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Publicado no blog catadores em 25/01/08

http://catadores.wordpress.com/2008/01/25/processos-imersivos-reciclagen...

¨Processos Imersivos, Recliclagens e Singularidades¨ 

Fabiane Borges e Marc Etlin

Para EIA (Experiência Imersiva Ambiental)

http://mapeia.blogspot.com

 

    IMERSÃO é uma disponibilidade, um engolfamento, um mergulho e se não tiver prudência, um afogamento. Trata-se de um modo de perceber/sentir um determinado espaço/tempo, casual ou produzido voluntariamente. Utilizamos a palavra imersão no rastro do conceito de Deleuze: acontecimento, impingindo sobre seus contornos uma viva idéia de ativismo, pois estamos falando de uma disposição individual/coletiva para criação de situações de resistência aos paradigmas ambientais-políticos-sociais da contemporaneidade.

     

    Consideramos a idéia TAZ (Zonas Autônomas Temporárias) um personagem conceitual fundamental para nossa inventiva, dado sua interferência no imaginário e prática de grande parte da juventude mundial na virada do século XXI. Hakim Bey (ou seja lá quem for que tenha escrito o livro) conseguiu nomear brilhantemente uma série de acontecimentos que já estavam se dando como prática geracional, a exemplo disso temos as raves, os encontros presenciais das cibersociedades, ativismos políticos relacionados à planos econômicos/políticos, o contexto prático/estético das interferências urbano/públicas, as experiências grupais de magia com utilização de softwares, experimentações do corpo digital, eventos de arte, mídia, multimídia, tecnologia livre, software livre, etc.

     

    Uma imersão coletiva é circunstância rítmica com atuação incisiva sobre os corpos dispostos a vivenciarem a experiência; nossa especulação gira em torno das potencializações que o encontro entre ação, corpo tecnologia e tempo depreendem, e também como se constituem as relações rítmicas internas e externas à imersão. É um recorte específico mas de modo algum restritivo. Cada singularidade tem seu próprio rítmo-base e quando desafiada a imergir coletivamente numa determinada situação, necessariamente vai sofrer modulações de seus dados e interferência dos rítmos existenciais alheios alternando entre sua própria base rítmica e a disritmia (noise). Sincronização rítmica é a mais difícil tarefa de uma imersão coletiva, por isso ela é um processo experimental antes de um objeto melódico. O objetivo consensual harmônico pode facilmente se tornar ideológico, no pior sentido da palavra. O consenso não é lógico e mora atraz do pensamento, se dá como acontecimento. Se Simondon se refere ¨transdução¨ para dizer da co-constituição produzida entre sujeitos e objetos, poderíamos dizer que: tratamos de novas práticas de transdução de redes sociais diferenciadas entre si em contextos imersivos coletivos, a fim de testar linguagens e deflagar processos de co-constituição. Algo já previsto na idéia de TAZ, o ser já revolucionário, a liberdade do instante, a experimentação profunda das potências de uma coletividade que tenta ser livre em um determinado espaço-tempo, sem que isso tenha que se institucionalizar ou se fragmentar completamente. Pode-se ter planos em comum, objetivos externos específicos, mas é importante prestar atenção na estrutura do encontro para não cair na repetição idiossincrática que tanto a esquerda quanto a direita histórica cultivam, que são as ordens hierárquicas, as discussões pseudo-democráticas e a vontade de representação. A pergunta: Como gerir processos imersivos coletivos? Que modos de produtividades um coletivo de singularidades imersas em um espaço-tempo específico pode alcançar?

     

    PROCESSOS de constituição de realidades e subjetividades. Para qualquer inventiva imersiva, têm-se que levar em conta as singularidades temporais, espaciais, territoriais, culturais de onde se está. Essa abertura para o local é nosso maior foco de experiência e aprendizagem, porque conta com a radicalidade da alteridade. Imergir coletivamente em um local sem dar devida atenção ao ambiente como um todo, é ignorar a força, sabedoria e poder do local. O ambiente determina os graus de relacionamento, as alianças, ativa ou restringe potencialidades. Imergir ativamente num ambiente, ou criar um ambiente para imersão é trabalho de feiticeiro. É magia. E nosso trabalho se baseia muito em pressupostos mágicos, xamânicos e em técnicas de intensificação de consciência, porém sem nenhum vínculo transcendente/religioso. A mistura dos diversos rítmos somados aos atributos locais são suficientes para essa mudança de frequência, mas pode-se ir mais longe nessa intensificação. Podemos entender ambientes no seu sentido macro ou micropolítico, pode ser tanto uma ocupação sem teto, uma pequena associação de lavadeiras cantoras ou uma cidade como o Rio de Janeiro. O local não está confinado na geografia, há também os espaços públicos da linguagem, da subjetividade, os espaços virtuais, as redes sociais, em última instância, tudo o que está ou que devêm.

