Ainda sobre Telecentros, por Felipe Cabral

Ainda sobre Telecentros, Felipe Cabral respondeu as mesmas questões que mandei para o Dalton e propôs mais uma coisa, a possibilidade de fazermos um vídeo narrando a história do processo dos telecentros, desde quando criaram a nomenclatura "telecentro" para um espaço público com computadores conectados até a obsolescência do próprio conceito de inclusão digital...

Quem sabe não fazemos isso pelo MutGamb, e caminhamos até o ponto dos Labs experimentais? (O que é um lab? Pra quê serve um lab?).

Desde quando você trabalha com Telecentros?

Felipe Cabral - Meu primeiro contato com um Telecentro foi em 2005, quando ministrei oficinas numa unidade do projeto Casa Brasil, em Guarulhos - SP. Na época eu havia acabado de participar do 7° Fórum Internacional de Software Livre em Porto Alegre e estava extremamente empolgado com a filosofia e as possibilidades libertárias e de desenvolvimento tecnológico sustentável que o software livre era capaz de produzir e fomentar, especialmente em projetos que visavam acesso a Internet e a Tecnologias enquanto política pública. Então comecei a ministrar oficinas em escolas, em laboratórios de informática e nesse telecentro da Casa Brasil Guarulhos. Eu conhecia vagamente - pra bem da verdade quase nada - o projeto de telecentros da prefeitura de São Paulo, iniciado anos antes no Governo Eletrônico na gestão Marta Suplicy, que na época estava sendo implementado por pessoas como Sérgio Amadeu e Beatriz Tibiriçá. Passado esse período, que durou cerca de 6 meses, me distanciei um pouco do contexto de telecentros e passei a acompanhar e atuar em projetos ligados ao Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, que tinha como uma das ações a Cultura Digital nos Pontos de Cultura. Há cerca de 1 ano e até o presente posso dizer que me reconectei com projetos ligados a telecentros. Hoje tenho com uma de minhas atividades profissionais a função de Designer Instrucional do Polo Sudeste Meridional da Rede Nacional de Formação do programa Telecentros.br. Nesta "Rede" fazemos basicamente uma série de ações de formação com monitores ligados ao programa Telecentros.br que é o atual e principal programa de "Inclusão Digital" do governo federal, gerenciado em grade medida pelo Ministério das Comunicações, sob a júdice da atual secretária de Inclusão Digital, a sra. Lígia Pulpatto.

Na sua perspectiva o que mudou desde a implementação do projeto dos Telecentros até hoje?

Felipe Cabral - Existem, existiram e existirão muitos projetos de Telecentros, ainda que alguns projetos não chamem seus espaços "computadorizados" de telecentros. Projetos de governos municipais, estaduais, do governo federal, projeto de iniciativa privada e até projetos que eu poderiam chamar de "independentes". Todos eles com características, objetivos e concepções diferentes e que mudaram muito ao longo da passagem do tempo. Cito alguns exemplos: conheço o projeto dos telecentros da prefeitura de Porto Alegre que tem telecentros até dentro do mercado municipal, no meio stands de alimentos, usando software livre, com computadores antigos, com monitorxs para auxiliar novos e/ou inexperientes frequentadorxs. Conheço o projeto dos telecentros em escolas do governo do estado de São Paulo, chamado projeto Acessa Escola, que usa software proprietário, que limita o acesso a 30 minutos por sessão, que tem como política não permitir ao usuário alterar qualquer configuração dos computadores, que em muitos lugares está quase sempre fechado para a comunidade, mas que tem computadores novos e que pensa ação voltada ao protagonismo juvenil. Vale lembrar que esse último projeto, o Acessa Escola, não "se chama", não intitula o espaço com os computadores nas escolas de "telecentro", mas em suma medida, na minha opinião, considero como se fosse, embora reconheça seu diferencial frente ao que se costuma chamar tradicionalmente de telecentro. Conheço também - só para citar um terceiro exemplo que difere bastante dos dois já citados - uma iniciativa chamada "Associação Telecentro de Informação e Negócios" que implementa e gerencia projetos de telecentros. A ATN é uma OSCIP sediada em Brasília que tem "parcerias" com diversas empresas como Microsoft, Sebrae, IBM, Fundação Bradesco, entre outras, e que tem como foco, ao que parece, difundir a ideia de telecentro como um espaço de geração de renda, como um espaço de fluxo financeiro, em associação com o mercado, com o chamado "empreendimento", visando emplacar a ideia de Telecentro como "um bom negócio", como formador de mão-de-obra para o mercado. Esse tipo de concepção é a mais perigosa e cruel, na minha opinião, sendo responsável por transformar um espaço de acesso social a tecnologias e a Internet, um espaço de cidadania e pertença do comum e uma quase Lan House de fins comerciais. Acho que não consigo responder a essa questão e não me vejo como alguém que pode traçar panoramas amplos para essa pergunta. São muitos dados a considerar, são muitas ocorrências, muitos jeitos diferentes de fazer e de entremeios a percorrer. Se eu tivesse de dar alguns palpites sobre o que tem mudado na dinâmica de funcionamento e na concepção do que se costuma chamar de telecentro, eu diria que os seguintes itens fizeram uma diferença fundamental:

- Reconhecimento desse espaço como efetivamente um local público de acesso a internet;

- A difusão do software livre como ferramenta inexorável de promoção da igualdade tecnológica-computacional;

- Investimento por parte de diversos municípios e estados na criação de políticas para a existência de telecentros;

- A criação, recentemente, de uma Secretaria de Inclusão Digital no Ministério das Comunicações, na perspectiva de convergir forças de outros ministérios e de concentrar ações do governo federal para fortalecer a política de telecentros;

- A difusão, ainda que lenta e gradual, da Banda Larga no Brasil, possibilitando acesso em lugares antes impensados.  Esse ponto talvez seja o mais polêmico, visto que na prática a banda larga no Brasil continua sendo um fiasco, mas se compararmos o número de conexões de 2002 a 2012 em locais públicos, isto é, numa margem de 1 década, veríamos o quanto cresceu, em termos reais, o número de telecentros em municipios antes totalmente desconectados. Essa tente a ser, ou a continuar sendo, a grande luta para os próximos anos;

- A ascensão de tecnologias móveis de acesso a Internet, como Celulares e Tablets. Creio que não demorará muito para existirem telecentros como experiências mobile de sucesso e isso tende a reinventar o espaço do telecentro porque não mais será preciso para um telecentro se ater a questão do espaço físico fixo;

- A ascensão, premente, dos aparelhos de TV com acesso a Internet. Isso vai dar uma balançada em diversas questões como oferta de Banda Larga, acesso a Internet domiciliar, programação de Tv aberta, entre outras muitas coisas, incluindo portanto a política de Telecentros. Talvez os telecentros tenham de rever seu papel num mundo onde uma grande quantidade de pessoas possuam Tv com acesso a Internet.

Qual é o principal desafio a ser superado?

Felipe Cabral - Os desafios dados estão postos, penso eu, desde o inicio da criação desse tipo de política: melhor qualidade de banda, mais e melhores formações, mais convergência de interesse dos atores desse processo, mais transparência e divulgação sobre esse tipo de política, melhor aproveitamento das potências desse espaço para criação de canais de mídia livre, maiores intercessões entre Telecentros e Redes como Cultura Digital, Metareciclagem, Hackers Club, algum espaço de diálogo entre Telecentros e iniciativas latino-americanas como a da Rede Virtual para Gestores de TICS da Colômbia, entre outros pontos a melhorar. Mas penso que estamos caminhando bem. Sinceramente espero que a ideia de Telecentro migre do conceito de um espaço primordial de acesso para um espaço de encontro. Com a democratização do acesso a Internet, com a democratização da Banda Larga, só posso desejar que um Telecentro se converta, mais do que já é, num espaço de encontro entre pessoas com interesses comuns, num espaço de encontro de pessoas para formação tecno-cidadã, num lugar gostoso, querido, respeitado e desejado pela comunidade na qual está inserido.