Segunda-Parte
1 - O "Jeitinho" Digital Brasileiro: "Gambiarras", "Mutirões" e "Puxadinhos"
(No Brasil) temos uma tradição antropofágica que é totalmente coerente com a cultura hacker, combinando elementos de origens diferentes em produtos criativos. Somos historicamente periféricos (...) Aqui, a colaboração é sempre uma estratégia de sobrevivência.
- Hernani Dimantas, "Linkania - A Multidão Conectada"
"Os media tácticos são o mais recente invasor a ser consumido pelos jovens canibais gentis do Brasil"
- David Garcia, "Fine Young Cannibals, of Brazilian Tactical Media"
Iniciativas como o Projecto Metáfora e o seu descendente Metareciclagem não surgiram isoladamente, desligadas do contexto local. Antes pelo contrário, elas são fruto do seu meio ambiente. Apesar de as destacarmos nesta investigação, elas nasceram no mesmo período - durante os primeiros anos do século XXI - que outros colectivos brasileiros actuando com as tecnologias mediáticas mais simples e acessíveis para fins de activismo político, crítica dos media comerciais ou inclusão social. Quer se considerassem a si próprios media tácticos, quer ignorassem que o que estavam a fazer tinha esse nome, esses grupos partilharam desde o início uma lógica criativa e Do-It-Yourself. Este movimento de colectivos que ocupa uma posição marginal face ao sistema artístico e discurso político dominantes foi caracterizado pelo teórico dos media Ricardo Rosas de Vingança Low-Tech1 (Rosas, 2004), uma vingança "contra a elite tecno-fetichista, high-tech e auto-indulgente dos Web-artistas no Brasil que se interessa apenas com o seu egoísmo obsessivo". Uma vez que grande parte da população não tem acesso às mais recentes tecnologias de ponta do modo como o circuito da arte e as grandes empresas dispõem, a melhor maneira de se lhes opor consiste em tirar partido das ferramentas disponíveis.
Apesar do método destes grupos assentar no recurso a tecnologia acessível para produzir acções e trabalhos no espaço físico, eles mantêm interligações e colaboram entre si através de comunidades virtuais na Internet. Segundo Karla Brunet, "são projectos de oposição não só ao poder, mas que também criam um novo poder na Net" (Brunet, 2005) e, nesse aspecto, diferenciam-se de outras práticas tácticas dominantes em zonas mais centrais como a Europa e a América do Norte. Tendo em conta o contexto nacional, dedicam uma atenção especial à inclusão digital e à educação. O seu objectivo não é, por isso, apenas disponibilizar um maior acesso à Internet e a outras tecnologias digitais, mas também a promoção da utilização crítica e criativa dos media através de "diversas formas e padrões de modo a que se transformem em algo novo, experimental e criando ocasionalmente ruído e distúrbios" (idem). Estes projectos visam assim adaptar o conceito de media tácticos à realidade de um país de graves contrastes sociais e económicos como o Brasil, onde a maioria da população não tem acesso à educação, saúde e habitação própria e o sector dos media é dominado por grandes conglomerados multimédia como a Globo e a Abril.
Ricardo Rosas acusa estes gigantes de "representarem os interesses da elite e de tentarem manter a aparência de um consenso complacente, mesmo face a conflitos sociais intensos". Na sua opinião, a sociedade brasileira encontra-se submersa num consenso mediatizado formado pelas telenovelas e reality-shows, o que faz com que os pontos de vista críticos tendem a ser escassos e bastante marginais (Rosas, 2004). Se olharmos para o caso da estação televisiva Globo, por exemplo, podemos verificar o poder desta influência na população quando verificamos que, para além de ser um dos maiores conglomerados de media do mundo, é o maior produtor privado de programas em todo o mundo (Wells, 2005). Como refere David Garcia, "tal como o império de Berlusconi, a Globo vai muito para além da televisão: ela abarca todos os media possíveis, incluindo a imprensa", dispondo assim do poder de "determinar os resultados de eleições e de influenciar importantes decisões políticas num curto espaço de tempo"2 (Garcia, 2004a).
Em resposta, alguns colectivos surgidos no início deste século pretendem constituir uma forma de antídoto destinada a curar "uma sociedade mediatizada de uma natureza particularmente virulenta" como a brasileira "em que vastas hordas da população são literalmente anestesiadas pela dieta de telenovelas da Globo" (idem). Trata-se de transformar os espectadores em protagonistas que não se limitem a criticar e a reagir aos media a partir da posição passiva que ocupam quando apenas mudam de canal com o comando. Para tal, consideram necessário um "Vietcongue dos media", nas palavras do artista gráfico Latuff, citado por Garcia, através do qual as pessoas possam recriar a sua própria realidade mediante a produção dos seus próprios media e que transforme radicalmente as estruturas existentes da propriedade e utilização dos media electrónicos3 (ibidem).
1.1 - Mídia Tática
Foi com base nesta filosofia de acção de questionamento do monopólio mediático dos conglomerados multimédia que Ricardo Rosas e as artistas Tatiana Wells e Giselli Vasconcelos organizaram em Março de 2003 na cidade de São Paulo o festival Mídia Tática Brasil4, um laboratório de media tácticos que decorreu no edifício Casa das Rosas, situado na Avenida Paulista - o centro financeiro e económico da cidade -, que consistiu numa versão brasileira do Next Five Minutes de Amesterdão, realizado a par de outros eventos semelhantes que tiveram lugar em várias partes do mundo ao longo desse ano. Apesar do orçamento bastante limitado, o festival atraiu cerca de quatro mil visitantes e uma enorme cobertura mediática. Sobretudo, devido à presença do Ministro da Cultura e cantor Gilberto Gil
Entre os colectivos intervenientes, para além do Metáfora, participaram videoactivistas com motivações políticas - A Revolução Não Será Televisionada e Bijari5 -, grupos de acção directa e intervenção urbana – Batukação, Rejeitados e Bicicletadas -, iniciativas dedicadas à criação de farsas e paródias - Projecto Sid Moreira - produtores de fanzines - A Cria -, revistas destinadas ao apoio dos sem-abrigo – Ocas6 -, um colectivo de DJs que realiza raves gratuitas nos subúrbios – Interfusion7 -, artistas com trabalhos de intervenção nos media – Latuff8 e Formigueiro -, uma rádio livre - Rádio Muda9 -, e um grupo que recolhe narrativas individuais de anónimos em São Paulo – Museu da Pessoa10. Embora uma parte importante destes colectivos fossem originários de São Paulo, muitos estavam espalhados por outras grandes cidades do país. Como explica Ricardo Rosas, "havia tanta diferença e diversidade entre os diferentes grupos que parecia, por vezes, que as suas práticas eram contraditórias entre si." (Rosas, 2004). O evento congregou durante quatro dias teóricos, activistas e artistas brasileiros e estrangeiros e o seu programa abarcou apresentações dos colectivos, debates, workshops, conferências, uma exposição, espectáculos musicais, performances, festas espontâneas e "uma estação temporária de rádio pirata que desafiou as políticas repressivas em relação às emissoras livres no Brasil" (idem), a rádio "Pega Eu", que iremos referir mais à frente neste capítulo.
Impressionados com o êxito do primeiro laboratório de media tácticos no Brasil, os três organizadores decidiram expandir o conceito Mídia Tática e estabelecer um movimento com o mesmo nome visando funcionar como uma rede de media tácticos que facilitasse a comunicação e a colaboração com outros grupos desenvolvendo trabalhos na àrea de intersecção entre a arte, os media e a tecnologia (Wells, 2005). O Mídia Tática11 funciona como uma plataforma simultaneamente offline e online que organiza e apoia a criação de ambientes comuns - como festivais, publicações, sites ou laboratórios temporários - em que estes colectivos independentes e autónomos se podem reunir e trocar ideias e experiências.
Esta rede de parcerias foi implementada pela primeira vez na prática nas favelas e subúrbios de São Paulo, através do projecto Autolabs12 iniciado em Fevereiro de 2004. Os Autolabs constituem "laboratórios de literacia dos media, experimentação tecnológica e criatividade desenvolvidos com o apoio das comunidades locais", de acordo com Ricardo Rosas (2004). Empregando software livre e outros media DIY acessíveis, estes laboratórios ensinam os princípios, conceitos e práticas tácticas de forma a incentivar a produção cultural independente. A aprendizagem é aqui realizada de um modo colaborativo e em rede, incidindo na utilização e domínio de ferramentas de produção gráfica, sonora - rádios livres, VJing e DJing -, vídeo - televisão pirata - e direccionada para a Web por parte de jovens que normalmente não dispõem dos recursos que o acesso às tecnologias de comunicação exige. Este tipo de zonas temporárias autónomas são fruto de parcerias estabelecidas entre iniciativas sociais autónomas como o Metareciclagem, o CMI-Brasil, o Colectivo de Histórias Digitais13, o Museu da Pessoa, o colectivo de design experimental BaseV14 e a Rádio Muda que prestam formação nas suas respectivas áreas de actuação.
Em Julho de 2004, no final do projecto, tinham sido implementados três centros de media em São Miguel Paulista, Ermelino Matarazzo e Itaquera, bairros da zona leste de São Paulo. O projecto foi parcialmente financiado através de uma bolsa atribuída pela Unesco e resultou de uma aliança com a organização não-governamental La Fabbrica - ligada ao grupo italiano Fiat -, por intermédio de um projecto de acção social denominado CAJU (Centro de Acção Juvenil). Outro apoio inesperado foi o da autarquia local, através da sua agência de tecnologia Governo Electrónico. Esta instituição tem vindo a desenvolver ao longo dos últimos anos várias iniciativas de combate à divisão digital, sendo uma das mais importantes os Telecentros15, isto é, centros de acesso público à Internet com computadores correndo Linux e outro software livre16 – e. Juntamente com o Prodam, empresa municipal especializada na disponibilização de infra-estrutura tecnológica, forneceu uma ligação em banda larga rápida à Internet. Depois do fim dos workshops, os laboratórios foram integrados na rede de Telecentros e alguns dos jovens que receberam formação foram empregues como monitores dos centro públicos. Aliás, é importante frisar que os Autolabs surgiram em parte como reacção e crítica aos Telecentros. Como Garcia coloca a questão: "O que é que importa que os computadores corram Linux se os visitantes apenas utilizam os serviços de mensagens e navegam e m sites de pornografia ou da Globo?" (Garcia, 2004a). Os organizadores dos Autolabs consideram que os Telecentros se baseiam numa crença errónea no poder da informação, só por si, desencadear transformações sociais, acabando por oferecer pouco mais do que acesso à Net. Na medida em que são um instrumento de "inclusão digital", os Telecentros são vistos por activistas como Rosas como um exemplo de uma política estabelecida de cima para baixo e unidireccional pelo Estado que se limita a oferecer acesso às tecnologias digitais àqueles que não possuem computadores, acabando por "reflectir o mesmo ethos de desigualdade e hierarquia que aparentemente se propõe a desafiar" (Rosas, 2004). As práticas e utilizações diárias, assim como as necessidades das comunidades visadas são ignoradas, "dando mais ênfase ao consumo do que à produção crítica e criativa". Para Ricardo Rosas, "esta política tenta responder às consequências e não às causas da realidade em que procura intervir", e "cria frequentemente mais problemas do que soluciona"17. Não admira por isso que alguns dos envolvidos nos Autolabs considerem que a recente ligação com o poder político através da integração nos Telecentros compromete os objectivos iniciais de autonomia e independência (Garcia, 2004a). Por outro lado, David Garcia indica que o modelo crítico de educação para os media, produção mediática e reciclagem de computadores presente nos Autolabs tem sido levado em conta nos mais recentes projectos de inclusão digital desenvolvidos pelo Ministério da Cultura (idem). Ricardo Rosas nota que os novos Telecentros híbridos são bastante diferentes do protótipo original, no sentido em que combinam a intenção de autonomia e ligação às comunidades presente nos Autolabs. Falando em termos metafóricos, Rosas vê os Autolabs como "um conceito 'alienígena' vivendo dentro do corpo uma política 'hospedeira', aí implementado uma forma de 'subversão prática' ao mesmo tempo que são financiados e apoiados por grandes instituições" (Rosas, 2004)18.
