Metareciclagem começou como quebradeira. Interesse totalmente abstrato
em uma série de questões relacionadas com tecnologia. Frustração total,
minha de de alguns outros, em tentar emplacar, no mundo corporativo, na
academia, em ações independentes, idéias novas sobre comunicação em
redes. De repente, projeto metáfora começou a catalisar algumas das
idéias de algumas dessas pessoas. E percebemos a necessidade de uma
infrafísica pra fazer as coisas acontecerem. Com a parceria com o
Agente Cidadão, que nos deu uma estrutura e um propósito, mais a
influência do Hernani, que já flertava com uns projetos de inclusão
digital do Sebrae e do Sampa.org, e do Estraviz, colaborador bissexto
do metáfora e grande defensor do discurso da inclusão, foi quase um
consenso de que o que a gente se propunha a fazer se aproximava
bastante daquilo tudo e do tal hacktivismo. E, de fato, muito do que
aconteceu na seqüência foi porque assumimos intimamente o conceito da
inclusão digital como base.
Tão intimamente que começamos a desconstruí-lo. A idéia de inclusão
digital surgiu há alguns anos, dentro da Ação pela Cidadania, colada em
outro conceito, o da inclusão social. A onda é complexa, mas minha
visão é a seguinte: a idéia de inclusão social parte do pressuposto de
que existe um ciclo formal de “cidadania” ou como quer que se chame
isso, que propõe que todos devem ter acesso a educação, trabalho
assalariado, saúde, convívio social, igualdades de tratamento e
oportunidades, e liberdades de comunicação e expressão de fé. Em
resumo, uma regra que determina que as pessoas que compõem uma
comunidade, cidade e nação devem ter acesso a um mínimo que seja
aceitável para o desenvolvimento pessoal e coletivo, sem prejudicar o
outro.
Mas espera um minuto: transposto para o contexto da comunicação online,
síncrona e assíncrona, simultaneamente pessoal e coletiva, virtualizada
por essência, a idéia de um ciclo mínimo a que todos devam ter acesso
perde um pouco da força. Sim, eu concordo totalmente que o direito de
uma pessoa acessar um dispositivo conectado em rede para interação com
outras pessoas deve ser universal. Mas visto sobre os olhos frios do
direito mínimo, se poderia afirmar que usar um caixa de banco ou uma
urna eletrônica já cumprem, de certa forma, esses objetivos.
A proposta da Metareciclagem é algo muito mais profundo. Se trata da
apropriação de tecnologia e da reapropriação de tecnologia tida como
obsoleta, proporcionando e fomentando o uso crítico das ferramentas de
comunicação com o objetivo de transformação social. O corte é outro,
não o do excluído e do incluído, mas do uso meramente ferramental
contra o uso consciente, engajado e criativo. Exatamente por isso, o
nosso caminho nunca foi a montagem em série de telecentros, mas a
constante reinvenção, pesquisa e desenvolvimento de novos caminhos.
Exatamente por isso, nunca nos concentramos na equação montagem de
estrutura + capacitação, e sim em mudar nossos próprios hábitos de uso
da rede. A internet, como é hoje, não me satisfaz. Fazer a internet do
amanhã é que me mantém ganhando pouco dinheiro mas certo de que alguma
coisa está acontecendo.
No dia em que estabilizarmos, serei o primeiro a pular fora.