    Aproveitamos a deixa para dizer das nossas impressões a respeito do contexto de ativismo do Rio de Janeiro, já que estamos aqui no momento de escrever esse texto: o espaço público dessa cidade é frequentamente festivo - Samba, Hip Hop, Funk, Carnaval, festivais na praia são exemplos de como se manifesta o desejo da vida social carioca. São nesses espaços públicos da música e da festa, do show artístico que se constróem as crônicas, os debates públicos, as reivindicações e manifestações mais esquisitas. Em relação à arte urbana por exemplo, os grupos mais engajados, são grupos que se dedicam a pensar coisas relacionadas ao carnaval, ao candomblé, as fantasias, festas em espaços públicos com algum conteúdo político e não necessariamente ideológico. Grupos como o La-rica fazem festas populares com uma tenda em frente a grandes eventos financeiros e excludentes como Rio Fashion Week ou outros relacionados à moda, arte, bancos, etc. No Rj tem vários grupos de ação, performance, teatro, música, revista política, movimento estudantil, mas com um conteúdo estético/ativista mais propriamente dito, ninguém ganha da “festa”! Em cidades como São Paulo as coisas se dão diferentes. Os grupos se levam mais a sério, as reuniões são intermináveis, o cuidado com a profissão de artista, de militante, de ativista, qualquer uma delas leva em conta a minuciosidade estética, o efeito público e o local de visibilidade. Muitas veses recaem em repetições burocráticas, mesmo visando rupturas com essas estruturas. Por essa mesma razão também parecem ter uma maior eficência simbólica, sendo notório a modificação que causam em determinados espaços públicos da cidade, o que atua incisivamente no imaginário social, a exemplo disso temos o trabalho do coletivo Mico que fazia ações pontuais em relação à mídia oficial, expondo publicamente informações falsas que ocasionavam verdadeiras polêmicas, como foi o caso de uma faixa colocada em 2001 na Avenida Sumaré, que é uma das maiores avenidas de São Paulo, por ocasião de uma manifestação política e revolucionária do PCC (Primeiro Comando da Capital – ordem de presidiários comandante do tráfico de drogas) que desencadeou uma espécie de guerra civil na cidade. A faixa do Mico dizia: “Não estamos em guerra, queremos nossos Direitos – PAZ”. A mensagem foi entendida pela mídia oficial como do PCC e dessa forma foi reproduzida em todos jornais, revistas, diários da época de forma sensacionalista: Eles estão no meio de nós! Como chegaram a avenida Sumaré? Os PCCs estão soltos na cidade? Pode ser qualquer um de nós!, etc.

    Nos casos de cidades como Rio de Janeiro, Salvador o contexto do divertimento, do erotismo, da estética hedonista geral são mais evidentes. Operar com códigos de intervenção, ativismo, ação, imersão nesses meios deve pressupor a conexão dos estados que se diferenciam e que se equivalem, ao mesmo tempo. Aqui no Rj temos tentado fazer eventos festivos que permitam que a crônica social avance, que o diálogo dos diferentes se expressem a partir de propostas de criação de espaços (artísticos, estéticos, políticos). Temos tentado em nossas ações/imersões modificar a idéia de espaço público como uma Ágora grega para outras noções de espaços públicos, que leve em conta as redes ciber, as tecnologias das máquinas, as tecnologias sociais, as diferentes expressões estéticas, o mundo da mídia, publicidade, moda, o calendário da cidade. Não atuamos com um espaço público que está lá esperando nossa intervenção, mas o criamos a partir de eventos recorrentes que se tornem pontos específicos e eficientes de produção, criação e amplificação de códigos, corpos e coletivos. Imergir no espaço público da cidade, mas ainda mais, criar um espaço público de constituição de realidades e singularidades. A pergunta: Como imergir num espaço e tempo comum com grupos absolutamente diferentes em suas crenças étnicas, políticas e ideológicas?

