Philipe Ribeiro, 29/12/06. Publicado originalmente no site http://midiaindependente.org
Este texto não é uma lista de lamentações pelo que não fiz neste ano e algumas promessas para 2007. É um momento de reflexão sobre as coisas que aconteceram e pude realizar um diálogo, além de um flashback de outros anos e momentos em que projetos nasceram, se desenvolveram e, alguns, tiveram que entrar em stand by.
Acredito que 2006 foi um ano "daqueles" muito bons. Consegui por em prática várias ações que há anos não saíam da cabeça e do papel. Tão bom como 2006, foi 2002, quando ajudei a fundar o CMI em Fortaleza nas manifestações contra o BID depois de 5 anos de leituras solidárias sobre o anarquismo e raras conversas pela rede com anarcopunks. Em 2002 pude por pra fora aquilo que gritava há anos dentro de mim, entrentanto foram necessários alguns anos de aprendizado para entender, na vivência, que apenas gritos não mudam o mundo.
Hoje, 5 anos desde a criação do CMI e da minha relação mais direta com os movimentos pela democratização dos meios e da comunicação, de ação direta, dos movimentos sociais em geral, na luta pela terra e água e há 10 anos desde as primeiras leituras libertárias, é que vejo que as coisas estão se tornando mais sólidas. Não acredito em um divisor de águas, quem faz isso são os religiosos, e nesse terreno continuo anticlerical; entendo como o amadurecimento de idéias, projetos e ações, não no sentido de dizer "é assim, desse jeito, e pronto", mas na realização pelo menos minimamente daquilo que penso, faço e sonho há 10 anos, sempre aprendendo no cotidiano e reavaliando na vivência.
Linux
Conheci o Tux em 1998, um ano após conseguir comprar meu primeiro computador. Um amigo que usava linux disse que era muito difícil instalar, que era coisa de hacker fazendo cara de inteligente. Em 2002 conheci o CMI e muitas pessoas que usavam linux, mas a distância e falta de gente que usasse perto de mim me deixava distante do pinguim. Nos anos seguintes cheguei a comprar revistas com Cds para instalar o Conectiva, o Mandrake, mas só tive coragem de rodar o live do Kurumin. Como não consegui acessar a rede, abandonei o linux. Só em 2006 pus o Ubuntu, em live, e tomei coragem, instalei. Hoje acesso a rede, edito imagem/áudio/vídeo no linux. Ah, e não poderia deixar de falar... o Cinelerra é mesmo muito bom. Adeus Premiere!
MetaReciclagem
A filosofia do software livre sempre me encantou, mas faltava dominar o hardware monopolizado por empresas e especuladores. Algumas pessoas trabalhavam com o reaproveitamento de computadores antigos, rodando sistemas livres, com o intuito de fortalecer projetos socialmente engajados. Surgiram no sudeste cybercafés em ocupações de sem-teto e em associações de moradores nas periferias. Grupos como o CMI, Projeto Metáfora e Mídia Tática já dialogavam com essa idéia de copyleft do hardware, mas em Fortaleza a gente não desmontava nem calculadora de R$ 1,99 e ainda continuava pagando às almas sebosas dos técnicos de informática para que nossas máquinas rodassem minimamente em ambiente Ruindow$. Com a experiência do Projeto Metáfora surgiu a idéia de MetaReciclar, o metareciclagem.org e a lista metarec. No meio do ano entrei na lista, baixei o Livro Verde e comecei um trabalho de MetaReciclagem. Conseguimos 5 monitores, 4 gabinetes, 2 impresoras, uma dúzia de teclados, mouses e caixinhas de som resultado: uma máquina metareciclada, rodando com o slackware e um monte de peças de reposição ou para uso artístico.
Rádio Livre
Conheci o conceito de rádio livre através da Rádio Muda, isso em meados de 2001, poucos dias depois de entrar pela primeira vez no sítio do CMI. Passei a ouvi-la por streaming. Depois veio o radiolivre.org e pude conhecer outras rádios. Nos protestos contra o BID em 2002, conseguimos com o Brad Will (CMI Nova Iorque) um transmissor FM de 1 watt, mas não colocamos a rádio no ar e enviamos o transmissor para São Paulo. Um ano depois passamos a produzir o CMI no Ar, um programa aperiódico em áudio veiculado no site do CMI Brasil. Uma questão era levantada: como levar os programas para mais pessoas, principalmente as que não tem acesso a internet? Assim, em 2006, nasceu a Rádio Mangue, uma articulação para fomentar a criação de rádios livres e comunitárias no Ceará, já que não tínhamos nenhuma rádio livre no estado e as poucas rádios genuinamente comunitárias tinham sido fechadas pela Anatel. Em outubro aconteceu o Encontro Nacional de Rádios Livres, e depois o Submidialogia, onde a Rádio Mangue pode trocar experiências com várias rádios livres do Brasil. Hoje está em funcionamento a Rádio Redonda Livre, em Redonda (Icapuí/CE) e brevemente uma rádio comunitária entrará no ar em Fortaleza, na comunidade do Serviluz, além de várias conversas com outras comunidades interessadas.