Apesar da desconfiança inicial, a relação entre os colectivos de base e o governo tem-se estendido a todo o sector do movimento do software livre e das utilizações sociais das novas tecnologias. Para além de São Paulo, centenas de Telecentros foram também sendo introduzidos noutras cidades brasileiras controladas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) - que ocupa actualmente o governo -, de modo a permitir uma inclusão digital da população dos bairros mais carenciados, através da utilização de software livre. Com a ascensão de Lula da Silva à presidência, os Telecentros passaram de experiências locais a iniciativas federais19. Um dos coordenadores desta iniciativa é Claúdio Prado. Enquanto responsável pelas políticas digitais do Ministério da Cultura, Prado foi também o arquitecto de uma experiência semelhante, as BACs (Bases de Apoio à Cultura), que "previa cerca de cinquenta mega-centros de cultura digital em comunidades periféricas em todo o Brasil, com estúdios de produção multimédia e uma grande infra-estrutura tecnológica integrando todos eles" (Fonseca, 2005)20. Este projecto foi, no entanto, substituído pelos Pontos de Cultura, inserido na estratégia Cultura Viva21 do Ministério que prevê o desenvolvimento de mil centros multimédia espalhados pelo país e baseados nos princípios da colaboração e autonomia, visando potenciar a democratização da produção cultural. Para além do Midia Tática, o MetaReciclagem é, como veremos mais à frente em pormenor, um dos colectivos que está ligado aos Pontos de Cultura, sendo que alguns dos seus elementos que começaram por desenvolver trabalho voluntário aí foram entretanto integrados como funcionários do Ministério da Cultura.
O evento seguinte organizado pelos elementos do Mídia Tática foi o festival Digitofagia22, que teve lugar em Outubro de 2004 em São Paulo e no Rio de Janeiro, que reuniu activistas, teóricos e artistas nacionais e estrangeiros com o objectivo de "repensar a prática antropofágica na era dos computadores e dos novos media através de uma antropofagia das práticas de media tácticos actuais"23. O termo deriva de uma tentativa de adaptação para o contexto dos media digitais às práticas do movimento artístico modernista antropófago surgido nos anos 20 do século passado que, por sua vez, retomou o conceito de antropofagia, isto é, as práticas de canibalismo dos índios brasileiros. "Só me interessa o que não é meu" exclamou o escritor Oswald de Andrade no manifesto fundador do movimento em 192824. Apesar das ideias de apropriação, justaposição e colagem parecerem estabelecer uma ligação com o dada, o surrrealismo e outros movimentos modernistas (Garcia, 2004a), a especificidade do contexto pós-colonial do Antropofagismo brasileiro advém desse movimento não tanto de apropriação mas de absorção próprio do canibalismo, nas palavras de Garcia (idem). Referimo-nos ao ritual da cultura guerreira dos índios Tupi de comer órgãos dos corpos dos seus inimigos após as batalhas. Ao contrário da visão europeia do canibalismo como uma prática tabu que classifica o outro de bárbaro, ignorante e incivilizado, sendo constituído através de uma alteridade radical e ameaçadora, a cultura indígena estabelece uma assimilação rejubilante do outro sem discriminação25. Ao mesmo tempo que comiam os guerreiros mais destemidos das outras tribos para assimilar a sua força e coragem, os índios também devoravam os colonizadores - que detestavam - de modo a eliminá-los. O movimento antropofágico retoma a ideia de "comer" o que vem do exterior, como as vanguardas europeias da época - e "digeri-lo" misturando-o com as circunstâncias locais para criar um novo estilo26. Para além dos objectivos concretos do evento Digitofagia tal como estão indicados no seu site, o colectivo Mídia Tática pode assim ser entendido como um esforço no sentido de não só adaptar o conceito de antropofagia a uma época dominada pela tecnologia digital mas também de assimilar as práticas tácticas comuns na Europa Ocidental e na América do Norte ao ambiente local. Certo elementos do Metáfora/Metareciclagem, como Hernani Dimantas, por exemplo, também fazem questão em assinalar a ligação entre esta tradição antropofágica e a cultura e ética hacker de fundir elementos de diferentes origens em produtos criativos (Dimantas, 2005; Fonseca, 2003d e 2005).
Foi com a intenção de fomentar novas redes de colaboração no campo da inclusão digital que os elementos do Mídia Tática criaram em 2005 o IP:// Interface Pública27, que Tatiana Wells descreve como sendo um espaço de trabalho intersectando as áreas da arte, media, comunicação e tecnologia. Para além de ser um centro de media no Rio de Janeiro dedicado à produção autónoma em novos media, à reciclagem tecnológica - contando mais uma vez com o apoio do Metareciclagem28 e software livre, assim como na investigação de uma pedagogia crítica dos media. Resultado de uma parceria com o centro de media Sarai, de Nova Deli, e a Sociedade Waag Para os Velho e Novos Media, em Amesterdão, do seu programa constam acções e eventos como workshops, residências de artistas, activistas e hackers, uma conferência29 e o alojamento de seis projectos. Está ainda previsto a edição de uma publicação. O MetaReciclagem também faz parte desta parceria30.
1.2 - Contratv
Um dos projectos alojados no IP:// é a Contratv31, um colectivo de produção e distribuição de programas televisivos e outras experiências narrativas para a Web que vão contra o modelo das televisões comerciais como a Globo, como por exemplo, "anti-novelas" que alteram o sentido e revelam as mensagens escondidas nas telenovelas, reapropriando-se delas. Este grupo já participou em iniciativas anteriores do Mídia Tática, tendo sido o responsável pela formação em narrativas digitais nos workshops realizados nos Autolabs em colaboração com o Colectivo de Histórias Digitais e o Museu da Pessoa. No seu site pode-se aceder ao programa desses cursos, às páginas concebidas pelos jovens das comunidades abrangidas e aos vídeos produzidos colectivamente. Quem quiser pode ainda enviar textos, imagens e vídeos amadores para serem colocados online. e um guia passo-a-passo explica como "libertar o seu computador", isto é, a instalar Linux em computadores Apple baseados no sistema operativo proprietário Mac OS X. Partindo do conceito de "imaginofagia" como resposta à construção e reconstrução quotidiana das identidades dos telespectadores exercida pelas estações de televisão, a Contratv propõe que estes últimos criem os seus próprios programas, reconstruindo assim essa mesma surrealidade de forma a impedir a reprodução do poder estabelecido. Para tal, disponibiliza online um tutorial para a criação de programas Contratv baseados em cinco princípios: amadorismo, não-edição - cenas com maior duração -; lentidão - de forma a gerar uma monotonia e desprender a atenção do espectador do ecrã -; subtileza e verosimilhança - "de modo a mostrar o que a TV não mostra: o dia a dia" (Contratv, s/d).
1.3 - Re:combo
Aplicando ainda mais à letra do que a Contratv o lema antropofágico de "só se interessar por tudo aquilo que não é seu", o colectivo Re:combo32 constitui um projecto audiovisual colaborativo baseado nas práticas da recombinação, a improvisação e a intertextualidade que permite efectuar a partir do seu site o download de músicas e imagens, remisturá-las e descarregar as novas versões. O grupo é formado por cerca de 40 elementos, entre músicos, artistas plásticos, designers, programadores, DJs e profissionais de vídeo. Estes colaboram em várias obras divididos em "células de áudio e vídeo" espalhadas por cidades do Brasil como Recife, João Pessoa, São Paulo, Caruaru e Belo Horizonte que, à distância, via Internet, se dedicam à produção de novas criações ou retomando trabalhos em desenvolvimento. Organizam ainda exposições e performances em que colaboram em tempo real com outros DJs da Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Roménia. Considerando que o copyright representa uma força restritiva ao processo de criação artística, inicialmente o Re:combo começou por remisturar ou samplar33 todos os trabalhos produzidos pelos seus membros ou cujos autores permitiram declaradamente a sua reutilização, explica h.d. mabuse, membro fundador do colectivo em entrevista (Beguelman, 2002). Mas em 2003, introduziu uma licença de Uso Completo Re:combo (LUCR) para disponibilizar as suas criações e facilitar a reutilização dessas obras por outras pessoas, sem receio de problemas legais. No ano seguinte, a LUCR passou a ser uma licença Creative Commons aplicável ao sampling ou recombinação de obras (Re:combo, 2004).
1.4 - Rádios Livres: Rádio Muda
O movimento das rádios livres tem também uma grande força no Brasil e revela bem quer o espírito de colaboração existente nesse país, como também a relação complexa e paradoxal entre os media tácticos brasileiros e o governo do PT. Estas estações encontram-se reunidas no radiolivre.org34, um "rizoma" que se destina não só à troca de informação, experiências e solidariedade, funcionando ainda como um fornecedor de serviços para rádios livres, como a transmissão em directo pela Internet, o alojamento de sites, listas de discussão e email, e o armazenamento de arquivos e fóruns. Segundo a secção de Perguntas e Respostas do seu site, uma rádio livre pode ser considerada "uma emissora de baixa potência onde qualquer pessoa pode assumir o papel de programador, locutor ou DJ. A rádio procura trocar o conceito de broadcasting - de um para muitos - pelo de multicasting - de muitos para muitos -, onde todo o cidadão e cidadã pode tanto ouvir rádio como participar activamente da construção de uma emissora" (Radiolivre.org, 2005). Distingue-se assim de uma rádio comunitária na medida em que nesta última é habitualmente "uma associação que assume para si o dever de informar, manter a programação e gerir uma emissora". As primeiras rádios livres surgiram no Brasil no início dos anos 80 e apesar de ainda hoje serem "consideradas ilegais pelo Estado e perseguidas pelas empresas de rádio comercial do país, através da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Polícia Federal"35, desenvolveram-se bastante nos últimos anos, tendo passado de 100 em 1982 para 1500 em 1995 e 10000 em 2002 (Andriotti, 2004: 110). Tendo em conta a distinção de Andriotti (idem: 197) e seguindo a dicotomia estabelecida por Garcia e Lovink (1997) e Meikle (2002), poderíamos assim considerar as rádios livres como projectos tácticos, na medida em que são emissoras flexíveis, com uma estrutura aberta, baseadas num modelo de desobediência civil e, por isso mesmo, permanentemente susceptíveis de serem encerradas pelas autoridades, e as rádios comunitárias como projectos de media alternativos ou estratégicos, uma vez que apresentam uma estrutura mais centralizada e ligada a movimentos sociais ou políticos e uma programação mais orientada por critérios de qualidade do que pela possibilidade de participação de todos, uma vez que optaram por institucionalizar-se e seguirem os trâmites da lei, de modo a serem aceites pelo Estado.
