Assisti essa semana a um desses filmes de animação de uma grande produtora nortarmoricana, Robôs. Tirando toda a porcaria romântica, o antropocentrismo de uma hipotética sociedade de computadores, a origem hollywoodiana e outras questões que costumam incomodar a galera meio intelectual meio de esquerda, o filme me remeteu a uma tradição ficcional que não tenho visto tanto por aí ultimamente: o arquétipo do inventor. O protagonista do filme é Rodney Copperbottom, robô em uma sociedade de robôs, que cresce assistindo a um programa de televisão do Big Weld, Soldador na versão pt_br, que é um tiozão doido, fundador da empresa que faz partes pra robôs, que conserta e aprimora seus conterrâneos. O tempo passa, e o Soldador é escanteado no comando da empresa por um jovem e frio executivo que quer forçar a obsolescência programada na sociedade, cancelando o fornecimento de peças de reposição. Copperbottom sai de sua cidadezinha para encontrar o Soldador, mas é ignorado pelas novas regras da empresa. Frustrado, usa suas habilidades de inventor para consertar os amigos outsiders. O desenho flerta um pouco com o formato do cyberpunk: uma corporação malvada e um submundo onde nasce a resistência. Depois vira bobo, tem final feliz e tal, mas o papel de Copperbottom é interessante: em uma sociedade que se tornou uma sociedade da falsa obsolescência, ele é um inventor, mas além disso um reparador - começa a consertar os outros robôs, no velho esquemão gambiarra que a gente conhece - fita adesiva, chave de fenda, molas e criatividade. Um metarecicleiro, da maneira como eu vejo.
Uma das características de vários personagens que eu admirei ao longo da minha vida é a invenção. Do japinha dos goonies ao McGyver, passando pelo Doc em de volta para o futuro, e indo também pro inspetor Bugiganga, pro professor Pardal, o Franjinha, pra aqueles cientistas que faziam todos os badulaques que o 007 usava, e mais um monte. Talvez eles tenham me influenciado a usar uma chave de fenda pra abrir - e nunca mais conseguir fechar - a calculadora da mãe de minha irmã aos oito anos. Talvez tenham me influenciado a colecionar cada exemplar de equipamento que passava pela minha frente e guardar no porão da casinha de madeira em que eu morava aos doze, treze. Talvez tenham me influenciado a quase me inscrever pro vestibular de Engenharia Eletrônica em 1995, e na última hora trocar pra Comunicação, porque queria muito mexer com máquinas de mídia.
Eu fico pensando na conexão disso tudo com o quase-debate que o Duende e o Pádua encetam vez por outra na MetaReciclagem - debate que não anda por algum motivo, talvez uma diferença entre as linguagens dos dois e a do pessoal - sobre a necessidade que a gente tem hoje de estimular uma mitologia metarecicleira. Já falei sobre o risco de a gente se apegar à desmistificação pura e simples, e não aproveitar todo o potencial que os níveis simbólicos de interação têm de ajudar o aprendizado e a produção colaborativa. Isso vai na onda de apropriação não só da tecnologia em si, mas da produção de mídia. E vai além: mais do que a apropriação de mídia para provar que a gente pode fazer mídia (e alguém ainda duvida disso?), mas para tentar construir experiências inúteis, temporárias e auto-referentes - mas ainda assim profundas e divertidas - de comunicação em níveis outros que somente o “preciso fazer isso” / “tente assim”, que é chato e tedioso.
No encontro de conhecimentos livres de Rio Claro, no ano passado, troquei uma idéia com o Robson, da Casa de Cultura Tainã, sobre a possibilidade de um material em quadrinhos sobre a MetaReciclagem. De lá pra cá, parei uma dezena de vezes pra pensar sobre isso, e não conseguia sair do modelo apostila ilustrada, que pode até ser útil, mas é chata e tediosa de fazer e talvez mais ainda de ler. Esse filme pode ter me inspirado a pensar em outros termos: um herói cujo único superpoder é não ter medo de usar uma chave de fenda. Personagem, claro, copylefteado como o Capitão Presença: definida em consenso sua personalidade, qualquer um@ pode criar histórias.
Será que alguém topa fazer algo, a sério?