     

     

    RECOMBINAÇÕES DE REDES em espaços/tempos imersivos são dispositivos de fomentação de novos modos de fazer política e de existir no mundo. Por traz de qualquer aparato social ou tecnológico estão os sujeitos e é sempre dessa dobra e desdobra do mundo em si e o si inundado que se trata nosso assunto. Essas novas culturas de redes em seus encontros ciber e corpóreos (presenciais) são um importante foco de pesquisa e experimentação para o nosso trabalho e consideramos que elas tem muito a acrescentar nos processos políticos da contemporaneidade. Elas engatinham em sua tentativa de descentralidade e por fim de distribuição de redes e de seus poderes-funções-uso, mas temos alguns bons exemplos no Brasil de tentativas de encontros presenciais imersivos de sujeitos ligados ao movimento do Software Livre, que tentam fazer esse processo avançar. Entre eles temos os encontros anuais do Submidialogia que ocorre há três anos. Submidialogia é uma lista da internet que discute e atua com software livre, mídia tática, opera com programas multimídia, promove ações coletivas de resistência como rádio livre, TV livre e se opôem incisivamente aos monopólios de comunicação. Um dos seus slogans é - Submidialogia: a arte de re:volver o logos do conhecimento pelas práticas e desorientar as práticas pela imersão no sub-conhecimento - . Organizam todo seu encontro de forma pública através de programas abertos de edição da web (wikki), onde inclusive as questões financeiras (financeamentos, custos, passagens, alimentação, etc) são debatidas. Os lugares de encontros presenciais são escolhidos de acordo com os contatos dos sujeitos da lista com universidades, instituições acadêmicas, governamentais ou grupos de ações locais. Em 2007 o encontro foi feito junto a um espaço cultural do movimento negro chamado AVANTE, onde tem uma rádio comunitária que é frequentado por grande parte da juventude daquela pequena cidade interiorana situada na chapada Diamantina na Bahia. Ao imergir em um local como o AVANTE o grupo já provocou estruturalmente a imersão, processo de constituição de realidades, singularidades e recombinação de redes. Pois promoveu a conexão entre as diferenças étnicas, discursivas, políticas, etc. Tanto os usuários da lista, quanto os participantes do espaço cultural tiveram que lidar com a radicalidade da auteridade, sendo que não raras vezes as discussões se tornaram agressivas. Um ponto interessante, é que tanto as pessoas do movimento negro quanto estrangeiros europeus e norte-americanos que estavam no encontro reclamaram sentirem-se excluídos de grande parte das discussões e atividades, fosse em função da língua ou da apropriação das tecnologias disponíveis, de modo que em determinado momento juntaram-se para fazer uma performance, cada um na sua língua, expressaram seu incômodo falando sobre inteligibilidade, incomunicabilidade, inacessibilidade, denunciando de forma expressivamente estética a situação. Dessa forma vemos que uma situação imersiva pode/deve estar preparada para fazer sua própria auto-crítica no mesmo tempo que ocorre, ampliando o debate com outras linguagens que não só as das discussões racionais, críticas, que tendem a dialetizar os encontros com pressupostos demasiadamente racionalistas que muitas veses não mudam nada. É o que chamamos de vício de opinião.

     

    A maioria dos debates do submidialogia gira em torno de palavras chave como colaboração, autonomia, relação com população local, quebra de hierarquização, cooptação externa de projetos produzidos coletivamente, sustentabilidade, auto-gestão, arte, cultura, estetização de processos, intervenções públicas e mídicas, softwares livres, acessibilidade a tecnologias, fendas digitais, propriedade intelectual, creative commons, copyleft, etc. Esse tipo de conversa dentro de um ambiente povoado pela cultura do movimento negro traz à tona nuances e reações que fogem da intenção mapeada e obriga todos a fazerem recombinações: a da comunidade da lista entre si (muitos não se conhecem pessoalmente), o grupo visitante com a população local e vice-versa, os projetos construídos coletivamente que acabam as veses por provocar várias dissidências, mas que mesmo assim é produtiva, em função de sua qualidade risomática e descentralizada. Levemos em conta que esse encontro presencial continua repercutindo nas listas, nos textos, nas produções multimídias (textos, imagens, sons, etc) disponibilizadas colaborativamente durante todos os processos anteriores, durante e posteriores aos encontros.

