Um Ode aos discos de mídias magnéticas removíveis, com Fernanda de Aragão

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No dia 22 de julho, Marcos Egito trouxe para lista um projeto bem interessante:

 

Compartilharam la na lista do Konesans e eu to ecoando aqui, achei muita massa! Achel o Projeto legal. :)

 

Ele falava sobre o projeto Diz-quetes. Ao acessar a página do blog foi possível perceber pontos de identificação entre diz-quetes e com as "maluquices" metarecicleiras. Fernanda de Aragão, autora da proposta, é arte-experimentadora desenvolve pesquisas em psicanálise e esporte, e também está tentando transpor para os formatos acadêmicos linguagens e possibilidades mais fluídas. Um dos exemplos é a sua participação no seminário internacional "Espaços Narrados: a construção dos múltiplos territórios da língua portuguesa", que será realizado na Faculdade de Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP).

Ah, quer saber o que é o projeto diz-quetes? Leia a entrevista e acesse o blogue:

 

Como surgiu sua ideia de escrever o projeto em um evento acadêmico?

Fernanda: Foi um misto de oportunidade com necessidade. Venho da área acadêmica, antes de me aventurar em ser escritora e arte-experimentadora. Sinto-me um pouco num meio de caminho, entre a universidade e suas exigências e a arte e suas desconstruções. Por vezes dividida, já que minha formação é em Educação Física (graduação, mestrado e doutorado). Nos últimos meses tenho pensado em fazer um pós-doutoramento que estreite essas áreas: Educação Física, Literatura e Arte-Experimentação para que eu me encontre mais completa como pesquisadora, para que eu encontre minha essência nessa junção específica que me condiciona. Então, quando um amigo arquiteto, também professor doutor, me apresentou esse evento que acontecerá na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Espaços Narrados, cujo debate é a construção dos múltiplos territórios da língua portuguesa, eu achei que seria boa ideia ampliar o Projeto Diz-Quetes e fundamentá-lo como intervenção urbana, de forma a justificá-lo também academicamente. Não sabia se daria certo já que minha linha de pesquisa acadêmica gira em torno da psicanálise, do esporte e da divulgação científica, coisas muito distantes da arquitetura. A surpresa do aceite do trabalho me trouxe outras ideias e corroborou esta vontade de unir o acadêmico com a arte-experimentação.

 

Você já conhecia a rede MetaReciclagem?

Fernanda: Já tinha visto a rede em passagem, mas confesso que só agora me apropriei de seu conteúdo. Cinco anos atrás eu estava vivendo com afinco a docência em Educação Física e Esportes, elaborando projetos na área, até que resolvi me dedicar à escrita criativa e me descolar um pouco do mundo dito produtivo. Eu só sabia que precisava me encontrar de outro jeito, diferente daquele em que eu estava. Até que conheci um casal, o Oswaldinho e a Marisa Viana, que tinha um bar em São Paulo, o Café Fubá. Dessa amizade eu fui conhecendo pessoas interessantes, muitos artistas, e fui me dando conta de que eu poderia fazer parte disso. Conto essa história por um motivo simples, quando a gente vai se envolvendo em determinadas áreas, vai se aproximando de outras propostas. Foi perto dessa gente, desse “coletivo”, que eu decidi ser escritora, como profissão, não em utopia. Depois, com os olhos mais espertos para enxergar outras manifestações, fui me constituindo para a arte-experimentação. Através de uma ponte em comum, acabei chegando à minha primeira festa literária, o Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura, em São Francisco Xavier. No ano seguinte, de volta ao evento, por motivos que, aqui, não convém, resolvi me manifestar politicamente. Descobri os fanzines, revistas paratópicas, independentes e alternativas, que servem ao desenvolvimento e publicação autoral dos ideários, sejam anárquicos, críticos, poéticos, desenhados e/ou escritos. Na ocasião, eu e a Letícia Mendonça, criamos o “Vestindo Outubros” para expormos nossas ideias sobre como enxergamos a literatura, em suas funções e necessidades. Os fanzines são interessantes porque movimentam grupos, trabalham com coletivos. Uma grande demonstração da força deles pode ser exemplificada com a chamada Geração Mimeógrafo, movimento que, durante a década de 70, em função da censura, levou intelectuais, professores, poetas e artistas a buscarem meios alternativos de difusão cultural. Eu quis contar toda essa história, até chegar ao fanzinato, porque é interessante ver a evolução do uso dos mimeógrafos, passando pelas reproduções em fotocopiadoras, até a recente apropriação que se faz da internet e das novas tecnologias. A partir de qualquer suporte observo que os fanzines, feitos através de coletivos ou individuais, movimentam pensamentos e críticas sobre a sociedade, também como fazem muitos blogues e sites, pela facilidade de expressão que se distancia da censura e alcançam um caráter libertário. E é essa filosofia que eu acho interessante nos diversos coletivos, não só os que estão relacionados ao fanzinato. Sobre este sugiro os contatos de Gazy Andraus, que faz um trabalho muito interessante; os documentários Fanzineiros do Século Passado I e II, do Márcio Sno; o pessoal do Ugra Press, com o Douglas Utescher, que publica um anuário com os fanzines e revistas independentes; e a Fanzinada, um movimento de cultura independente do qual participo junto com Thina Curtis. Foi percebendo esta e outras possibilidades de expressões que surgiu a ideia do Projeto Diz-Quetes: Todos na Literatura. E, como uma coisa vai puxando outra, fui conhecendo outros espectros, desta vez mais próximo à discussão do lixo eletrônico e, consequentemente, sobre a apropriação crítica de tecnologias. Observo aqui que, em 2011, o projeto Diz-Quetes participou da Semana de Tecnologia da Universidade Ibirapuera promovendo um debate interessante sobre o descarte do lixo eletrônico e essa rapidez com que as tecnologias vão sendo substituídas.

