No dia 20 de janeiro a internet foi tomada por uma série de ações distribuídas contra outras séries de ações que estão tentando limitar a liberdade das redes. A autoria dessas ações foi assinada pelo grupo
Anonymous. Conversei com João Caribé, do MegaNão, sobre o hype hacker que sonda alguns coletivos e que às vezes se distancia da construção coletiva e colaborativa.
Durante a ação contra os sites fechados, e a polêmica do Mega Upload, você declarou que estava mudando sua opinião em relação ao Anonymous. O que te levou a isso?
Caribé - Na verdade nunca foi efetivamente "contra" o Anonymous, apenas não opinava a respeito, mas no dia 20 eles foram efetivos. Observando as ações vi que eles estavam apenas fazendo ações de DDOs e não vandalismo, o que não afeta o valor das ações deles. É importante ressaltar que o Anomymous é uma ideia, e não um grupo efetivamente, mas mesmo assim, no Brasil surgiram perfis e grupos que se identificam como Anonymous Brasil que ao menos seguem a mesma linha. Por outro lado, não podemos deixar de citar os LulzSec e seus "comparsas" o iPiratesGroup e o LulzSecBrazil que na verdade atuam como mercenários digitais, atacando efetivamente, inclusive com defacing de sites em busca de visibilidade, mas com foco no fomento de fatos para a tramitação de projetos e leis severas como o Ai5 Digital.
Como você enxerga que os brasileiros enxergam a liberdades das redes? Já que muitos "dos cabeças de rede" falam de processos horizontais, compartilhamento mas acabam se apoiando em comunidades/coletivos para conseguirem privilégios políticos e financeiros?
Caribé - A pergunta ai tem duas partes, a de apoiar-se em comunidades/ coletivos para obtenção de previlégios político e financeiros é a velha conhecida má fé, e em geral acaba provocando "rachas" dentro do coletivo a partir de blocos que não concordam com os caminhos que o coletivo está seguindo. A outra parte é mais conceitual e vejo como uma questão de transição, há alguns anos, os principais hubs (cabeças de rede como você citou) eram imigrantes digitais como eu por exemplo, que conheceram a Internet em 95, quando ja tinha a subjetividade formada inclusive no pensar social e profissional. Com o advento da rede fomos obrigados a reaprender e revisar muitos destes dogmas, mas há sempre o vício de pensar que já sedimentou. Aqueles que entraram na rede antes de construir estes dogmas possuem muito mais facilidade em entender e usar a dinâmica da rede, e essa facilidade está inversamente proporcional à idade com que a pessoa teve acesso à Internet a primeira vez. No ano de 2012 por exemplo temos os primeiros nativos puramente digitais completando 18 anos, certamente saberão usar a rede de forma infinitamente mais eficiente do que qualquer um de nos que esteja lendo este texto e seja mais velho do que eles. Outro ponto neste debate está no fato de que a maioria das instituições ainda seguem o velho modelo conceituado na Revolução Industrial, que prima a organização, o método e o famigerado organograma, esse velho modelo já se mostrou ineficaz e ultrapassado, pois acaba distanciando qualquer debate das bases, mesmo que tenha iniciado nelas, e dai sujeito a todo tipo de miopia. Dependendo do foco da comunidade/coletivo, ele precisará ter uma interface para se relacionar com estas instituições "analógicas" que citei acima, este interfaceamento muitas vezes afeta a forma estrutural do coletivo, principalmente se este for manter relações formais com estas instituições analógicas, tais como representação socio politica e/ou recebedora de proventos financeiros, pois aí é uma questão legal mesmo.
O que o Mega Não pretende e que linha o Mega Não não pretende seguir?
Caribé - O Mega Não começou como um coletivo, um movimento em rede, conectando diversos movimentos, mas quando comecou a se relacionar com as instituições formais, inclusive governamentais começou a ter de "ganhar forma" e essencialmente teve de "sair da rede" e fora do espaço digital a necessidade financeira, pois o custo do deslocamento de 100MB de informação é infinitamente menor do que o deslocamento de uma pessoa, e estamos neste momento de ter de deslocar pessoas para estarem presentes nos eventos e locais onde as coisas relativas a liberdade na Internet acontecem, e aí temos de tornar tangíveis nossos bits e bytes de forma a interfacear com esse velho público. E tudo isso têm um custo. Neste ponto, para o próprio movimento Mega Não estamos vivenciando um dilema, pois um coletivo pela liberdade na rede não pode por exemplo receber aportes financeiros de empresas com as quais não temos alinhamento ideológico, o ideal seria que este sistema fosse de doações pessoais regulares, o que não é comum no Brasil, mas mesmo assim vamos testar esse modelo a partir de março. A questão da luta pela liberdade na Internet no Brasil há muito tempo se ampliou, o Ai5 Digital, é hoje apenas uma parte do problema, uma pequena diga-se de passagem, existem várias "camadas" que precisam ser monitoradas e trabalhadas, as ofensivas também estão se aprimorando, por exemplo. O Mega Não ganhou o Prêmio FRIDA, e com isso eu pude participar do IGF (Internet Governance Forum) no Quênia, ao chegar lá vi que diversas organizações como a EFF, Le Quadrature Du Net, Access, EFF Filândia, e vários outras que tratam de questões de liberdade e direitos humanos já frequentavam o IGF há anos, foi algo do tipo: "Onde eu estava que não havia visto isso?" Isso me alavancou para uma camada que não estava no radar do Mega Não, a camada de governança da Internet, e que é essencialmente o cérebro e o sistema vascular da Internet. A próxima edição deste ano vai ser no Azerbaidjão, e não acredito que consiga ter a mesma sorte de 2011 de ganhar a viagem. Isso se multiplica, há a necessidade de termos gente especializada no Mega Não, e de termos mais representatividade além de mim, do Paulo Rená, da Juliana Andrade e da Fátima Conti, cada um de nós tem seus compromissos, e há a necessidade urgente de profissionalizar o movimento, para atender as demandas que vêm de novos ataques à liberdade. Por outro lado temos de manter a nossa rede super energizada e motivada, pois tudo isto não fara sentido se não tivermos o apoio da rede que sempre sustentou as nossas lutas.
Você acha que ainda olhamos muito "o de lá de fora" e não olhamos para o nosso quintal?
Caribé - Numa primeira análise eu pensei no famoso complexo de vira latas da minha geração, mas não creio que isso seja o que acontece. Tem questões culturais também, num debate recente na Campus Party houve uma pergunta do tipo o porquê o Brasileiro não é tão engajado politicamente, o porquê não vai as ruas e tal. Até vai, mas não é como em alguns países. Expliquei que minha geração cresceu dentro da ditadura, que a coisa era no nível de podermos portar e nem ter em casa livros com ideias comunistas, não se podia manifestar, o cidadão politizado era criminalizado. Essa visão cresceu junto conosco, só mesmo a geração mais nova para mudar isso, e creio que esteja, veja o caso do Transparência Hacker.