Uma das rádios livres que tem sido frequentemente alvo de mandatos de encerramento é a Rádio Muda, que surgiu na segunda metade da década de 80 no seio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e que tem o seu estúdio numa caixa de água na praça central do campus. A estação transmite para toda a cidade com uma potência de 50 watts na frequência 105.7 MHz e, através de streaming pela Internet, para todo o mundo. O seu nome deve-se às inúmeras suspensões e paragens derivado a problemas legais e técnicos, que continuam ainda hoje, mesmo após o novo governo36. Como menciona Andriotti (2004: 151), a sua história está associada à história de resistência e livre apropriação do meio rádio, sendo vista como "uma referência nacional de rádio popular e democrática". Esta emissora esteve sempre ligada à questão da libertação de frequências radiofónicas para apropriação pública. Há mais de dez anos que se desvinculou da associação de estudantes local, funcionando desde então como uma iniciativa autónoma, possuindo uma estrutura de organização horizontal, em que o colectivo responsável pela sua gestão é composto pelos próprios programadores - que rondam os 200, para um total de cerca de 100 programas inscritos (idem: 162) e a emissão é aberta a todo o público, na medida em que qualquer pessoa pode difundir o seu programa.
A Rádio Muda tem estabelecido várias parcerias com outros colectivos de media tácticos e alternativos. Para além da parceria com o Mídia Tática, através dos workshops ministrados no âmbito dos Autolabs com o através de um subgrupo de programadores, a Submidia37, esta estação mantém uma colaboração regular com o Centro de Media Independente do Brasil. A transmissão da rádio pela Internet é possibilitada mediante o alojamento da emissão num servidor do CMI em Inglaterra, através de uma tecnologia de software livre. Esta aliança - a que não é alheia a existência de várias afinidades entre os dois colectivos, no sentido em que ambos assumem uma estrutura descentralizada e rejeitarem a intermediação do mercado nos media - estabeleceu-se na segunda edição do Fórum Social Mundial38, em Janeiro de 2002, na cidade de Porto Alegre, onde o CMI possuía um ponto de acesso à Internet e uma equipa de técnicos especializados (ibidem: 204): "Ali mesmo no Acampamento da Juventude durante o II Fórum Social Mundial é realizada com sucesso a primeira experiência de transmissão do sinal da Rádio Muda via Internet." A partir desse encontro, surgiu a ideia de criar uma rede de rádios livres brasileiras que se concretizou com o desenvolvimento do site radiolivre.org. O projecto tem também o objectivo adicional de permitir a retransmissão de toda a programação das rádios livres pela Internet (ibidem: 211). Outra colaboração com o CMI foi a criação da rádio livre "Pega Eu" que funcionou durante o período de duração do Festival Midia Tática em Março de 2003, em directo da Casa das Rosas "com os microfones abertos a qualquer um que deles se quisesse apropriar, além das tradicionais oficinas" (ibidem, 223). O CMI elaborou uma carta que foi enviada à Anatel e ao governo federal uma semana antes do evento em que anunciava a criação da estação e desafiava as autoridades a virem fechar a rádio39. Este acto de desobediência civil serviu para gerar uma maior visibilidade para a questão dos encerramentos das emissoras livres, aproveitando a presença dos media comerciais no local.
1.5 - CMI-Brasil
Pelo que pudemos ver até agora, o CMI-Brasil têm desempenhado um papel fundamental na coordenação de iniciativas activistas de carácter táctico no país. Apesar de já termos abordado a rede Indymedia e o CMI-Portugal, achamos que seria importante mencionar aqui as actividades deste Centro de Media Independente que se destacam e se distinguem de outros CMIs. Actualmente, conta com 11 centros em grandes cidades brasileiras, encontrando-se em processo de formação mais 13 outros núcleos espalhados pelo Brasil40. Tendo surgido em Setembro de 2000, no seguimento de protestos do movimento por uma globalização alternativa contra a reunião do FMI e do Banco Mundial que decorreu nesse mês em Praga, o CMI-Brasil colocou o seu site online em Dezembro de 2000 (Cabral, 2005). Devido à disparidade de acesso à Internet e às tecnologias digitais existente no país, os colectivos locais procuraram “combinar a tecnologia digital e de internet com os meios tradicionais de forma a potencializá-los", explica Pablo Ortellado, do Indymedia brasileiro (Ortellado, 2003).
No campo da rádio, por exemplo, para além da colaboração com a Rádio Muda, o CMI-Brasil integrou o projecto da Área de Rádios Livres das Américas (ARLA) em paralelo com o Encontro de Rádios Livres em Novembro de 2003, permitindo a criação de uma emissão radiofónica conjunta transmitida pela Web41 destinada a realizar a cobertura das mobilizações contra a Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), durante a reunião em Miami dos responsáveis por este organismo regional impulsionado pelos Estados Unidos. Outra acção do CMI-Brasil que resulta da colaboração com as rádios locais é a produção de um boletim de notícias seleccionados do seu site que é enviado para rádios livres e comunitárias que, entre outras, abrange dezenas de estações localizadas na região de Porto Alegre. Isso permite estabelecer um intercâmbio mútuo, já que as rádios também enviam notícias das suas comunidades locais para os colectivos Indymedia no Brasil, nota Ortellado (idem).
Um dos media com que os colectivos brasileiros da Indymedia têm obtido mais visibilidade é o vídeo. O documentário "Não começou em Seattle, não vai terminar em Quebec (A20)", realizado pelo núcleo do Rio de Janeiro que filmou as manifestações contra a ALCA em São Paulo, no mês de Abril de 200142. Tendo em conta as dificuldades financeiras e de acesso à Rede da população, o CMI nacional possibilita não só a publicação de vídeos no seu site, tal como o centro português, mas conjuga esforços com outros grupos activistas de vídeo e associações locais para a facilitação de espaços de exibição. A cooperação internacional através da Internet facilita a troca e difusão de vídeos com centros de outros países. Ortellado salienta que esta rede de distribuição permitiu que o documentário sobre os protestos contra a ALCA "fossem vistos por mais de 20 mil pessoas ou que comunidades de sem-abrigo em São Paulo ou de favelas no Rio de Janeiro conhecessem uma realidade semelhante, a dos trabalhadores desempregados de Buenos Aires" (ibidem).
Tal como o colectivo português, os núcleos do CMI-Brasil produzem "jornais relativamente periódicos, com pequena tiragem, como o Ação Direta de São Paulo que são distribuídos para organizações sociais diversas, em determinadas localidades ou eventos" (Cabral, 2005). Devido à falta de recursos e de técnicos especializados, os voluntários brasileiros optaram por passar a produzir jornais-murais, em tamanho A3 com uma periodicidade mais ou menos regular, afixados em muros, paredes e paragens de autocarro de cidades como Rio de Janeiro, Fortaleza e Florianópolis. Ortellado considera que esta solução permite aumentar o número de leitores com um custo muito baixo.
O CMI-Brasil actua ainda ao nível da inclusão digital através da constituição de centros de acesso público à Internet com computadores equipados com software livre, semelhantes aos Autolabs e aos Telecentros. Em São Paulo, o colectivo local instalou um cibercafé numa ocupação urbana - "actualmente funciona em conjunto com a ONG Ação Educativa - que resultou na criação de uma rádio livre com transmissão via Internet montada por crianças de oito a 12 anos, após a participação num curso ministrado no local (Ortellado, 2003; Cabral, 2005). Mas de acordo com Ortellado, o objectivo é abrir mais cibercafés CMI noutras cidades. De forma a adaptar o software livre para produção mediática já existente para português, está a ser desenvolvida uma distribuição de Linux específica chamada Indymix que deverá ser implementada nos futuros centros de acesso público.
Adaptando o conceito dos cibercafés CMI para um cenário "no terreno", os colectivos têm vindo a desenvolver laboratórios temporários de media em eventos especiais. Estes espaços ministram um conjunto de cursos integrados e colectivos dos quais resulta uma produção constante e contínua de conteúdos de media com participação livre e aberta a todos. As primeira experiências do CMI-Brasil com laboratórios de media decorreram durante a terceira edição do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em Jameiro de 2003 e durante o Primeiro Fórum Social Brasileiro, que teve lugar em Belo Horizonte no mês de Novembro desse mesmo ano. No último caso, tratou-se da Casa Macunaíma, um local onde vários comunicadores e jornalistas que estavam a fazer a cobertura do Fórum se puderam congregar e colaborar na produção de peças audiovisuais, representando "um espaço colectivo de comunicação democrática" (Cabral, 2005) que contou com o apoio da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRACO) - órgão representante das rádios comunitárias brasileiras. O êxito da iniciativa levou à criação de um novo espaço Macunaíma durante o Fórum Mundial da Educação que decorreu em São Paulo em Abril de 2004. Posteriormente, foi ainda implementado um outro laboratório de media, o Polimídia43, que integrou a programação oficial da 4ª Conferência da Rede OurMedia, dedicada ao estudo e investigação dos media alternativos e independentes, realizada em Julho de 2004 novamente em Porto Alegre. Nesse espaço, activistas do CMI, produtores independente e investigadores académicos puderam efectuar colaborativamente experiências práticas de comunicação e desenvolvimento e trocar conhecimentos, através de workshops e apresentações de projecto relacionados com a utilização autónoma e comunitária do vídeo, da rádio e da Internet (idem).
1.6 – Brasil, Nação Hacker
O que resulta da análise do trabalho de todos os projectos aqui referenciados é uma tentativa de transposição daquilo a que poderíamos chamar "jeitinho" brasileiro para o domínio dos media e das tecnologias digitais. Esta expressão popular pode ser definida como uma "maneira hábil, esperta, astuciosa de conseguir alguma coisa, especialmente algo que à maioria das pessoas se afigura particularmente difícil", recorrendo à economia informal ou mesmo marginal. A "gambiarra" ou "gato" é um dos exemplos desse "jeitinho" aplicado na prática que os elementos do Midia Tática referem no site do Digitofagia e que se insere na cultura antropofágica de apropriação daquilo que é do outro. Trata-se de "uma extensão puxada fraudulentamente para furtar energia eléctrica"44 geralmente utilizada em favelas ou ocupações de casas e terras.
