Felipe Fonseca, 03/09/2008
No começo do mês passado, mandei um email pra lista metarec levantando algumas questões que estavam passando pela minha cabeça. Em resumo, ia por aqui:
eu tenho me perguntado de maneira mais aprofundada sobre a existência disso tudo. Acho que eu tenho uma certa nostalgia por um tempo em que a MetaReciclagem reunia uma dúzia de pessoas dispostas a fazer coisas juntas. Hoje a lista metarec tem 368 pessoas, e pouco ou nada se articula por aqui.
e mais pra baixo:
Faz sentido buscar um nexo, tentar encontrar pontos em comum e possibilidades de ação conjunta? Será que ainda é possível articular a idéia de 'comunidade' distribuída ou isso é coisa de 2001?
Tem um subtexto aí que não cheguei a explicitar: naquela semana tinha caído nas minhas mãos o Comunidade, do Bauman. Não cheguei a ler, mas dei uma boa folheada nele, e tinha minhas dúvidas se fazia sentido pensar na MetaReciclagem como "comunidade". Já tem um tempo que eu tenho percebido dois tipos distintos de movimentos em grupos de pessoas que se relacionam basicamente (mas não exclusivamente) através da internet: alguns desses grupos são compostos por pessoas mais parecidas, mas com o tempo tendem a um certo tipo de consenso e daí a rechaçar vozes dissonantes; outros ainda mantêm uma certa diversidade, mas com o tempo as conversas tendem a desaparecer, e aí a identidade se torna - no mau sentido - virtual demais. Pra mim, a MetaReciclagem está nesse segundo tipo - a diversidade ainda existe, mas a sensação de pertencer àquela rede é uma coisa bastante abstrata. As pessoas se sentem próximas, se identificam com a postura metarecicleira, mas quando vão fazer suas coisas que poderiam ser chamadas metarecicleiras, informar e articular pela rede não é uma prioridade. De qualquer forma, fico pensando que isso que é chamado comunidade costuma ser um um processo cotidiano de construção que nunca se acaba, talvez justamente por quase obrigar as pessoas a conviverem com a diversidade, por mais que ela fique submersa em um discurso consensual negociado. Ok, não é bem assim, talvez a diversidade só seja possível na vida urbana moderna, que é exatamente onde a comunidade se evanesce. Mas não consigo parar de pensar numa coisa que acho que já tinha me passado pela cabeça durante o futuresonic: não é saudável uma pessoa só conviver com quem concorda com ela em tudo.
Ainda assim, a quantidade de respostas que aquele e-mail gerou na lista me deixou de alguma forma satisfeito. Desde que a gente começou a fazer a MetaReciclagem, eu mando de vez em quando uma mensagem longa, que muitas vezes se posiciona como um olhar pra rede em crise de identidade. Essa foi uma das que mais geraram respostas. Parei de contar, mas da última vez que vi tinha mais de 70... O mbraz fez um catado das respostas, eu pretendo fazer outro em breve e publicar no Mutirão.
No fim da conversa, acabei sentindo que sim, ainda tem alguma coisa acontecendo ou pelo menos com potencial de acontecer por ali. Mas as coisas mudaram, e pra conseguir continuar agenciando a gente precisa conversar e propor mais pra entender e concretizar o que é essa, vai, oitava versão da rede. Talvez a MetaReciclagem, em si, não seja mais criadora de identidade. Mas pra mim, pelo menos, algumas características dela são bem marcantes: a insistência em não se corporificar, em se manter, pra continuar na influência do Bauman, líquida. A coisa de buscar agir mais pelo diálogo com estruturas de poder do que pelo confronto e resistência. E uma forma de agir pela rede que ainda não se desenvolveu por completo.
Na verdade, quero continuar acreditando que o que xs metarecicleirxs continuam tendo em comum é um tipo de sensibilidade, aquela coisa de desmontar máquinas-idéias-conceitos, aquele fetichismo pornográfico do conhecer por dentro coisas que concentram conhecimento. E isso se estende a outras esferas. Me peguei com a mesma sensação em relação a entender uma frase em alemão do que entender um script em php. Debug mode. Essa sensibilidade pode ser utilizada em transportes, em medicina, em culinária. É só querer.
E ainda tem a onda do compartilhar. Tenho repensado bastante toda essa mitologia que a gente ajudou de alguma forma a criar nesses últimos anos, e vejo que tem um monte de pontos não explorados, que ecoam até no processo de desenvolvimento do site da rede que eu tenho tentado tocar. Por exemplo: muitas vezes deixamos de explorar uma diferença essencial: publicar na web, mesmo que com licenças livres, não é colaborar. Pode ser uma colaboração em potencial, mas o mero fato de deixar disponível para compartilhamento não é em si uma ação efetiva de colaboração. Colaborar envolve negociar, engajar-se, assumir responsabilidades, decidir coisas, e principalmente co-ordenar, no sentido de adaptar os meus recursos e a minha ação ao ambiente, às pessoas que estão participando e aos recursos que elas têm e oferecem. Assim, vou continuar não aceitando as sugestões de transformar o ambiente online da MetaReciclagem em um mero agregador, que por sinal já existe. E pra quem quiser colaborar, segue o baile.