     

    Esse tipo de imersão é também visto como uma tecnologia social, planos que se harmonizam e conflituam de acordo com os diferentes ritmos mas que se constituem como planos de realidades, de formulação e resolução de problemas, como meio de crescimento coletivo. Tecnologia social é um nome bastante utilizado nos debates, que não tenta fetichizar o objeto tecnológico, não trata somente de computadores mas das técnicas desenvolvidas nos mais variados campos sociais, como nos mutirões espontâneos ou organizados, nas lutas dos camelôs, nos ajuntamentos para produção de uma festa comunitária, o que seja. Essa tecnologia social da gambiarra, da reciclagem, da reutilização de práticas e conceitos estão em todos planos da vida cotidiana e se fazem muito importantes para os processos imersivos dessa rede específica e de tudo o mais. A pergunta: Como amplificar as realidades complexas dos vários seguimentos sociais de forma colaborativa sem cair no vício da identidade e sem forçar uma unanimidade das lutas ativistas?

 

    AMPLIFICAÇÕES de realidades complexas pressupõe um alto grau de fidelidade aos acontecimentos (Hi-Fi), pois depende de um sistema de integração entre transmissores e receptores de modo a fazê-los imergir e expandir-se ao mesmo tempo. O agigantamento dos sinais fracos emitidos por determinado aparelho (tech-social) tem a função de inscrever esses sinais (desejo-energia) de forma mais potente e sua abrangência depende dos sistemas de modulação. Os moduladores não são dispositivos neutralistas e sim um aparelho irradiador atento ao transporte das ondas portadoras de conteúdos. É capaz de transmitir e fazer variação desses conteúdos de acordo com as vontades internas e externas à ação. A modulação nada tem a ver com governabilidades ou estatutos mas com a intensidade e frequência do sistema integrado de amplificação. Sua conexão é temporária, não pressupõe nenhuma forma de permanência pra além do seu próprio tempo de duração, mas é necessário pressupor certa nitidez na irradiação que não refere-se aos sistemas de inteligibilidade padrão, mas à confluência dos diversos conteúdos. A amplificação desses sinais quando eficientes criam uma rede ampliada sonoro-existencial, que conecta superfícies interativas promovendo ampliação de sentidos e alianças para além do evento/acontecimento. Não pretende abarcar o mundo inteiro mas cria um espiral transversal onde as alianças podem ser produzidas com maior facilidade amplificando notoriamente o acontecimento.

 

A modulação é um aparelho tecnológico e uma ferramenta esquizoanalítica. Pode ser utilizado individual ou coletivamente. Seu bom uso pode ser de grande importância em contextos ativistas, pois funciona como técnica, tática e terapêutica ao mesmo tempo. Temos alguns exemplos de eventos criados com essa perspectiva de modulação que evidentemente é uma nomeação, uma analogia que tem compromisso somente com esse texto, não pretende ser uma pedagogia. Mas serve como ponto aglutinador conceitual para definir algumas nossas ações.

 

A interferência DST/AIDS e Multimídia livre foi feita em dezembro de 2005 junto a rede que atua com Dsts e moradores de rua em São Paulo (cerca de 40 pessoas representando 40 instituições diferentes entre ongs, órgãos governamentais, assistenciais, etc). Lá realizamos uma intervenção subjetiva, política, inserindo de forma imersiva e estética (com meditacões, mixagem de vozes prévias e atuais ao evento, ritos do candomblé, budismo, xamanismo, projeções, softwares multimídia, performances improvisadas), a discussão sobre contágio a partir de perspectivas pontuais como cultura digital, situação de vulnerabilidade, HIV/AIDS abrindo dessa forma uma fenda espaço-temporal de situação de liminaridade, onde os trabalhadores dessas redes tiveram que lidar com um evento que abria mão de seus raciocínios lógicos, suas queixas profissionais e seus consensos sobre inclusão social e o papel do estado e instituições, para serem eles próprios desafiados a incluírem-se num contexto modular, onde tudo que tocavam, mexiam ou falavam amplificava-se ou sucumbia no espaço de ação-reverberação, e cabe lembrar que inclusive nós proponentes da interferência submergimos na imersão e não tínhamos o controle total sobre a modulação, se bem que foi inevitável algum tipo de direção, pois trata-se de uma experiência nova para nós, que notoriamente se alimenta de toda uma gama de experimentações da contracultura underground e vanguardista do século XX (futurismo, dadaísmo, surrealismo, movimento beat, hippie, wave, punk, rave, happening, performance e experimentações eletrônicas em geral). Essa é uma das mais caras idéias: abrir mão do papel de modulador e confiar na construção do espaço: os sígnos, os materiais, as longas pesquisas/vivências prévias sobre os conteúdos comuns ao evento, a disponibilização para vivenciar literalmente o tema em questão, de forma aberta e imersiva. Desta intervenção temos alguns projetos que começaram a ser propostos por esses serviços com moradores de rua e tecnologia livre, sendo que muitos deles nunca tinham pensado no assunto.