A "gambiarra", tanto em sentido literal ou como metáfora para a subversão da tecnologia e dos media - como se se tratasse de um hack -, na nova interpretação que o colectivo Mídia Tática faz da palavra, apresenta-se assim como um dos exemplos mais concretos e realistas das astúcias tácticas que Michel de Certeau assinalou, uma vez que elas são incorporadas pelas populações no seu quotidiano. Em Arts de Faire, o autor francês chega mesmo a fazer várias referências ao modo como a cultura popular brasileira resiste à assimilação pelo outro, um poder externo, recorrendo a linguagens e crenças populares próprias para subverter a língua imposta pelo colonizador e a religião imposta pelo missionário, chamando a esse tipo de sabedoria um misto de estratagema - trampolinagem45 - e de trapaçaria, isto é, astúcia e esperteza no modo de utilizar ou de esquivar-se aos termos do contrato social (Certeau, 1990 [1980]: 34). Mas estas "mil maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro" representam, na nossa opinião, mais que "um prazer em alterar as regras do espaço opressor" (idem). Apesar da alegria e o gozo estarem habitualmente presentes, o que está em questão é quase sempre a sobrevivência no dia a dia. O mesmo se passa com as novas "gambiarras" digitais. Dados os enormes problemas que a população brasileira tem que enfrentar, a resposta não reside num mero pessimismo mas num "talento interminável para a improvisação, para vislumbrar (e criar) possibilidades", tal como salienta David Garcia que inventou a apropriada designação de "terra do possibilismo" para descrever o ambiente que, "contra todas as probabilidades", encontrou no Brasil (Garcia, 2004a). Assim não podemos ver estas práticas Do-It-Yourself que identificámos neste capítulo como meros media tácticos mas "como um método prático de fazer coisas para alterar os sistemas, de não esperar para que o governo ou as instituições façam o trabalho", nas palavras de Brunet (2005). Falando como brasileira, esta autora faz questão de salientar que "no Brasil, nós temos que lutar para obter estas coisas (alimentação, educação e saúde). Não sobrevivemos se esperarmos pelo governo. É por isso que aqui surgem muitos estilos de vida alternativos" (idem). Essa luta pela sobrevivência face aos graves problemas económicos do país e à dificuldade em arranjar emprego na economia formal têm levado milhões de brasileiros a recorrerem a esquemas mais ou menos ilícitos no domínio da economia informal. Em 2004, 60 por cento da população activa, isto é, 47,5 milhões de pessoas, estavam na informalidade46. Felipe Fonseca chama a esse "mundo alternativo de trabalho" de "economia pirata", caracterizada pela criatividade e pelo dinamismo, um "empreendedorismo" na gambiarra, tendo um círculo próprio de produção e distribuição (Fonseca, 2005). Uma das suas figuras é o "camelô", o vendedor ambulante ou instalado num local fixo que, por conta própria e frequentemente desafiando a lei - escapando ao pagamento de impostos -, comercializa produtos contrabandeados e até falsificados em barracas ou bancas pelas praças e ruas das cidades do país47. Felipe Fonseca descobre um elo de ligação entre o camelô e os "media tácticos do primeiro mundo, na medida em que ao optar pela venda de CDs, DVDs e jogos pirateados para obter a sua subsistência, aquele "também chega (...) a questionar os domínios da propriedade intelectual e do poder dos media de massas, em especial, o branding empresarial" (idem) 48
Mas da mesma forma que o "jeitinho" brasileiro é simbolizado pelas "gambiarras", as astúcias e manhas dos fracos para fugir aos espaços e muros erguidos pelos outros, também o é pela colaboração, pela generosidade e pela criação de solidariedades entre identidades distintas mas que partilham a sua condição de excluídos, tendo por isso um interesse comum: sobreviver no quotidiano. Os activistas tácticos brasileiros possuem uma consciência profunda de que no Brasil "a periferia é o centro" (Dimantas, 2004 e 2005; Estraviz, 2001), na medida em que "lá a comunidade se organiza" (Estraviz, 2001) e colabora colectivamente49. Do mesmo modo que as "gambiarras" DIY, "a colaboração aqui (no Brasil) é sempre uma estratégia de sobrevivência", afirma Hernani Dimantas, que acrescenta: "O que seria deste país se não fosse a gentileza entre pessoas que jogam na mesma equipa da miséria, os agora chamados 'excluídos'" (Dimantas, 2005). Essa ideia fica bem expressa na cultura popular brasileira através do conceito de "mutirão", que pode ser definido como "qualquer mobilização colectiva e gratuita de cidadãos para execução de um serviço que beneficie a comunidade"50. Este termo é frequentemente utilizado pelos membros do Metáfora e do Metareciclagem para descreverem as suas acções com a tecnologia digital e a sociedade brasileira. Para Dimantas, por exemplo, a periferia é o centro" porque "vive de mutirão, respira colaboração" (idem). Um mutirão tanto pode ser uma acção conjunta de limpeza das ruas de um bairro, a pintura de uma creche ou uma escola de samba. O "puxadinho" ou "puxada" é, no entanto, talvez o exemplo mais pertinente do que um "mutirão" pode ser na prática, referindo-se ao costume de "acrescentar uma ou duas divisões de uma casa, aproveitando uma das paredes externas"51 quando uma família se torna mais numerosa através do casamento de um filho ou do nascimento de mais outro. Esta é assim, tal como a "gambiarra" uma forma de improvisar e solucionar um problema concreto do quotidiano de milhões de brasileiros: a falta de espaço para habitação e de recursos financeiros para comprar uma nova casa.
A importância da colaboração entre pessoas repercutiu na tentativa dos activistas brasileiros trabalhando com media tácticos de adaptarem este e outros conceitos originalmente criados na Europa e América do Norte para o contexto brasileiro. "Em termos de colaboração, nós, elite cultural revoltadinha brasileira, temos mais a aprender do que a ensinar com as culturas populares", refere Felipe Fonseca (2005). A proposta destes colectivos pode, efectivamente, ser vista como uma digitofagia, uma antropofagia das tecnologias digitais e dos media analógicos mais acessíveis que combina traços comuns da cultura popular brasileira com a ética hacker: colaboração, descentralização, ênfase na reputação e informalidade (idem)52. Através de uma nova abordagem da inclusão digital que vai para além do mero acesso às tecnologias digitais, os projectos atrás referidos, assim como o Metáfora/Metareciclagem, tentam oferecer à população de baixos rendimentos e que vive na periferia meios para ampliar sua voz, para se reapropriar da tecnologia tendo em conta as suas necessidades e os seus interesses. Porque apesar de essas pessoas estarem excluídas do acesso às ferramentas tecnológicas, elas não estão excluídas da cultura da colaboração, da criatividade e da sobrevivência (Dimantas, 2005). Elas “são capazes de tomar as próprias rédeas, andar sozinhas e protagonizar suas próprias vidas” (Dimantas, 2004). Com vista à reapropriação da tecnologia pela sociedade brasileira, Felipe Fonseca sugere que em vez de tentarem transformar um "camelô" num funcionário de escritório, os coordenadores de projectos públicos e do terceiro sector de inclusão digital deviam pensar como é que a tecnologia pode melhorar a sua actividade de venda em locais público (Fonseca, 2005a). Fonseca propõe ainda que se aproveite as características culturais brasileiras para obter o máximo das tecnologias fomentando o recurso à Internet por essas pessoas da periferia onde se estabeleça "a troca de conhecimentos, a colaboração e a mobilização colectiva" (idem). Em lugar de uma “inclusão digital” que entende o computador e a Internet como ferramentas de empregabilidade, projectos como o Metáfora/Metareciclagem apontam para um caminho alternativo em que a tecnologia facilita a comunicação das pessoas da periferia entre si e destas para com a sociedade.
2 – Projecto Metáfora: Caos e Ordem numa Inteligência Colectiva
Hoje em dia, a maior dificuldade para começar um projeto de pesquisa é a definição do nome. Que nome dar a um projecto que tem por objetivo entender e propor aplicações para uma realidade em que passaremos do online/offline para uma cultura permanentemente conectada? Como definir uma cultura em que definir o nome de um projecto é mais difícil do que estabelecer um fórum de comunicação entre os seus membros? E isso é só o começo. Virtualização da presença, k-logs53, m-log54s, RSS, telecentros comunitários, inteligência colectiva, o novo nomadismo, são alguns dos assuntos que vão nos guiar.
- Felipe Fonseca, “Metáfora”
Foi com esta frase em epígrafe enviada para uma nova lista de discussão por email que se deu início ao projecto Metáfora, a 28 de Junho de 200255. O objectivo era trocar ideias e talvez conceber tecnologias que incorporassem na prática noções como conhecimento livre, redes sociais, colaboração e copyleft56. Na origem do Metáfora esteve outra lista, a Joelhasso, que também servia de nome a um blog criado por Felipe Fonseca em 2001, que trabalhava na altura na indústria da publicidade. Aí se congregaram virtualmente os integrantes de outras listas brasileiras sobre marketing e comunicação, entre os quais Hernani Dimantas, Paulo Bicarato e Charles Pilger, que viriam mais tarde a fazer parte do Metáfora. Como conta Fonseca, os assuntos em discussão na Joelhasso abrangiam a Internet sem fios, dispositivos em rede, XML, integração de equipamentos e conversações (2005). Desagradados pelo que consideravam ser o atraso da indústria tecnológica brasileira, Fonseca e Dimantas criaram em jeito de resposta a primeira mailing-list Metáfora com o intuito, nas palavras do primeiro, de "tentar consolidar as novas ideias que um monte de gente estava gerando". Na entrevista que realizámos, Fonseca esclarece que o Metáfora surgiu como uma saída para a frustração que sentia no seu emprego na altura: “O Projecto Metáfora tornou-se o ambiente onde a criatividade não enontrava limites e onde começavam a aparecer pessoas que tinham interesses e perspectivas em comum comigo” (Fonseca, 2005b). Hernani Dimantas complementa essa afirmação, afirmando que “o carácter aberto do projecto deu ao grupo as possibilidades para o exercício total da criatividade” (Dimantas, 2004).
Tendo em conta um "quotidiano hiperconectado", a lista visava estimular o debate sobre "os limites cada vez mais ténues entre online e offline, entre digital e analógico, e o conhecimento livre como metodologia de colaboração" em que se passasse para além da crítica, no sentido da apresentação de alternativas concretas (Fonseca, 2005). No mesmo texto, Fonseca recorda o processo de formação da nova comunidade online: "Criei a lista de discussão no Yahoo! Groups e convidei 12 pessoas. Quase todas aceitaram" (idem). Dimantas afirma a este propósito que ambos combinaram inicialmente que ele faria a articulação externa e Fonseca ficaria a cargo da articulação interna. "Abri o diálogo do Meta com instituições do governo, algumas ONGs mais institucionalizadas e com participação política e a academia", refere no questionário que elaborámos. Por seu lado, Fonseca – que utilizava nesses primeiros tempos a alcunha Izquierdo, El Horrible - incentivava as pessoas que iam chegando à lista a conversarem entre si.
