Felipe Fonseca, janeiro 2006, no blog fff
Marcelo Terça-Nada me entrevistou pra webinsider, sobre o pc para todos:
On 1/17/06, “Marcelo Terça-Nada!” wrote:
> - Sobre o Metareciclagem: Quando começou? Como está o funcionamento?
> Quantas pessoas estão envolvidas hoje?
A MetaReciclagem virou uma metodologia, não mais um grupo. Mais de 100 pessoas participam da lista de discussão, mas a idéia de reapropriação e desconstrução da tecnologia vão além. Influenciaram os pontos de cultura do Minc, os implementadores do GESAC, do Minicom, e ação de diversos grupos, ongs e ativistas. Não temos números exatos (e não nos interessa ter), mas as discussões e presenças continuam bem interessantes. Meia dúzia de espaços em diversos locais do Brasil se denominam espaços de MetaReciclagem, e temos um centro de referência em São Paulo, na galeria Olido, ali no centro. A MetaReciclagem existe há três anos, e nesse meio-tempo já montamos mais de uma dúzia de telecentros, participamos de dezenas de eventos, mandamos dois integrantes para uma residência de dois meses na Índia, demos oficinas relacionadas a software livre para mais de mil pessoas, criamos pelo menos duas distribuições de linux, ajudamos a desenvolver projetos e programas institucionais e de governo. Mas isso interessa menos que entender que mantivemos um nível acelerado de inovação e reinvenção, nossos objetivos mais caros.
> - As primeiras notícias sobre o número de vendas do PC para Todos indicam
> que o programa vai ser um sucesso de venda Como vcs acham que isso vai
> refletir de verdade no uso e no espaço do Linux e do Software Livre aqui no Brasil?
O interessante da proliferação do uso de computadores é que ninguém consegue prever quais novos usos serão propostos. Não tenho dúvidas de que muitos desses computadores possam eventualmente cair no velho ciclo do software pirata, mas o simples fato de chegarem comsotware livre pode fazer uma grande diferença. É claro que ter computadores em casa não exclui o modelo de telecentro, que tem outra natureza e outros objetivos. Mas a curva de aprendizado e a intimidade com a tecnologia podem se acelerar muito com o computador para todos. A questão passa longe da visão tradicional de empregabilidade ou simples acesso à informação. Ter em casa uma máquina de manipulação de informação (talvez uma visão mais etimológica da “informática”) é um caminho possível para a geração de autonomia e uma visão crítica dessa era hiperinformada.
> - Além dessa história do número de computadores vendidos, o Computador para
> todos chamou a atenção do pessoal das lojas para o fato que é viável (e
> lucrativo) vender computadores com Linux. Há um ano atrás era raríssimo
> encontrarmos computadores com linux para comprar. Hoje é muito comum se ver
> anúncios de computadores com Linux nos folhetos de grandes supermercados
> (muitos inclusive não-participantes do PC para todos). O que vcs acham
> disso?
A princípio, o uso de software livre nesses PCs pode contribuir em muito para a formação de massa crítica de usuários no país. Agora é possível começar a pensar em sustentabilidade econômica para o software livre. Mas - e faço a ressalva de que não testei as distribuições usadas nessas máquinas - o software livre pode ser um tiro no pé se não for muito bem planejado. Se criarmos uma geração de usuários frustrados, pode ser difícil reverter o quadro. É por isso que surgiram esforços como o pclivre, que pretende agregar a comunidade de desenvolvedores de software livre para propor soluções para o PC para todos. Se todo o esforço necessário de suporte e aprendizado depender somente de uma ou um grupo de empresas, pode ser que vejamos um grande fracasso. A comunidade do software livre precisa se unir, e o pclivre é um bom ambiente para que isso aconteça, para garantir que o software livre seja viável a longo prazo.
> - Quais são os principais obstáculos de um projeto como o Computador para
> todos?
A carência de subsídios que facilitem o acesso à internet. Boa parte das questões de suporte e aprendizado que certamente vão surgir poderia ser encaminhada à comunidade do software livre. Sem acesso à internet, as coisas ficam mais difíceis, e o risco do programa virar PC pirata é muito grande.
> - Vocês têm notícia de pessoas que compraram o computador e do que elas
> estão achando?
Ainda não. Na verdade, eu estou pensando em comprar um para testar.
> - O que vcs tem a me dizer sobre outros programas do governo como o Pontos
> de Cultura, Gesac, Casas Brasil (e Telecentros em geral)? Está sendo boa a
> experiência do Linux+Software Livre nesses programas?
A experiência do linux+software livre não é apenas de troca de sistema operacional ou de mais um software. Na verdade, se trata de uma mudança de paradigma. Não existe mais uma empresa na qual pôr a culpa quando as coisas não dão certo. Na verdade, em se falando de software livre, o grande culpado quando as coisas não funcionam é o usuário que não relatou os problemas pelos quais passou. Isso cria um novo senso de responsabilidade e mesmo de identidade: o software livre não é da empresa que o empacotou ou do desenvolvedor que o criou: é da comunidade. É dos usuários. É meu, em última instância, ao mesmo tempo que é do meu vizinho e de alguém no Japão ou na Nigéria. Mais do que usar um aplicativo, eu faço parte de uma comunidade, de um processo cultural (pois produzido socialmente) que está em eterno desenvolvimento. É outra perspectiva para se relacionar com a informação.