 

A academia é conhecida por ser um meio rigoroso e às vezes não tão receptivo à propostas experimentais. Como você enxerga permeabilidade para seu projeto, e em quais áreas?

Fernanda: Eu enxergo a arte-experimentação em qualquer fenda que o sistema acadêmico deixar disponível para que eu encontre. A universidade é cartesiana. O próprio Currículo Lattes exige que professores universitários e pesquisadores contabilizem suas produções acadêmicas, e que estas sejam, de preferência, indexadas em revistas com alto índice de impacto. Assim, como julgar a arte? Como desenvolver um conceito de arte-experimentação num ambiente tão acostumado a análises metodológicas estatísticas? Meu primeiro impulso de resposta a essas perguntas recai sobre a argumentação e, também, em aceitar determinadas regras do jogo. Por exemplo: existe uma determinação para como se deve escrever um artigo científico. Utilizar dessa forma imposta para dizer daquilo que é filosófico-experimental passa a ser uma saída. É que não dá pra jogar futebol se atletas decidirem de uma hora pra outra fazerem gol com as mãos. Não seria mais futebol, mas outro esporte. O físico Amit Goswami, autor do livro Criatividade Quântica, perpassa essas questões. Diz que o artista acaba promovendo regras e modus operandi que também são organizados tal qual uma produção científica. Eu imagino, então, que para cada modalidade (e para cada artista), as regras do jogo se impõem conforme o processamento e o desenvolvimento de sua arte, assim como o Projeto Diz-Quetes, que parte de um ponto e caminha para uma crescente de ideias e agregações, amplificando-se e modificando-se numa espiral, lugar onde o conteúdo não se finda em si mesmo. Acredito que seja desta forma que a arte adquire essa vantagem de poder se infiltrar em todas as áreas de estudo e pesquisa. A cirurgia plástica é um exemplo. Traz a estética ao tópico da medicina. Depois, uma vez dentro da universidade, com o tempo ela, a arte, pode se tornar menos cartesiana aos pesquisadores com propostas mais experimentais (excluindo dessa palavra o próprio método científico, a pesquisa experimental, e incluindo aí, então, o experimento livre das estatísticas, nas normas, dos preceitos, a experimentação poético-filosófica). Dentro do sistema é mais fácil encontrar brechas para uma apresentação em arte-experimentação, para a elaboração de um material cujo conteúdo escrito pode ser diferente daquele comandado pelas normas científicas e, então, vão se alterando os antigos paradigmas. O interessante, portanto, não é equivaler arte à ciência cartesiana, mas dar às duas uma oportunidade de co-existência, cada qual trilhando seu caminho, mas propondo intersecções, e, ambas, demonstrando suas importâncias. E este eu acho o principal desafio da universidade quando se pensa essa questão da arte-experimentação.

 

O disquete como suporte, acaba sendo um pouco emblemático, uma cápsula do tempo: ele guarda palavras na maioria das vezes não acessíveis (por causa da falta de uma máquina compatível que o leia). Você enxerga isso como uma analogia à linguagem e às pessoas, que às vezes, nessa sociedade caótica não conseguem ser lidas pelas outras?