A lista começou por ser uma conversa entre um grupo de 15 pessoas, mas no período de um mês já tinham sido aí publicadas mais de 1200 mensagens entre 45 elementos. Foi assim criada uma wiki onde começaram a ser guardados os inúmeros bookmarks de notícias e artigos que eram debatidos na lista (Fonseca, 2003). De seguida, foi redigido o rascunho de um projecto. Três dias mais tarde, este rascunho transformou-se na descrição completa de um projecto, tendo os participantes começado a elaborar projectos colaborativos a partir da wiki (idem). O Metáfora viria a acabar em Outubro de 2003. Um mês antes, durante a sua intervenção no N5M, em Amesterdão, Felipe Fonseca afirmava que o Metáfora contava com “cerca de 200 pessoas, desde lurkers57 a gestores de projectos, e mais de 25 projectos, estando actualmente quase metade deles a serem desenvolvidos”, todos eles funcionando graças ao voluntariado dos participantes (ibidem). Embora a grande maioria dos elementos mais activos do Metáfora tenha pertencido à região de São Paulo, o projecto alastrou-se também a outras cidades brasileiras como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, contando ainda com participantes nos Estados Unidos.
De início, as conversas na lista, versando sobre telemóveis ligados à Internet, m-blogs, PDAs e computadores de bolso, evidenciavam um certo pendor para o tecno-narcissismo que, como Matteo Pasquinelli acusa (2002), predomina em muitos projectos autónomos trabalhando com media e tecnologia. Gradualmente, no entanto, assistiu-se a um desviar da atenção sobre a tecnologia em si para uma maior consciencialização sobre as necessidades reais das pessoas comuns de forma a ir de encontro a elas58.
Tal como outros grupos abordados anteriormente, o Metáfora conseguiu juntar no mesmo projecto hackers, filósofos, jornalistas, artistas, antropólogos e designers, todos eles actuando em quatro grandes àreas: comunicação, tecnologia, educação e arte. “O Metáfora é totalmente independente. É aberto e flexível. Não é um projeto académico. É uma nova forma de gerar conhecimento. O nosso enfoque é o incentivo de projectos pessoais através da colaboração entre os participantes”, explicou Hernani Dimantas (2004). O carácter transdisciplinar do projecto é recordado por Felipe Fonseca: “Baseados em tecnologia que hoje (Novembro de 2005) até parece pouco sofisticada (uma wiki e uma lista de discussão), fomos capazes de mobilizar efectivamente mais de uma centena de pessoas dispostas a experimentar novas formas de lidar com o conhecimento e de encontrar soluções para problemas em comum” (Fonseca, 2005b). Esta convergência de esforços resultou naquilo a que o colectivo denominou de aprendizagem distribuída em que “um grande número de pessoas com os mais variados repertórios, esforçando-se por fugir aos jargões e por expressar-se de uma maneira que todos compreendessem, foram responsáveis por uma disseminação multilateral de conhecimento com um ritmo que eu nunca tinha visto” (idem). Na base desta “comunicação multi-facetada, multi-lateral, interactiva e independente” (Dimantas, 2004) esteve a ideia de “xemelê”, que Fonseca define como sendo “um esforço positivo no sentido de manter um nível de linguagem que pudesse ser mutuamente compreensível” de modo a que todos pudessem participar nas discussões (Fonseca, 2005)59. O termo remete para um episódio concreto da história do Metáfora, quando Dalton Martins enviou uma mensagem para a lista sobre computação distribuída e Fonseca respondeu: “xemeleia aí que eu não entendi nada”60. Xemelê viria a ser, aliás, o nome da segunda lista do Metáfora, criada em meados de Junho de 2003, quando a primeira lista, alojada no serviço de alojamento eGroups do Yahoo! estava prestes a ultrapassar o limite de armazenamento de emails - dez mil mensagens - imposto por aquela empresa61.
Em pouco mais de um ano, o Metáfora passou de uma mailing-list a um grupo de acção para um conceito de colaboração, uma infra-estrutura ou incubadora para a criação de projectos colaborativos, em que os próprios projectos, como explicou Felipe Fonseca (2003) “criam grupos de acções, como se do caos surgisse uma ordem fractal”. Aliás, um dos termos mais empregues pelos participantes do Metáfora para definir o processo de funcionamento do projecto era o de ‘caordem’, uma mistura de caos com ordem, que nos faz remeter para conceitos como rizoma, swarming e multidão já abordados anteriormente62. Outro conceito essencial para compreender o Metáfora é o de Inteligência Colectiva, introduzido por Pierre Lévy, segundo o qual estamos a assistir à emergência de uma nova era do conhecimento que irá produzir uma consciência humana global63. No texto de apresentação64 do colectivo, pode-se ler: “Metáfora é uma inteligência colectiva para gerar inteligências colectivas. Um projecto aberto de pesquisa e desenvolvimento em diversas áreas do conhecimento, baseado em algumas premissas do modo de produção open source.” Mais à frente, verifica-se que o plano de actuação do projecto passava pela realização de “acções multiplicadoras de inteligência colectiva envolvendo o uso de redes de informação”. Do mesmo modo, Hernani Dimantas enfatizava essa visão do Metáfora inteligência colectiva num artigo publicado na revista electrónica Nova-E ainda durante a fase inicial do projecto65.
Os projectos do Metáfora abrangiam desde soluções para acesso à internet até alternativas para estimular o espírito empreendedor das comunidades desfavorecidas. Tais iniciativas estavam baseadas numa organização conceptual denominada a Tríade da Informação:
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Infra-estrutura física: computadores pessoais, modems, routers, cabos, hubs, gateways;
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Infra-estrutura lógica: padrões de interligação, sistemas de publicação online, gestão de conhecimento, redes de processamento distribuído, protocolos;
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Interacção: colaboração, capital social, formação, conhecimento partilhado, mobilização, participação.
Este modelo baseia-se em parte no conceito dos três níveis dos sistemas de comunicação introduzido pelo jurista Yochai Benkler e retomada por Lawrence Lessig (2001: 23-25), compostos por um nível físico, situado em baixo, um nível intermédio lógico ou relativo ao código e um nível superior, relativo ao conteúdo. A diferença substancial situa-se nesta última camada: enquanto Benkler e Lessig utilizam o termo conteúdo, os elementos do Metáfora preferem recorrer ao conceito de interacção de modo a fomentar a autonomia das comunidades66. “Sempre me pareceu pretensão a visão segundo a qual um grupo de pretensos especialistas definem qual o 'conteúdo' interessante para um determinado grupo”, refere a este respeito Felipe Fonseca na entrevista (2005b).
Apesar da sua curta duração, de apenas 15 meses, o Metáfora deixou um legado bastante valioso de projectos que ainda hoje subsistem. Destes, o MetaReciclagem foi o que obteve maior êxito, tendo chegado a todas as grandes cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Brasília, Curitiba, Manaus, etc. Como o nome indica, o MetaReciclagem dedica-se à reciclagem de computadores obsoletos doados, equipando-os com componentes usados que estejam em condições de funcionamento e instalando-lhes software livre. Depois de reapetrechadas, as máquinas são pintadas por artistas plásticos e cedidas a associações e centros comunitários de bairros periféricos. O colectivo desenvolve ainda nessas comunidades laboratórios de reciclagem onde os jovens aprendem a utilizar não só Linux mas também o próprio processo de reciclagem de PCs, demonstrando e remontando os computadores. Pretende-se assim fomentar a reapropriação da tecnologia visando a transformação social.
Uma das influências na criação do MetaReciclagem foi o Lowtech.org67, uma ONG britânica surgida em 1997 a partir do grupo de artistas Redundant Technology Initiative (RTI) de Sheffield que recicla computadores doados e resgata componentes informáticos da sucata para desenvolver manifestações artísticas a partir destas máquinas como instalações de video-walls, trabalhando também exclusivamente com software livre. Possui um laboratório de media, o Access Space, onde disponibiliza acesso à população e ministra cursos de formação em tecnologias aplicada às artes.
2.1 – Eventos e Projectos
Tendo em conta a visibilidade que o MetaReciclagem obteve - sobretudo graças aos apoios junto de autarquias, ONGs e do governo68 -, grande parte dos projectos desenvolvidos no Metáfora caíram num relativo esquecimento. Questionado sobre as razões da projecção pública do MetaReciclagem em particular. Felipe Fonseca sugere como um dos motivos o facto de os outros projectos terem sido muito abstractos, ao passo que a metodologia da reciclagem de computadores teve sempre uma aplicação mais concreta:
A (actividade) da MetaReciclagem, apesar de ter vários níveis de compreensão, pode ser entendida mesmo por quem não tem nenhum interesse em media alternativos, activismo ou acção social. Trata-se da desconstrução de tecnologias que costumam ser vistas como monolitos inalcançáveis. O funcionamento é esmiuçado, novas combinações são propostas. A 'tecnomagia' está ao alcançe de qualquer um e de todos. Os apoios que a MetaReciclagem alcançou em diversas instâncias da sociedade - instituições e governo – se devem em grande parte à sua facilidade de entender pelo menos uma parte dela (Fonseca, 2005b)
Ao analisarmos as mensagens trocadas na lista e as páginas da wiki concluímos, no entanto, que o Metáfora não deve ser encarado como um mero “embrião” do MetaReciclagem.. Deste modo, é nossa intenção demonstrar nas próximas páginas a importância das outras iniciativas esboçadas ou implementadas pelo colectivo do Metáfora, na medida em que – em alguns casos - subsistiram por si próprias, mas sobretudo, porque as suas ideias e práticas marcaram não só o ambiente dos media tácticos brasileiros, mas também as próprias políticas públicas de tecnologias da informação e comunicação do Brasil, nomeadamente, a nível governamental.
A primeira iniciativa que resultou do Metáfora foi o BlogChalking69, um sistema de busca no Blogger70 que permitia procurar blogs por país, cidade e até por bairro a partir de um motor de pesquisa, utilizando meta tags71. Baseado no sistema Warchalking de símbolos feitos com giz nas paredes de prédios ou no chão das ruas para assinalar a existência de pontos de acesso sem fios à Internet desprotegidos, esta pequena ferramenta criada por Daniel Pádua a 5 de Julho de 2002 obteve um enorme sucesso por todo o mundo72. Em poucos dias, o site subiu ao primeiro lugar das listas dos links mais citados pelos blogs de todo o mundo, como o Daypop e o Blogdex, tendo sido ainda divulgado em vários grandes órgãos de comunicação social brasileiros como os jornais O Globo e Estado de S. Paulo. Actualmente, o Blogchalking continua a ser empregue por muitos bloggers73. Pádua explicou-nos que se tratou de "uma brincadeira massiva de auto-localização geográfica". Na sua opinião, a exposição alcançada pelo sistema nos media comerciais ofereceu uma maior visibilidade ao Metáfora, o que levou a um rápido crescimento do número de assinantes da lista.
Outro membro da lista, Tupi Namba, sugeriu algumas semanas mais tarde, a 24 de Julho, uma derivação do projecto, o Blogchalking Reverse74, que consistia numa tentativa de transpor o sistema de identificação online de bloggers para o ambiente offline, através de uma linguagem de símbolos de giz, tal como o Warchalking. Da mesma forma que o Blogchalking utilizava sinais offline para localizar blogs no ambiente online, o Blogchalking Reverse visava localizar blogs no mundo real empregando símbolos da Web. A segunda versão do site blogchalking.tk lançada por Pádua a 19 de Agosto incluia já o alfabeto hobo proposto por Tupi Namba.
