundo da vida.

Eu não vou nem me ater ao fato de que a geração de signos pelos signos (inclusive nós, pessoas, somos signos) é algo bem conhecido da semiótica há pelo menos cem anos. O que me preocupa realmente é que a memética, ao pensar processos de produção de sentidos com esse descolamento da vida e dos viventes, presta-se com perfeição às estratégias de controle político a que o tecnocapitalismo agora tenta nos submeter. Disfarçado de "meme", um boato malicioso além de fazer seu estrago habitual, não pode ser criticado pelo seu caráter ideológico. Vejam, por exemplo, os memes que a direita anda soltando por aí para afastar "essa raça" do poder (minguado) do Estado brasileiro.

Não existem memes, existem signos: não são reproduzidos simplesmente, crescem e se combinam fundindo-se em signos mais desenvolvidos, não são independentes do contexto nem dos intérpretes.

> * fazer um processo de residências
> "artísticas" (vide thread sobre MetaReciclagem
> e arte nos arquivos) durante dois meses,
> chamando duas pessoas pra pirar durante
> esse tempo (março e abril?) no MeMeLab,
> com o suporte dxs nossxs aliadxs Glauco,
> Palm e outrxs, e com seminários quinzenais
> sobre hardware, linux, PD e outras apropriações.

Novamente: O Estilingue se apresenta. Querem vir para BH? Precisam do que? (É legal começar a pirar o labo Estilingue desde já, porque assim teremos pernas para correr atrás de recursos para realizar as coisas ano que vem!)

> * preparar finalmente aquela publicação sobre
> a MetaReciclagem, chamando todomundo aqui
> pra mandar suas colaborações.

Sugiro que montemos um grupo para fazer uma proposta de eixos temáticos e para indicar os componentes de grupos de trabalho dedicados a cada tema (claro que todos poderiam mudar de tema ou palpitar uns nos escritos dos outros...). Depois disso, os grupos temáticos fariam um plano de escrita e, à medida em que fossem sendo executados, fariamos ciclos de discussão uns sobre os textos dos outros, que tal?

> * realizar, finalmente, o primeiro encontrão
> intergaláctico de metarecicleirxs, em sampa,
> no fim de abril ou começo de maio.

FF é o gaucho mais paulistano que eu conheço! Vós não quereis variar de lugar?

> A isso tudo, se não houver idéia melhor, podemos
> chamar de "Ciclo Gambiarra" ou algo parecido.
> E os recursos pra
> isso, de onde virão? Sei lá. E eu, vou trabalhar
> nisso como, se nem sei se estarei contratado
> depois de janeiro? Sei lá.

> A quem quiser correr atrás, a sério, aceito
> todo tipo de ajuda.

Não sei se é o Tao ou a semiose universal que faz isso, mas vejam que esta proposta do ff vem no mesmo momento em que diversos outros grupos tentam fazer a "colheita" conceitual e metodológica de seus "plantios":

O CMI Curitiba, BH e Goyania tem discutido seriamente o desenvolvimento metodológico para ampliar o acesso às plataformas fornecidas pelo indymedia. Particularmente, o CMI Goyania propôs fazer um encontro lá, no reveião, só para isso. Temas conexos foram objeto de particualr atenção na última reunião nacional do cmi: formação de novos techs, metodologias para integração com movimentos sociais, metodologias para aprendizado na produção de mídias. Muito em função disso, abri a lista metodaprop (vide cabeçalho deste e-mail). O intermitente e neglitenciado esforço de auto-documentação do CMI Brasil também tem esta preocupação, a meu parecer.

Aqui em BH, o coletivo radiola tem optado por fazer a incorporação de novos radialistas através de oficinas. Recentemente fizemos um "curto-circuito de oficinas", que nos levou a procurar bolar estratégias e táticas mais aperfeiçoadas.

Também em BH, membros da Associação Imagem Comunitária chegaram à conclusão que, depois de quase quinze anos de produção de vídeo comunitário, é urgente formular princípios conceituais e metodológicos e desenvolver um sistema de jogos de aprendizado para a expressão de mídias. Com essa preocupação estão também outros grupos como o Centro de Convergencia de Novas Mídias (no Centro Cultural da UFMG).

Quanto ao Bailux, o Regis já disse tudo. E acho que os outros coletivos que tem aderido à MetaRec não deixam de querer dar um grau na sistematicidade das práticas, se não me engano.

Tenho conversado sobre essas coisas também com a Fabi Balvedi, já que o Estúdio Livre além de ter esstas propostas implícitas, seria uma plataforma já existente para publicação de experiências de produção e aprendizado de mídias. Também andei falando com o Leo Germani sobre essas coisas, ainda mais que ninguém sabe o que vai virar o Cultura Digital depois dessas eleições (para evitar o perigo do conhecimento se dispersar com a eventual dispersão, em termos institucionais, das pessoas do Cdig).

Diante disso, a proposta é: VAMOS CONVERGIR?

Estive pensando na seguinte plataforma (preliminarmente chamada de R19, rede 19, em alusão ao direito da declaração universal relativo à liberdade de comunicação, mas não há porque ter qualquer apego à esse antropocentrismo...):

  1. Formação, em organizações e redes as mais diversas, de coletivos dedicados ao desenvolvimento de metodologias para apropriação pública de mídias. Cada nódulo desses teria uma programação própria, mas acessível à discussão pelos outros nódulos, como num sistema de confederação.
  2. Criar um repositório unificado de relatos e registros de experiência, how-to's, jogos de invenção mediática, artigos de reflexões teórico-metodológicas, críticos e meta-críticos. (O EL já poderia ser usado dessa maneira, faltando apenas um adensamento das conexões em termos de críticas e encadeamento das propostas práticas em sisteamas de aprendizado)
  3. Criar uma interface geral para esse repositório e interfaces particulares, ajustadas aos focos específicos das organizações e redes de ação associadas.
  4. Definir linhas de ação público-política, institucional e não-institucional para que estes conhecimentos sejam tanto incorporados às práticas cotidianas da população quanto se tornem políticas públicas de cultura, educação e tecnologia. Ou seja, nosso esforço virar moda e virar lobby :-P.

(O link da R19 é http://r19.sarava.org. Não tem quase nada lá, quem quiser logar e mexer , me dê um toque.)

Abraços e beliscadas, Stalker!