Hestória

Por @mondegrass, disponível aqui.

Acho que a melhor forma de começar a contar uma história (ou estória) é pelo início. Então voilá.

Tudo começa em meados de 1992, quando tinha 8 anos e despertei minha atenção pra uma coisa chamada música. Não gostava de rotular e nem gostava de explicar, apenas gostava de música. Comecei ouvindo fitas K7 em um velho rádio, fui ter um tocador de vinil muitos anos depois. CD e VHS nem se fala... Sempre fui um cara de "penúltima geração", o que acho bem legal, diga-se de passagem. Isso me fez enxergar o "novo" com outros e bons olhos.

Nessa época, já descobri que queria ter envolvimento com música e um dia subir num palco com amigos (UMA BANDA) e tocar algo nosso. Mas esse "nosso" é no sentido de todas as pessoas que ouvissem, partilhassem sensações, viagens, memórias e tantas outras coisas que enxergamos com os ouvidos. Sinestesia. Eu tinha esse sonho e sim, tratava disso como um sonho.

Só que como todo ser humano, fui crescendo. Fiz uns bicos com 11 e comecei a trabalhar com 16 anos. Aos 18 estava numa empresa de grande porte, cheio de responsabilidades e com um salário relativamente interessante, tendo como referência o nível de vida da cidade onde moro. Estudava numa faculdade particular, pagando mensalidades que hoje nem consigo imaginar, tinha amigos e uma vida de plástico. Aquilo me consumia, me esgotava.

Meu violão ficava sempre jogado no quarto e tocar era sempre surreal. Sabia parcos acordes, ligava o rádio e tocava junto. Era massa me sentir parte da música, mesmo ela rolando no rádio. Eu repetia até as frases de agradecimentos dos caras.

Cheguei a um ponto que nem o violão pegava mais, não tinha tempo. Hoje percebo que na verdade não enxergava o tempo.

Em 2004, pensei em comprar uma guitarra, mas mudei de opinião pois nem o violão eu segurava. No final das contas, gastei a grana com alguma porcaria nonsense.

Já 2005 foi um ano complicado. Não li nenhum livro, não toquei nenhum dos 5 acordes que sabia no violão. Nunca tinha acessado a internet em casa, mal sabia que ela serve pra tanta coisa. Era um cara desacreditado, com forte tendência a permanecer na dieta conformista "trabalho, cerveja e televisão". Gostava muito de música, mas só no CD player (agora já tinha um). Não tinha vontade de acreditar em sonhos e achava que nenhum deles era possível. Fui descobrir que estava enganado.

Essa coisa da angústia era justamente a falta de vontade de acreditar em sonhos. Precisava desaprender um monte de coisa. Foi aí que tomei uma atitude (precisava tomar alguma) e nessas passei os três anos seguintes, largando trampo, faculdade e outros "itens de plástico" que tinha na vida. A ideia não era virar hippie e viver de brisa, era apenas viver. A partir de 2006 comecei a usar a internet em casa, em 2008 comecei a usá-la pra alguma coisa útil, até que chegamos em 2009.

Nesse ano já tinha uma guitarra e uma gaita, além da vontade imensa de continuar a desinventar coisas, desconstruir e partilhar a ideia do bom uso da informação, da internet, da mente.

Bem, daí através de uma troca de links cheguei aqui. Em 18/08/2009 recebi um email do @efeefe e conheci a lista #metarec. Aí começa outra parte da caminhada. Comecei a receber muitos emails, percebi que dava pra fazer muita coisa além do que imaginava. E olha que já me achava "pensante" pelos passos anteriores. Essa ingenuidade...

Ficava derretendo (= delirando) aqui lendo emails de pessoas que tinham e praticavam sonhos. Um dia vi um post da Maira sobre alguém ser "articulador de sonhos". Achei fantástico!

Depois do email do Felipe, mandei outro email pra lista e fui recepcionado pelo Dpádua e Lelex. Posteriormente troquei muita prosa com o Orlando e aí veio a ideia: sintetizar toda essa vontade de dizer coisas com algo que gostava, a música. Descobri também que a metareciclagem já estava presente na minha vida há muito, muito tempo.

Acho que por uma coincidência (ou ação) cósmica, um amigo me procurou com a ideia de criar ou transmitir algo sonoro diferente e de cara já joguei essa ideia de música desconstrutiva. Foi aí que recrutamos outro amigo e começamos uma empreitada bem diferente. Então fomos ensaiar num lugar interessante: o mato. Durante o último 1 1/2 ano, passamos quase todos os sábados tocando, trocando ideias e absorvendo os sons do mato. Nossos ensaios eram nos arredores montanhosos da cidade de Guaxupé e nesse tempo só levamos um par de violas, percussão e um gravador. Trombamos carcarás, inúmeros pássaros, macacos e até um lobo. Vários sons olhando árvores centenárias, o lago clássico. Sinestesia (2).

Poucas pessoas sabiam dessa empreitada. E as músicas aconteciam em meio a barulhos da natureza. Algumas vezes no meio do som ecoava um trovão, caía a chuva. Uma energia que nem o melhor estúdio do planeta pode proporcionar, eu garanto.

Desenhamos algumas letras, pintamos algumas músicas e posteriormente lascamos uns toques de eletricidade. Depois de ensaios agora em chão de cimento, terminamos algumas músicas.

No último #mutsaz rolou uma prosa no irc, troquei ideia com a Tati, Sília, Maira e Téia sobre "um sonho" que estaria prestes a rolar. Mas passamos por um imprevisto aqui e atrasamos a estreia. Continuar a caminhar, e...

Bem, no último sábado dia 27/11 - alguns dias deps do #dpaduaday - aconteceu em Guaxupé nosso primeiro espetáculo. Com 26 anos de idade, pela primeira vez estive a frente de um lance desses, tocando e cantando. Nossa banda, A Carvoeira, surgiu com seu modesto som, a psicodelia do mato. Foi incrível, ao mesmo tempo que eu tremi como vara verde. Logo posto registros do dia.

Pois é, nós humanos inventamos coisas demais. Tá na hora de desinventar, né?

Amigxs, obrigado. Mais de 15 anos depois o menino lá de 1992 realizou um sonho. Sábado agradeci a todos que contribuíram pra esse sonho, não lá com o microfone na mão, mas quando cheguei em casa pra dormir. Quero que logo venham conhecer a minha cidade.

E finalizando, dizem que o termo "história" é algo real, e "estória" algo imaginário. Então chamarei esse texto de "hestória", o imaginário-real. Essa palavra já existe? Hoje creio que não há hora melhor pra um sonho aparecer do que a primavera.

E me desculpem pelos erros, quem escreve aqui é o carinha de 8 anos, desses que escreve milhões de vezes uma palavra que admira, como "sonho".