Outro projecto que, tal como o Blogchalking, também se autonomizou do Metáfora foi o MetaONG75, uma comunidade de notícias e informações sobre e para o sector das organizações não-governamentais sem fins lucrativos que surgiu a partir de uma ideia de Felipe Albertão76. O projecto resultou de outra acção do Metáfora, o MetaComunidade77, iniciada por Felipe Fonseca e que consistiu numa adaptação para o português do Brasil, tendo em conta as necessidades das comunidades locais do país, do software open-source Drupal de gestão e produção de conteúdos online que permite um modelo de publicação e edição aberta semelhante ao Kuro5hin e ao Digg, onde qualquer utilizador pode submeter notícias e outros artigos, que serão moderadas pelos outros utilizadores: as notícias vão para uma fila e os utilizadores aprovam quais os artigos que serão incluídos na página inicial e os que são eliminados do arquivo do site. Actualmente (Janeiro de 2006), o site permanece ainda em funcionamento, embora com um nível reduzido de actualização. No total foram ai publicados até hoje 742 textos, encontrando-se estes dividindo nos seguintes assuntos: ambientalismo (56), captação de recursos (45), cidadania (115), cultura (40), desenvolvimento sustentável (72), ecologia digital (4), empreendedorismo (121), gestão (55), inclusão digital (92), informática (12), legislação (7), microcrédito (22), política (13), sustentabilidade (22) e voluntariado (42). Notícias (184), estudos de caso (146) e artigos (129) são o tipo de conteúdos mais predominante.
A Buzzine78 foi outro projecto criado no seio da "incubadora colaborativa" chamada Metáfora, segundo a expressão de Hernani Dimantas (2004), de quem partiu a ideia desta revista electrónica. Esta e-zine inspirava-se na ética open-source e no modelo de negócios introduzido pelo Manifesto Cluetrain, uma das principais referências da nova economia da Internet e outra das grandes influências do Metáfora79. Baseada na plataforma Drupal, a Buzzine permitia a publicação de um modo aberto de artigos de opinião e notícias sobre os mercados e a cultura digital, sendo a moderação efectuada colectivamente. No cômputo geral, contudo, a participação na revista electrónica foi escassa, tendo o nível de actualização sido reduzido, o que levou ao seu desaparecimento em 2004. No ano seguinte, Dimantas retomou o nome para o seu novo blog individual80.
Um dos projectos do Metáfora especificamente no domínio da arte e tecnologia foi o Memelab81, que partiu de uma ideia de Bernardo Schepop. Inicialmente designado de GrafoConexo82 ou MetaMedia Lab, a iniciativa destinava-se à realização de intervenções artísticas e a experimentações mediáticas de forma colaborativa relacionadas com interacção, arte e narrativas não-lineares em ambientes digitais. Como se pode ler no texto de apresentação disponível na wiki, o Memelab pretendia ser um espaço "aberto à experimentação, na interacção homem-máquina, indivíduo-conhecimento, indivíduo-ambiente, indivíduo-indivíduo, sempre procurando explorar diferentes maneiras de 'contar uma história', seja esta ficcional ou real, individual ou colaborativa"83. O ênfase era dado mais uma vez ao software livre, a soluções não proprietárias e a licenças de autoria semelhantes à GPL. Todas as obras e intervenções elaboradas no âmbito do Memelab deveriam ser assinadas em nome colectivo dado que "a autoria, no âmbito artístico, tende a uma individualização da obra, o que não nos interessa".
Este questionamento da conceito de propriedade intelectual está bem patente em Wikifiction, uma wiki de experimentações narrativas ficcionais baseado num cenário de fragmentação da comunicação e de caos semiótico que apresentava um modelo semelhante ao colectivo italiano Luther Blissett de produção descentralizada, onde se tornava impossível designar o autor de uma ideia e a obra criativa deixava de ser algo estável e perene. Esta wiki, contudo, já não está online84. Apesar dos planos ambiciosos do Memelab - pretendia-se estabelecer uma rede de parcerias com instituições estabelecidas e convidar artistas para a elaboração de pesquisas e trabalhos comuns -, o projecto não chegou a registar muita actividade, continuando após o fim do Metáfora como espaço de alojamento de iniciativas individuais de Schepop e de outros membros do Metáfora, como o Colectivo de Histórias Digitais de Tatiana Wells, que produz e recolhe narrativas digitais colaborativas de cariz literário ou jornalístico a partir de histórias pessoais elaboradas por jovens da periferia de São Paulo em workshops como os do Autolabs85.
Para além destes, o Metáfora também contava com projectos de cariz mais activista, como o Recicle1Político86, uma iniciativa que teve origem numa proposta de Tupi Namba através de uma mensagem enviada para a lista Metáfora a 2 de Outubro e visava alertar para a poluição visual gerada pela propaganda política e para o desperdício que esta representava através da recolha dos cartazes, faixas, panfletos e outro ‘lixo’ composto de material impermeável e não-biodegradável deixado pelas ruas das cidades nas vésperas das eleições presidenciais brasileiras de Outubro e Novembro de 2002. Depois de recortado, o material seria reciclado e reaproveitado, transformando-o em arte urbana, land art e instalações de arquitectura nómada como um circo, máscaras, um acampamento para os sem-terra, cabanas para os sem-abrigo, toldos para bailes funk, concertos de hip-hop, moínhos de vento, entre outros objectos. Este tipo de zonas temporárias autónomas (TAZs) decorreram em São Paulo e Belo Horizonte87. Nesta última cidade, o Recicle1Político terminou com uma intervenção no âmbito do evento ProvOs88 de Novembro de 2002, coordenado por Daniel Pádua e Adriana Veloso – que também fazia parte do Metafóra. Este festival, o primeiro de media tácticos no Brasil, abrangeu um conjunto de acções descentralizadas semelhantes a TAZs visando a democratização da informação e do acesso aos media89. Numa acção de reciclagem de cartazes, o colectivo artístico local Renúncia realizou uma instalação denominada “Argumentos” no edifício que alojava o evento90, enquanto que o artista plástico André construiu máscaras com mensagens de crítica social a partir de autocolantes dos candidatos eleitorais91. Apesar do fim do Metáfora, o Recicle1Político foi retomado em Agosto de 2004 pelo movimento Midia Tatica Brasil92.
Inserindo-se também no domínio do activismo mas de uma forma mais simbólica, o Protest'o'93 foi um projecto individual criado por Tatiana Wells nas vésperas da Guerra do Iraque. Depois de ter recebido por email várias cartas de protesto contra a guerra, Wells decidiu construir uma página na wiki do Metáfora para disponibilizar essas mensagens de forma a que não perdessem o seu valor ou fossem consideradas fenómenos isolados e onde qualquer pessoa podia também publicar o seu depoimento contra a guerra ou links para notícias sobre manifestações de protesto que iam ocorrendo em todo o mundo, bem como convidar amigos e conhecidos a participarem na iniciativa a partir de um modelo de uma mensagem-convite.
É necessário reconhecer, contudo, que no cômputo geral o número de projectos do Metáfora que ficaram meramente sob a forma de rascunhos na wiki foi bastante superior ao dos que foram concretizados na prática. Um desses projectos foi o GASLI (Grupo de Argumentação para o Software Livre)94, grupo de trabalho e pesquisa que apenas começou a ser iniciado e visava a criação de um site que serviria para esclarecer a opinião pública brasileira das vantagens do software livre. Na altura, antes da subida ao poder do governo de Lula e do PT, um grupo de deputados do Congresso brasileiro estava a tentar a aprovação de um projecto de lei que tornaria prioritária a utilização de alternativas livres no Estado. Funcionando como um instrumento de lobbying, o site deveria incluir um guia que explicaria o conceito de software livre e recolheria os argumentos técnicos, sociais e económicos para a utilização deste tipo de aplicações informáticas, para além de notícias e ligações para estudos e pesquisas semelhantes, bem como um abaixo-assinado. Todo este material seria no final enviado aos deputados e media comerciais.
Mas a importância concedida ao conceito de conhecimento livre não se restringia apenas ao mundo do software e da tecnologia. Desde o início, aliás, se pôde sentir na lista uma forte pulsão para alargar a filosofia do copyleft incorporada na GPL a domínios como a cultura e a educação. Um esforço nesse sentido foi a MetaLicença95, uma licença de propriedade intelectual criada por Felipe Fonseca em Julho de 2002 que deveria abranger todos os documentos publicados na wiki do Metáfora e os projectos criados a partir daí. Antes mesmo da introdução de uma versão das licenças Creative Commons no Brasil96, a MetaLicença autorizava o acesso, reprodução e modificação de todas as obras licenciadas nos seus termos desde que a sua autoria fosse atribuída ao criador original e que não fossem disponibilizadas sob a forma de conteúdo fechado ou pago. Contudo, este projecto nunca chegou a ser completado.
Outro projecto que ficou pelo caminho foi o MetaLearning97, um sistema de aprendizagem distribuída que se pretendia que fosse uma aplicação prática das ideias teorizadas na lista a este respeito. Baseado no MetaComunidade, o MetaLearning partia do pressuposto que “cada indivíduo que trabalha em qualquer área tem o potencial de se tornar num educador nos seus assuntos de interesse”, possibilitando que estas pessoas actuassem como “facilitadores de conhecimento”. Este conhecimento compartilhado seria permanentemente avaliado pelos outros utilizadores e o que fosse considerado como válido seria ao fim de um certo tempo disponibilizado a todos. Os participantes podiam escolher o que aprender e com quem, bem como os assuntos sobre os quais desejavam falar, sem distinção entre professor e aluno. A aprendizagem seria realizada entre pares ou grupos auto-definidos. A avaliação assentaria num sistema de reputação por pontos – karma – semelhante ao do Slashdot.
À medida que o Metáfora ia crescendo quer em número de sub-projectos, como de mensagens trocadas na lista e de participantes inscritos, foram sendo criados núcleos especializados de modo a auxiliar as outras iniciativas. Um deles foi o MetaDev98, o núcleo de desenvolvimento tecnológico do Metáfora, composto por programadores e outros voluntários dotados de uma formação especializada que davam resposta às necessidades técnicas de outros projectos, como a construção de módulos adicionais99 para o MetaComunidade. Tendo em conta o esquema da tríade, o MetaDev representava assim a infra-estrutura lógica do Metáfora. Apresentando-se como “os arquitectos da caordem” Metáfora, o MetaMeme100, por seu lado, estava encarregado da comunicação do grupo com o mundo exterior, para fins de divulgação, obtenção de recursos financeiros e captação de novos voluntários não-inscritos nas listas de discussão. Este núcleo organizava e distribuía ainda toda a informação necessária sobre os projectos do colectivo, para além de assumir o contacto com os media comerciais.
