Hernani Dimantas, janeiro 2009
Um dia depois do outro. A vida passa. Não de forma grandiosa. Gosto de pensar de forma analítica. Vejo as opções e as transformações que atuam no cotidiano. Fazer uma coisa, normalmente, impede outra de ser feita. Por isso gosto das metáforas que transformam o cotidiano comum na fantasia da emergência. Uma viagem pelo desconhecido com uma cláusula: tente outra vez. Típica configuração de um game pirata vendido na Galeria Pajé. Game Over and start again.
Bahhh... caí na armadilha. A vida é um jogo. Ou o jogo é a vida. Isso é tão Descartes!!! Nunca saber nada é quase saber de tudo, mas e daí... que merda ter que endeusar a modéstia. Prefiro escolher o não saber como a forma de agir... ou o não fazer como uma forma de fazer. De qualquer forma... tanto faz. Gostaria de ter sete vidas para reviver. La vida és una tómbola.
Sete vidas é o nome do jogo. Em sete passos a idéia de uma revolução silenciosa começou a permear o universo on-line das redes tupiniquins. Parece óbvia a maneira como tudo aconteceu. Tão óbvio e tão lógico. Mas o caso não é simples assim.
Primeiro veio a metáfora. Às vezes passo horas pensando em minhas próprias idéias. E esqueço que outras pessoas também têm idéias. Se outras pessoas têm idéias - boas idéias - por que não utilizá-las para destrinchar o emaranhado de complexidades do meu pensar? Conhecimento livre é um atalho para o sucesso do coletivo.
Numa conversa corriqueira com Felipe Fonseca percebemos que a emergência de uma blogosfera era um fenômeno além da nossa compreensão. Naquele momento a ferramenta blog fazia sentido. O Metá:Fora nasce com o propósito de juntar os pontos, os links que catalisam as conversas. A linkania surgiu.
Consolidar esse movimento foi o segundo passo. Muitas discussões nos levavam a chamar de metáfora aquilo que nos juntava. Institucionalizar parecia o caminho natural. No entanto, uma invasão bárbara acontece quando os tentáculos de um movimento atuam no rizoma da sociedade. Somos os hackers do conhecimento.
Mas qual é o significado disso para o meu cotidiano? Continuo vivendo num mundo que valoriza o material antes do humano. Frases como: "não é possível viver sem dinheiro" ou "o dinheiro move o mundo" são contrapontos fortíssimos ao conhecimento livre. Uma sociedade mercantilista, capitalista, financista e conformista aponta para o direito de propriedade como um norte magnético. A direção da agulha é sempre a mesma. Bala na cabeça da sociedade marginal.
É nesse ponto que enxergo as diferenças. Um mundo proprietário tende a desmoronar. Num desandar coeso. Um movimento silencioso rumo ao declínio do império americano.
Com tantos baluartes contrários, minha teimosia emerge do caos interno. A revolução reformata a vida. Liberdade para inovar. Liberdade para teimar. Meta é movimento silencioso.
Não é tão difícil definir esse movimento. Zonas piratas emergem de uma rede catalisada pela conectividade cibernética. Colaboração é a palavra do século XXI. Release early and release often passou a redesenhar um modelo de produção. Colaboração como capital social. Colaboração para fazer qualquer coisa que o desejo provoque. Colaboração como condição de sobrevivência.
Relacionamentos na rede abrem espaços para uma nova forma de trabalho, que é imaterial. Uma cultura baseada na colaboração, no compartilhamento do conhecimento e na ausência de hierarquias não é mais uma fantasia. O virtual é muito real.
Mas o que é colaboração? Estamos falando de tecnologia da informação. No entanto, percebemos que, a cada dia, essas idéias penetram no modelo de organização da sociedade. Temos que prestar atenção em alguns indicadores quase imperceptíveis para pensar numa sociedade diferente. Onde a produção do conhecimento corra livre. Software livre é apenas a ponta do iceberg do paradigma hacker. O conhecimento quer ser livre.