Streaming
A dificuldade em montar uma rádio livre sempre deixou a gente, de Fortaleza, na ansiedade de transmitir áudios o quanto antes. Com a possibilidade de criação de webrádios no radiolivre.org, o que era então um desejo se tornou realidade neste ano. Recentemente, o estudiolivre.org passou, também, a dispor a tecnologia necessária para todos/as que desejam fazer uma rádio via streaming. Aqui, só conseguíamos transmitir no Ruindow$, usando winamp+oddcast. Com o encontro nacional de rádios livres, após a oficina facilitada pelo Juba (valeu irmão!), voltei pra Fortaleza sabendo transmitir com o DarkSnow. Há poucos dias chegou um e-mail do Juba falando do Theorur, que possibilita a mesma facilidade do DarkSnow, só que agora podemos trabalhar com streaming de vídeo!
Inclusão Digital
A necessidade de compartilhar conhecimentos sempre foi prioritária nestes últimos 10 anos e eu sentia que o CMI, como outros projetos que participava, tinha ir além dos muros das universidades. Surgiu, então, a oportunidade de trabalhar no Projeto Casa Brasil. Trata-se de uma iniciativa de inclusão social usando como ferramenta os computadores. O projeto é do governo federal em parceria com o CNPq, em seu primeiro projeto fora do ambiente universitário. O proponente do projeto em Fortaleza é a prefeitura e estamos inaugurando as primeiras 4 unidades em janeiro, onde funcionará um estúdio de rádio, telecentro, laboratório de metareciclagem, estúdio multimídia e sala de leitura, além dos auditórios e a cozinha experimental. As Casas terão acesso gratuito e estão localizadas em comunidades de baixo IDH.
Zona Costeira
Moro em Fortaleza desde que nasci e a zona costeira do Ceará sempre foi a rota preferida das minhas viagens. Por onde passava, o turismo de massa e a especulação imobiliária estava privatizando o litoral e expulsando as comunidades tradicionais de pescadores/as e, mais recentemente a carcinicultura (criação de camarão em viveiros), vem degradando as áreas litorâneas ao desmatar o ecossistema manguezal e ao poluir as águas estuarinas através do esgoto sem tratamento das carcomidas fazendas de camarão "clonado". Em 2005, ao me formar, defendi uma dissertação em que analisava os impactos ambientais da carcinicultura no ecossistema manguezal. O resultado foi que esta atividade não tem sustentabilidade e não deve continuar. Com este estudo conheci os movimentos sociais da zona costeira, algumas comunidades e o Instituto Terramar, e participo desta luta pela afimação da vida na zona costeira desde então.
Terramar
Conheci a luta do Terramar no estudo da minha dissertação acadêmica. O espírito de resistência e mobilização desta ONG na assessoria às comunidades de pescadores/as foi o diferencial que fez com que eu me aproximasse, afinal, nos últimos anos temos visto muitas ONGs "chapa branca" apenas ocupando espaços nos conselhos de participação popular, comprometidas com os interesses governistas e sem nenhuma expressão nas comunidades que elas assessoram. Pude trabalhar com comunicação popular em algumas comunidades, levando como bagagem a experiência do CMI e voltando com minha mochila mais pesada, entendendo a complexa relação entre as comunidades e o mar.
Hoje, consegui que as duas vertentes do meu trabalho se encontrassem: a luta socioambiental e a mídia radical. O fortalecimento da comunicação dos movimentos sociais da zona costeira é fundamental para que a luta seja consolidada de Tatajuba à Redonda, em todo o litoral cearense. Temos como ferramentas as rádios livres e comunitárias, a internet e a produção audiovisual, além de expressões artísticas variadas.
2007 promete.
Que seja tão bom quanto 2006.
Que novas rádios livres e comunitárias façam, efetivamente, a reforma agrária do ar.
Na zona costeira estaremos na luta pela afirmação da vida.
E terra é vida na zona costeira!
E a água é de todos nós!
Fora os especuladores, grileiros, latifundiários e carcinicultores! Fora o hidronegócio, a carcinicultura e o monopólio das comunicações!
Podem calar uma voz, fechar uma rádio ou expulsar uma família de sua terra, mas jamais conseguirão fechar todas as nossas rádios, expulsar todas as comunidades de nossas terras nem calar a voz de todos/as os que lutam por um mundo com justiça socioambiental.
Venceremos, nenhum passo atrás.