2.2 - A Participação no Midia Tática Brasil
A participação do Metáfora no festival Midia Tática Brasil, em São Paulo, no mês de Março de 2003, assegurou uma maior projecção pública ao projecto, apenas conhecido até então por um núcleo restrito de pessoas – sobretudo bloggers, uma vez que os dois fundadores do colectivo mantinham blogs101. Numa sala da Casa das Rosas, a sede do evento, o colectivo montou um laboratório com computadores reciclados – um servidor e cinco estações de trabalho – ligados em rede a partir dos quais os visitantes podiam aceder às páginas dos projectos na wiki102. Apesar da apresentação ter sido um pouco desorganizada103, os workshops sobre colaboração online desenvolvidos no âmbito do programa do festival em três telecentros da Prefeitura de São Paulo em Guaianases, Lajeado e Cidade Tiradentes foram bastante importantes na medida em que representaram a concretização de uma das premissas iniciais do projecto: o contacto directo com a periferia e as suas comunidades. Alguns dos assuntos abordados foram as ferramentas de construção colaborativa do conhecimento como os blogs, as wikis e os fóruns de discussão, a reputação, o conhecimento livre e as trocas de informação. Os participantes nos workshops puderam, mediante registo, participar num site colaborativo104 desenvolvido previamente, baseado na plataforma Drupal. Para além de permitir a publicação de um blog pessoal, possibilitava ainda outras formas de acção como um livro colaborativo, sala de conversa, fóruns, publicação de artigos, mensagens pessoais e agregação de conteúdos através de RSS. Contudo, o comportamento dos utilizadores face à tecnologia disponibilizada gerou alguma frustração junto dos voluntários do Metáfora, como relata Felipe Fonseca: “Eles entravam, escreviam um pouco sobre as suas vidas, comentavam o que os outros escreviam. Mas depois de alguns minutos, muitos deles voltavam ao bate-papo do UOL ou a algum site de notícias” (2003c). Essa “subutilização” da tecnologia devia-se, na sua opinião, ao facto de as pessoas não estarem acostumadas a escrever livremente desde a escola, ao nível de experiência que os ambientes colaborativos exigiam e à falta de intuitividade da interface dos sistemas de colaboração para os leigos (idem). Apesar dos resultados da iniciativa terem ficado aquém do previsto, as lições retiradas daí seriam aproveitadas em projectos do MetaReciclagem, após o fim do Metáfora.
2.3 – A Tentativa de Criação de uma ONG e o Fim
Com o desenrolar das conversas e o crescimento do número de esboços de projectos, surgiu também a ideia de conceder um carácter mais institucional ao Metáfora e às suas iniciativas, através da criação de uma organização não-governamental e sem fins lucrativos que servisse para angariar recursos financeiros de modo a colocar em prática as iniciativas do colectivo. Houve, contudo, desde sempre uma forte divisão no interior do grupo face a essa questão da institucionalização. Aliás, como iremos referir mais a frente na análise dos questionários realizados aos antigos integrantes do projecto, vários dos inquiridos mencionam a tentativa de constituição de uma ONG como factor motivador de disputas internas. Com efeito, se a dissolução do grupo se deveu directamente à desistência de Felipe Fonseca do cargo de moderador das listas e dos projectos, podemos, no entanto, concluir que a decisão de Fonseca teve origem numa situação de atritos que já se arrastava desde há alguns meses, somada à multiplicação caótica de projectos colectivos ou individuais associados ao Metáfora.
A vontade de constituir uma ONG a partir do Metáfora surgiu logo no início do projecto. O primeiro membro do colectivo a colocar esta hipótese na lista foi Daniel Pádua, na mensagem nº 130 datada de 5 de Julho de 2002:
Uma ONG para distribuir computadores 'open-sourced' já preparados para funcionar em redes livres?
Uma ONG para divulgar e ensinar tecnologia aberta na sociedade, através de palestras e workshops de grátis (oo não)?
Uma ONG para fomentar um debate sobre a evolução da inteligência coletiva na sociedade brasileira (inicialmente, mas quem sabe na sociedade mundial)?
Uma ONG para educar os partidos políticos, o congresso e o escambau a quatro(...)?
Uma ONG para pensar, propor, desenvolver e experimentar meios de um cotidiano 100% online?
Face a este repto lançado por Pádua, outros elementos tinham, porém, uma posição mais cautelosa: Colacino considerava que seria mais adequado numa fase inicial conceber o Metáfora como uma ONG virtual que desenvolvia “projectos .ORG” e mobilizava pessoas em torno dessa causa, estabelecendo progressivamente ligações e contactos com o resto da sociedade: associações, empresas, universidades e media comerciais, em vez de uma ONG tradicional, não descurando no entanto a hipótese de o projecto evoluir nesse caminho105. Fonseca assertou que a ideia da institucionalização seria ainda um pouco precipitada e sugeriu desdobrar as ideias propostas por Pádua em projectos individuais106. Felipe Albertão colocou a possibilidade de o grupo fundar uma ONG especificamente direccionada para a prestação de serviços de formação, consultoria e assistência técnica em informática utilizando open-source para outras instituições não-lucrativas107. O assunto foi, no entanto, esquecido nas semanas seguintes.
Retomando esta questão a 4 de Setembro a propósito da doação de computadores reciclados para concretizar os planos do MetaReciclagem, Bernardo Schepop salientou a necessidade de formalizar o Metáfora sob a forma de uma ONG que se responsabilizasse pelos compromissos assumidos com as empresas doadoras, de forma a que estas se assegurassem que qualquer utilização das máquinas cedidas não pudesse resultar num processo legal contra elas. Alertou contudo para o facto de que a institucionalização do Metáfora poderia acarretar, por um lado, uma lentidão burocrática que atrasaria a velocidade de difusão de novas ideias e, por outro, um fechamento do ambiente aberto e colaborativo do projecto. Outra alternativa seria continuar como um colectivo que apoiasse iniciativas de outras entidades, embora isso significasse um menor grau de autonomia, pois os voluntários teriam que “depender sempre de uma segunda instituição para assinar e assumir as consequências”. Face a este dilema, Schepop perguntava se havia um caminho intermédio108. Essa via é desenvolvida por Felipe Fonseca através de um plano que passava pela criação de ONGs independentes do colectivo por alguns dos elementos individuais do Metáfora de forma a implementar projectos específicos – em linha com a ideia proposta semanas antes por Albertão. Mais do que uma TAZ efémera ao jeito do modelo teorizado por Hakim Bey (2001 [1991]) ou uma ONG com estatuto e regras, o Metáfora seria, na sua opinião, “uma nuvem espalhando-se sobre ONGs, prefeituras, associações de bairro, empresas e cada um de nós” ou ainda “uma biblioteca onde a gente pega as ideias e escolhe as pessoas para desenvolver cada uma delas, mas não a estrutura que viabiliza cada uma delas”109.
Adriana Veloso, por seu lado, afirmava: “Gosto da caordem daqui e não me agrada a institucionalização deste projecto, mas todos passamos por isso. Há modelos organizacionais horizontais, que funcionam por consenso que acredito serem mais interessantes”110. A necessidade a médio prazo de captar apoio financeiro, receber equipamentos e de garantir a protecção legal dos projectos desenvolvidos obrigava, contudo, para Paulo Colacino, à constituição de uma ONG. Na sua opinião, era possível montar uma estrutura económica que permitisse a viabilização das actividades do grupo e manter a criatividade sob a forma do “xemelê de ideias” na lista e na wiki111. Antes da formalização em larga escala do núcleo do colectivo, deveria-se, contudo, segundo Daniel Pádua, pensar primeiro em implementar um trabalho comunitário concreto e que, para tal, não seria preciso uma estrutura jurídica que levaria obrigatoriamente a uma perda de espontaneidade e capacidade de transformação da comunidade. Assim, numa perspectiva “caórdica”, o Metáfora funcionaria como uma conversação livre empregando ferramentas online a partir da qual surgiriam núcleos descentralizados mas interligados entre si através de um consenso gerado na lista. Estes núcleos poderiam ser formalizados pelos interessados, podendo outras pessoas que quisessem participar juntar-se a essa entidade112.
Esse seria o modelo a ser seguido até ao fim do Metáfora, em projectos como o MetaONG e o MetaReciclagem, embora ambos nunca tenham chegado a efectivar uma verdadeira institucionalização. Em vez disso, no caso deste último em particular, o colectivo estabeleceu uma relação de colaboração com uma ONG, o Agente Cidadão, através do qual recebeu as suas primeiras doações de computadores. Houve, contudo, nos últimos meses do Metáfora, um esforço concreto de criação de uma entidade sem fins lucrativos. Para tal, foi aberta uma lista de discussão separada da principal – da qual já não existe registos -, de acesso restrito e Bernardo Schepop chegou mesmo a redigir um estatuto e organigrama da futura instituição que se deveria chamar Co:Lab113. A ONG deveria destinar-se ao desenvolvimento de projectos e redes sociais colaborativas, tendo por objectivos a realização de estudos e pesquisas em tecnologias livres e abertas de modo a fomentar o desenvolvimento social, o apoio especializado de outras ONGs, a promoção da partilha livre do conhecimento e a defesa dos direitos civis. Schepop recorda esse período no questionário que realizámos:
Quis muito que o Metáfora se viabilizasse como uma alternativa. Cheguei a elaborar junto com os demais um possível estatuto para uma futura ONG Metáfora. Isso envolveu um grande número de encontros e debates (...) O grupo concluiu que seria melhor não oficializarmos nada. Deixar o Metáfora neste instante flutuante (...) Mas, neste ponto, sem intenções de se estabelecer definitivamente, o 'projecto' diluiu-se
Num texto escrito em 2005 onde faz um resumo da história do Metáfora, Felipe Fonseca dá a entender que a ONG não foi a avante devido a outros problemas gerados dentro do grupo114:
Complicações em alguns projectos começaram a acicatar atritos que até então estavam sublimado, as brigas feias começaram a acontecer quase diariamente. Percebemos que uma ONG não era o caminho. A nossa principal força eram as acções descentralizadas mas coordenadas. Mas os atritos persistiram ainda por algum tempo (Fonseca, 2005).
Em entrevista, Fonseca acrescenta:
Sempre tivemos essa predilecção pela mobilidade, pelo nomadismo psíquico como diz o outro... Hoje também vejo que, constituindo uma pessoa jurídica, é possível que tivéssemos que definir um foco de actuação mais limitado. Talvez tivéssemos escolhido trabalhar só com reciclagem de computadores. E isso teria limitado muito a nossa actuação (Fonseca, 2005b).
No início de Outubro de 2003, poucas semanas depois do seu regresso de Amesterdão para integrar a delegação brasileira do festival N5M, Felipe Fonseca publicou uma mensagem na lista Xemelê e no seu blog da altura, o hipocampo, a anunciar que desistia de ser moderador e que cedia essa função a quem tivesse interessado115:
Como eu acredito que vocês devem ter percebido, a lista Xemelê parou. Quero contar para vocês o que eu estou fazendo a respeito: Nada. O fato é, eu cansei de ser moderador da Xemelê. Principalmente porque ela deixou de fazer jus ao nome. Não vi mais xemelê por ali, e não vou me esforçar em resgatar um cadáver (Fonseca, 2005).