Fernanda: Isso é realmente curioso. Quando - eu e a Letícia Mendonça, minha sócia no ateliê de literatura e criatividade, o Letra Corrida - começamos a angariar disquetes para o projeto, percebemos que algumas pessoas ficaram receosas com o conteúdo dos mesmos, embora tivéssemos garantido que não teríamos como descobrir os segredos dos discos uma vez que não tínhamos mais leitores adequados em nossos computadores. Além disso, algumas surpresas sugiram, como o fato de encontrarmos pessoas que ainda se utilizam dos disquetes e dos computadores mais antigos para trabalhos digitais, embora estas mesmas pessoas co-existam com máquinas mais modernas. Depois, quando surgiu o pensamento de se montar um espaço físico para o ateliê, percebi a necessidade de um mimeógrafo e de uma máquina de escrever. Um pouco impulsionada pela reação das pessoas às exposições que são feitas com os Diz-Quetes. É que em um determinando momento, uma criança, cerca de 10 anos, perguntou o que eram aqueles pedaços de plásticos quase quadrados. Imediatamente pensei no resgate de uma memória digital, já que esta é muito curta. Daí a criação de oficinas de fanzines com o uso de mimeógrafos. Também desenvolvemos no ateliê uma oficina de literatura e criatividade, utilizando-nos dos disquetes. Nesses debates sim, frequentemente colocamos em pauta as mídias e as linguagens. Na última oficina, ministrada por mim e pelo Gazy Andraus (acima já citado), re-criamos o projeto dos Diz-Quetes para a HQ e o chamamos de Diz-quétirinhas (com o acento para facilitar a leitura e quebrar paradigmas). Esse momento reflete em muito a questão aqui colocada sobre a não-leitura uns dos outros devido à uma sociedade em que a demanda capitalista, moderna ou pós-moderna, retira dos sujeitos barrados (um conceito da psicanálise) possibilidades de leitura e de existências, principalmente quando essas se encontram presas à mais valia, uma ausência de laço social. Refletindo, o disquete quadradinho (como aquela criança mencionou) é um instrumento regular e racional (cartesiano) assim como o conteúdo que ele contém, codificado, mesmo que não saibamos de exato o que dele pode ser extraído. E ainda que encontremos dentro dele um texto literário, um arquivo com conteúdo criativo, o universo dos disquetes se mantém pelo código binário. Já o trabalho feito nas suas superfícies, utilizando-os como suporte para a literatura e outras manifestações, modifica este lugar de leitura, lugar onde as pessoas podem expor suas prosas, poesias, pensamentos, desenhos, imagens, releituras. Um espaço visível a ser manufaturado por cada um e onde cada um, então, pode ser facilmente lido pelo outro, um lugar de diferença e de experiências. E isso desperta um contrabalanço e, consequentemente, criação e crítica. O fato é que, rapidamente, uma tecnologia substitui outra. O disquete ficou obsoleto e uma das propostas do Projeto Diz-Quetes, Todos na Literatura foi a de resgatá-lo a partir de sua “impermanência”, ou seja, resgatá-lo a partir da reflexão do pouco de tempo de permanência das coisas, a chamada obsolescência. “Imprime-se” novos conteúdos, textos, poesias, HQs, desenhos em objetos que guardariam esses mesmos conteúdos de forma digital, signos que, presos em uma linguagem já não acessível, não podem mais ser lidos ou apreciados a não ser que saiam e atinjam o externo. E aí está o debate entre uma essência permanente e a obsolescência impermanente. Resgata-se a conjunção da informação com a criação, e os disquetes re-tornam ao seu objetivo inicial, de serem instrumentos legíveis, disponíveis para a “fala”. Hoje, o que me preocupa, é que, com a internet e as novas tecnologias, criamos outras formas de nos fazer sermos lidos, mas na dupla-mão, perdemos também. Explico. Na ocasião da oficina na qual desenvolvemos a proposta do Diz-quétirinhas, pudemos observar o quanto as pessoas deixaram de ler ou de se expressarem através dos desenhos, e, consequentemente, da palavra. Historicamente, desde os primórdios da humanidade, as pinturas rupestres constituíram a base dos sistemas de escrita mais complexos. Ao fazê- las, como forma de comunicação e registro social, os homens pré-históricos mantinham-se muito próximos às artes uma vez que o detalhismo tomava-lhes um tempo de garantia ao entendimento e compreensão daquilo que estava sendo gravado nas paredes das cavernas; e o envolvimento deles com esses registros, com as cerâmicas e pinturas, evidentemente, requeria um apreço estético. Já se formos pensar nos hieróglifos egípcios, eles foram se perdendo com a invasão de outros povos, fato que alterou a língua e escrita local, incorporando a elas novos elementos. Hoje os hieróglifos são sinônimos de uma escrita de difícil compreensão. Então, repito: na medida em que ganhamos, perdemos. Creio que seja inevitável essa perda e também o ganho causado pela perda. É consenso entre os estudiosos que uma linguagem mais fácil, mais limpa, atinge muito mais pessoas do que uma linguagem mais rebuscada, com palavras incomuns, distantes do cotidiano. Os disquetes, e sua perda de função, reflete bem isso, e ilustram a analogia proposta para essa resposta. Há uma ambivalência com a chegada da internet e das novas tecnologias que se modificam a cada instante, e cada vez mais rápido. E mais, que também modificam a cada instante, e também cada vez mais rápido, nossas formas de nos impormos ao mundo e de sermos lidos por ele.

Uma ode à criatividade!

Muito boa a entrevista com a Fernanda de Aragão. Ela explica muito bem sua arte-experimentação de maneira embasada e traz novos rumos criativos aproveitando as tecnologias ditas obsoletas, sem perder a poiesis, Isso é o que mais importa na vida. As questões também estão inteligentimente formuladas. Parabéns a quem as elaborou. Só um senão, que é uma dúvida: a palavra "ode" não é feminina?