 

    - O Evento Loucura.com foi realizado em Brasília em 05/2007 como fechamento da Semana da Luta antimanicomial, luta que existe há 20 anos no Brasil ligada ao movimento da anti-psiquiatria e que muito tem colaborado para mudanças de lei, de tratamento terapêutico, de relação entre a loucura e a sociedade, etc. Esse movimento é organizado por profissionais da saúde e usuário de serviços mentais, o que por princípio demonstra uma intervenção nos sistemas de organização do movimento social brasileiro. Loucura.com foi uma proposta de colocar num mesmo espaço-tempo a discussão sobre software livre, propriedade intelectual e luta antimanicomial. A idéia era criar certa convergência desses diferentes seguimentos com a intenção de provocar uma certa efervescência cultural na cidade que na verdade é a capital do Brasil, o que não quer dizer pouca coisa, já que é a capital econômica onde estão estabelecidas todos grandes orgãos financeadores nacionais e internacionais e onde se estabelecem as leis, as regulações e as grandes manifestações sociais. Tentamos com esse evento de fechamento da semana da Luta antimanicomial, trazer novos elementos relacionados ao software livre e propriedade intelectual, colocando todos os sujeitos presentes como usuários de uma tecnologia que se pretende aberta e livre (free software e open source). No dia do encontro tiveram performances, projeções, vídeos de estudantes, loucos, psicólogos, djs, vds, tudo feito em programas livres e não proprietários. Loucura e tecnologia livre ainda é um território novo, que afora algumas parcas experiências, não tem muitos locais de expressão. Ao acabar o encontro alguns grupos ligados a universidade decidiram levar projetos pra dentro de clínicas e hospitais psiquiátricos e isso já é um dos operadores conectivos produzidos pela imersão. A imersão funciona como um ponto de deflagração de processos, e isso não deve ser esquecido: para que deflagre processos é preciso que seja eficiente e ele próprio, um processo.

 

- Eroticomia foi nosso útimo evento de 2007, aconteceu no Espaço cultural independente chamado Bananeiras, que reconhecidamente é um laboratório de linguagens artísticas no Rio de Janeiro em parceria com a Revista Global voltada a questões políticas e culturais da resistência Brasileira, e uma importante grife de profissionais do sexo: DASPU, que para além da moda popular, traz toda uma discussão política sobre prostituição, profissionalização do ofício da prostituição, sexualidade e erotismo, grife chamada por Elaine Bortolanza, uma colaboradora da rede de prostitutas do Brasil, de Passarelas-passeatas. A idéia desse evento/imersão/festa foi trazer a discussão sobre poder e sexo de forma estética e festiva, a fim de promover um encontro para testar alianças e futuras conexões. O erotismo é um poderoso meio de testar linguagens, discursos e fortalecer alianças. Ainda está longe de acabar as dificuldades que a sexualidade depreende. Ainda habitamos uma sociedade homofóbica, onde a violência e intolerância com as diferenças sexuais (queers) se mostra radicalmente em qualquer esquina. Nem o reconhecimento da prostituição como profissão temos ainda no Brasil, o que fortalece seu caráter marginal e fortalece seu vínculo com a violência. O Eroticomia foi uma tentativa de trazer a tona a discussão sobre esses assuntos de forma poética, performática e multimídica, promovendo a intensificação dessas frequências, aglutinando grupos diversos (como prostitutas e curadores de artes plásticas) num mesmo espaço-tempo amplificador. Como não poderia deixar de ser, o evento foi muito polêmico, acusado de fetichoso e voltado à espetacularização, por ocasião da proposta de que tivesse sexo explícito (leia-se que explícito não necessariamente quer dizer penetração ou relação heterossexual), e uma sessão sado-mazoquista, o que não aconteceu devido às críticas citadas. Afora essas críticas, que evidentemente trazem elementos importantes para nosso processo, muitos outras conexões se iniciaram a partir dessa imersão como a construção de uma rede de apoio a profissionalização da prostituição, discussões dentro das redes da web e da universidade e também ampliação dos códigos referentes ao tema (percepção/sensação) de muitos envolvidos na proposta do evento. As performances construídas durante essa ação em sua maioria foram espontâneas, ou seja profissionais do sexo e performers criaram naquele exato espaço-tempo suas leituras estéticas, expressando os paradoxos dessas desigualdades políticas-existenciais, principalmente em relação ao modo da classe média pensar a prostituição, que na maioria das veses, por mais “avançados” que se sintam, defendem políticas abolicionistas, negam a profissão do sexo como algo digno e insistem na histórica marginalização dessa prática. O eroticomia foi uma das intervenções mais difíceis que fizemos, exatamente por trazer o tema do erótico, do sexo, da transexualidade, do hermafroditismo, do sadismo e masoquismo, e parafilias em geral para dentro dos contextos acadêmicos, políticos e artísticos da classe cultural do Rio de Janeiro. Chamamos esse encontro, quase como uma provocação, mas de fato pensamos ele como uma intervenção urbana.