Metá:Fora migrou seus servidores para o MetaReciclagem. O filho prodígio torna-se livre para atuar. A rede virtual caminha para o presencial. Uma organização em rede transforma de maneira inequívoca os telecentros de argamassa. MetaReciclagem é principalmente uma idéia. Uma idéia sobre a reapropriação de tecnologia objetivando a transformação social. Esse conceito abrange diversas formas de ação: da captação de computadores usados e montagem de laboratórios reciclados usando software livre, até a criação de ambientes de circulação da informação através da internet, passando por todo tipo de experimentação e apoio estratégico e operacional a projetos socialmente engajados.
Reciclar computadores para reuso parecia o modelo mais convincente nos tempos de exclusão. Internet não tinha valor para aqueles que não enxergavam a rede. A sociedade não tinha ouvidos para o fuzuê digital. O pragmatismo destrói o sonho da revolução. No entanto, a densidade da solução em rede subverte e corrói a necessidade de conservar aquilo que é conhecido. Ou, quando o paradoxo se torna paradigma novas práticas têm mais a ver.
Mas reciclar tem limitações. O reuso necessita ser revestido de valor. O computador, a ferramenta que nos faz devastar as novas fronteiras não pode ser o lixo do lixo. Pelo contrário. Há de se transportar o cotidiano para o campo das artes. Uma privada no museu é uma obra de arte. Passageiros num avião sequestrado não são mais passageiros. Eles são reféns. Na rede somos aquilo que as pessoas dizem que somos. Computadores pintados, os grafismos de Glauco Paiva passaram a ser a marca estampada em cada objeto de doação. As comunidades agradecem!
A arte tem um valor didático. Explorar o computador não é apenas uma relação dedos e teclados. Explorar o computador é um processo de destruir e aglutinar. Filosofia e tecnologia se juntam para desvendar o mistério do mundo. Vamos pensar na inteligência coletiva, ou na catalisação do conhecimento através da colaboração entre as pessoas. Pensar na inteligência coletiva é se colocar para fora do ser. Pensar na máquina é levar o conhecimento para fora da caixa cinza. Nas redes oferecemos múltiplas experiências.
Essa é a lógica. A arte do MetaReciclagem vem buscar a transformação social. A web só faz sentido quando um se preocupa com o outro. A web é um mundo que nós criamos para todos nós. Só pode ser compreendido dentro de uma teia de idéias que inclua os pensamentos que fundamentam a nossa cultura, com o espírito humano persistindo em todos os nós. Este compromisso entre humanos, essa generosidade altruísta não está desenvolvida no centro.
Esta (re)aproximação da tecnologia com a cultura se faz de maneira muito tranquila. A emergência de uma nova cultura. As pessoas estão se linkando. Criando o mundo virtualmente real. Vivemos a cultura da mídia. Pop e supérflua. Não é possível conviver nesse ambiente cultural sem analisar as tecnologias de informação e comunicação que trafegam pelo entorno da sociedade. A tecnocultura está carregada de simbologia e signos. É semântica.
Essa simbologia se amalgama com os destroços dessa civilização. Reciclar é preciso. Porque é preciso viver. Mas não mais falamos em reciclar corpos. Numa vida além do pós modernismo os corpos deixam a centralidade. Importa mesmo é a relação. Isso já era dito pelos estóicos. Esse conceito vem aflorando. Ocupando os espaços mentais. Substituindo as velhas proposições. A ruptura está aí. E agora.
O MetaReciclagem é uma forma de tratar a apropriação da tecnologia. É um dispositivo que dá visibilidade da articulação em rede para a transformação social. A conversação se dá no nível do agenciamento. De certa forma, a cultura hacker responde com uma produção que tende ao infinitesimal finito. A tão falada cauda longa se torna aliada da produção em rede. A mediação se dá na recombinação, nos diversos acessos, na via dupla proporcionada pela interatividade.
Esse conhecimento está impregnado nos mutirões. No efeito puxadinho colaborativo. É só chegar para ajudar o ser humano ser mais feliz. Uma mobilização que vai além da boa ação. É cotidiana e despretensiosa. E tem o padrão Carnaval de qualidade.