 

 

CORPO-PRESENÇA, o usuário final é o corpo. O corpo que adoesce, que tremula diante do império da lógica e da programação. O corpo do pânico. Sustentáculo das práticas biopolíticas. O corpo atravessado pela contemporaneidade ordinária das tecnologias, da pobreza, da inacessibilidade à saúde, da natureza em decadência. Trazer esse corpo como vetor principal dos nossos empreendimentos imersivos é nossa principal tática terapêutica. Não compactuar com a domesticação cotidiana mas liberá-lo, mesmo que momentaneamente das amarras moralistas que o aprisionam é nossa principal guerrilha. Trabalho árduo, quase impossível. Nossa ineficiência nesse sentido é notória. Mas há algo a ser mantido, uma espécie de espírito saudável que algumas existências definitivamente são destinadas a manter. Uma das coisas que nos anima no movimento queer é isso: queer como um código livre (software livre) contra a lógica da programação da sexualidade. A sexualidade vista aqui como um dos códigos fontes fundamentais para a iniciação dos estados de singularização, porque refere-se diretamente ao corpo e o corpo é a fundação da política. As relações humanas é sempre perpassada pelo erotismo. Sem uma percepção/sensação queer não se inventa nada e só se repete estruturas, e se adoece de tédio. Toda a política é fundamentada no desejo de sua manutenção. Esses são os paradoxos sustentados pela subjetividade. Temporalidade queer é um modo de fugir da programação hetero/homo, da ordem pautada nos valores da representação perpetuadas pelas igrejas da angústia reacionária, da vida fundamentalista ou pragmatista também, repletas de vontade de conveniência e utilidade. As vidas ordinárias sustentam toda miséria da história na simples ida ao shoping center, na escolha do sapato. Para criar um mínimo de oxigênio possível, tratamos de remexer algumas estruturas modelares e tentamos provocar reciclagens. O corpo é o mais forte filtro de reciclagem.

 

Sites de pesquisa:

 

http://pub.descentro.org/

http://metareciclagem.org/drupal/

http://submidia.radiolivre.org/submidialogia/

http://www.radiolivre.org/

http://cassandras.multiply.com

http://transversality.blogspot.com

http://www.interfaceg2g.org/

http://blogs.metareciclagem.org/efeefe/

http://www.midiatatica.info/

http://www.midiaindependente.org/

http://hemi.nyu.edu/

http://integracaosemposse.zip.net/

http://mapeia.blogspot.com/

 

  • Fabiane Borges é ensaísta, psicóloga, ativista de mídia e comunicação, atua com performance, interferências públicas, é pesquisadora do software livre. catadores@gmail.com

- Marc Etlin é escritor e pesquizador, envolvido em processos de performances colaborativas como dramaturgo, facilitador, e consultor. Vive em Nova York e trabalha no instituto hemisférico que é uma instituição de pesquisa sobre performance e política nas américas. marcetlin@gmail.com