No mesmo texto posterior já mencionado, Fonseca adianta uma das motivações por detrás dessa decisão: “As brigas dentro da lista do ProjetoMetáfora tornaram-se diárias e eu continuava tentando ouvir todos os lados antes de dar a minha opinião (...) Passava muito tempo tentando apaziguar as brigas e não podia dedicar-me a nenhum projecto específico” (idem). Por outro lado, sentia que certos participantes da lista estavam-se a apropriar do nome do projecto e da sua reputação para se apresentarem em iniciativas individuais como 'integrantes do Metáfora' sem terem realizado um trabalho válido no interior do colectivo”. Na sua opinião, o Metáfora era um conceito de produção colaborativa e não um grupo de acção, sendo composto por colaboradores e não por membros. “Peço mais uma vez: não usem o nome do projetometafora. Minha opinião: Ninguém pode se definir como Fulano do MetaFora ou vender o nome do metafora como realizador de um projeto. Não o façam e não aceitem que o façam” (idem). De um modo aparentemente involuntário, contudo, pode-se concluir que o gesto de Fonseca precipitou o fim do projecto. “Para minha decepção, depois dessa mensagem recebi quase uma dezena de e-mails de membros-chave do projecto dizendo que também estavam cansados das brigas e que saíriam comigo do ProjetoMetaFora”, escreveu ele mais tarde (idem). Pode-se ver por aqui que apesar da valorização atribuída à abertura e à colaboração, o papel de coordenador de todos os sub-projectos desempenhado por Fonseca era considerado essencial pelos outros voluntários. Para assinalar a despedida do Metáfora foi colocado um texto na página inicial do site do Metáfora:
MetaFora não é mais o que era. A máfia que controlava as senhas foi pra
Croatã. Deixaram algumas coisas de herança para o mundo:
- Um wiki recheadaço.
- Uma pá de idéias para projetos coletivos.
- Um método de produção colaborativa.
- Os arquivos das listas MetaFora e Xemele.
- Três listas em funcionamento: infrafísica, infralógica e ações.
Apropriem-se.
Alguns projetos que nasceram aqui e descolaram como esporos de uma
samambaia:
- MetaReciclagem.
- MeMeLab.
- Co:Lab.
- Buzzine.
- MetaOng.
- MidiaTaticaBrasil
Estão sendo realizados eventos abertos em todo o mundo para comemorar o
fim da ditadura no MetaFora.
Se fores justo, serás avisado116.
O título original do texto, “Dispersando, cambada!” foi depois alterado para “Reagrupai e esporificai-vos”, por sugestão de André Passamani/Maratimba. A frase sintetiza com clareza aquilo que foi desde o princípio a filosofia de actuação, o lema do projecto Metáfora, de servir como incubadora de projectos colaborativos que deveriam crescer e replicar-se de uma forma autónoma por toda a sociedade.
2.4 - Liderança e Motivação numa “Caordem”
O texto de despedida do Metáfora também remete para as relações de liderança no interior do projecto – ainda que de forma invertida e com uma grande dose de auto-ironia... Felipe Fonseca assumiu desde o início a função de “ditador benevolente”117. Humoristicamente e com camaradagem, muitos elementos do Metáfora reconheciam-no legitimamente como tal118. Porém, o único poder efectivo que Fonseca chegou a exercer, e apenas durante um curto período de tempo, foi o de moderar as mensagens enviadas pelos novos subscritores da lista. O termo “ditador benevolente” está associado ao papel desempenhado pelo líder ou comité de líderes nos projectos de software livre que decide em definitivo quais as peças de código a integrar na versão oficial do programa. Segundo Manuel de Landa, estes “ditadores benevolentes” possuem uma autoridade inquestionável que lhes advém do facto de facilitarem e fomentarem a criação de uma comunidade de apoio ao projecto e não tanto de concentrarem em sim o processo de tomada de decisões (Landa, 2001). Tal como Eric Raymond constatou a propósito do modelo de desenvolvimento implementado por Linus Torvalds no Linux – baseado no lançamento constante de novas partes do código (release early, release often) e na delegação de responsabilidades a outros interessados -, a existência de líderes é indispensável em qualquer projecto de software livre, mesmo em colectivos com uma estrutura organizativa horizontal, descentralizada e baseada no consenso. Do mesmo modo que no campo da programação informática, no Metáfora Felipe Fonseca desempenhava esse cargo tentando ser o menos egocêntrico possível, no sentido de promover a colaboração entre todos119, tendo apelado várias vezes aos outros voluntários que assumissem a liderança das diferentes iniciativas do Metáfora de forma a levá-las a cabo:
O bom dos projetos colaborativos é a liberdade e toda aquela onda de inteligência coletiva e tal. Mas para começar qualquer projeto é necessária uma pessoa disposta a se dedicar pelo menos a estimular a colaboração (...) É necessário (...) um 'champion', um líder para o projeto120.
Muitas vezes, porém, mesmo quando as ideias eram executadas na prática, havia uma tendência para os projectos serem abandonados ou para evoluírem de uma forma independente do resto do grupo, como Fonseca se queixava:
Já repeti um milhão de vezes que cada projeto precisa de um líder. As coisas têm funcionado assim, até agpra. Mas eu sinto a falta de um feedback para o grupo. Os projetos saem daqui e não voltam (...) acredito que o líder de cada projeto interno, ou o representante metafórico de cada projeto externo precisam relatar periodicamente por aqui o que acontece121.
Em contraste com esta posição estava Adriana Veloso, que questionava a noção de líder:
Num grado muito de concentrar as coisas em um indivíduo principalmente quando se trata de projetos colaborativos em que há nucleos (ou pelo menos pessoas) de diversos locais. Essa coisa de representatividade e liderança é resquício da nossa cultura política que precisa de uma hierarquia pra poder pensar em organização. Mas entendo o que vc quer dizer com o relato. Acho que em cada projeto há um nível de envolvimento que nem sempre é contínuo. As pessoas empolgam com as coisas e depois já tem idéia melhor ou outro o que fazer. É esse nível de envolvimento com o projeto e com o grupo que levam o indivíduo a dar esse feedback que você está sugerindo (...) Num sei se vocês repararam na organização do ProvOs, mas (...) tá todo mundo no mesmo nível como um rizoma. Num tem representatividade. As decisões são tomadas de acordo com o nível de envolvimento de cada um dos voluntários e está tudo aberto para críticas e ajuda122.
Em resposta, Fonseca retorquiu:
Concordo que projetos colaborativos têm como grande força a descentralização. Mas hás de concordar que, se não fosse o albertão, metaong não existiria; se não fosse dri (Adriana Veloso) e dpadua, provOs não existiria; se não fosse tupi e dri, recicle não existiria... é necessário um impulso inicial. E isso não é resquício de autoritarismo ou ditadura ou hierarquização. Ou, ok, é uma hierarquização, mas temporária e para um assunto específico. Não acredito muito em igualdade a priori. Cada indivíduo vai ter um interesse maior em um determinado assunto, e os projetos só vão sair se esse cara conseguir conquistar pessoas suficientes para realizar o projeto (...) Sou contra a autoridade pré-definida, mas um grau de autoritarismo está presente em cada ato de comunicação (...), e temos que ter consciência disso e saber lidar123.
Adoptando uma posição conciliatória, Daniel Pádua dizia partilhar da mesma opinião de Veloso, salientando porém que as lideranças que tinham funcionado até então no Metáfora eram de pessoas com interesse no projecto que tomavam a iniciativa para o levar à avante. “Mas para isso acontecer, não adianta 'eleger' um líder, o que seria burlar a caordem”, pois “a liderança que um projeto precisa surge do caos”, concluía124. Fonseca salientou em seguida que não se tratava de uma questão de eleição, mas da necessidade de encontrar uma estrutura que permitisse ao responsável pelo projecto incentivar mais voluntários a participarem e comunicarem com o resto da rede colaborativa125.
A falta de envolvimento de mais pessoas para além do líder era também criticada por André Passamani/Maratimba, para quem não faltavam líderes para os projectos, mas sim um consenso, havendo em troca um excesso de egocentrismo dos outros colaboradores. “Não espero que um líder seja responsável pelo consenso, quero isso do grupo”, na medida em que “o cara que finaliza e o cara que tem a ideia original têm o mesmo valor”, acrescentava126.
Com base na análise das listas de discussão e da wiki, podemos verificar que, não obstante a existência da figura do “ditador benevolente” encarnada na pessoa de Felipe Fonseca, o processo de liderança emergindo do caos a que Daniel Pádua fazia referência pode ser encaixado na organização do Metáfora durante a sua existência. Esse modelo organizativo fica explícito numa declaração de um autor anónimo recolhida por Paulo Bicarato sobre o modo como o festival Midia Tática Brasil foi montado:
Foi construído de cima para baixo. As lideranças são aquelas obedecidas a milanos, as lideranças naturais que simplesmente vêm e dizem: eu fiz o que era para ser feito pro evento rolar pra todo mundo. O líder natural que vem servir ao coletivo, um coletivo que não precisa de muitas palavras para reconhecer a verdade127.
Este depoimento reflecte o espírito que se sentiu nos 15 meses de existência do Metáfora. Mais ainda, há que salientar que a lista do projecto serviu de fórum para muitas das discussões preparativas do Midia Tática Brasil, havendo muitos colaboradores comuns a ambas as iniciativas. Em último caso, contudo, pode-se dizer que a desistência de Fonseca e o consequente fim do Metáfora se deveu a uma fraqueza inerente ao modelo organizativo da “caordem”. Com a profusão de projectos, muitos dos quais permanecendo apenas na fase de rascunho e abrangendo àreas tão diferentes entre si, como arte, media, tecnologia, educação, cultura, activismo político e intervenção social, o núcleo central do Metáfora desagregou-se e deixou de haver um elo de ligação entre esses projectos. Mas, ao mesmo tempo, a “caordem” estabelecida no interior do colectivo foi também a maior mais-valia do Metáfora, uma vez que permitiu a autonomização e a replicação de um novo tipo de paradigma e metodologia baseados na partilha do conhecimento livre, como foi o caso mais vísivel do MetaReciclagem128.
3 - MetaReciclagem: Reapropriação da Tecnologia para Fins de Transformação Social
Somos low tech por posicionamento.
Somos low tech por ideologia
Somos low tech por posicionamento político
Somos low tech porque temos fome
Somos low tech porque criamos cubos mágicos em espaços abstractos
Somos low tech porque esporificamos verborragias
Sejamos ousados.
Pensemos, a cada minuto, a quem servimos.
- Dalton Martins, “Low Tech”
A reciclagem de computadores surgiu pela primeira vez no Metáfora numa mensagem de Daniel Pádua enviada para a lista a 3 de Julho de 2002129. a propósito de uma discussão anterior sobre redes comunitárias sem fios. Na sua opinião, a resposta para a criação de uma rede completamente livre e descentralizada entre pares (P2P), que passasse completamente ao lado dos media comerciais e dos fornecedores de acesso à Internet tinha que começar numa infra-estrutura física de conectividade que aproximasse a tecnologia das comunidades periféricas. Como solução, Pádua sugeria a criação de um protótipo de uma rede local sem fios usando placas WiFi em segunda mão, antenas repetidoras feitas com latas de batatas Pringles e computadores reciclados correndo Linux que poderiam ser obtidos em armazéns de equipamento usado, funcionando como pontos de acesso a essa rede em escolas públicas e associações comunitárias.
A única entidade que na altura se dedicava à reciclagem de computadores com objectivos sociais era o Comité para a Democratização da Informática (CDI)130. Contudo, essa ONG apenas utilizava na altura software proprietário como o Windows, para além de ser patrocionada pela Microsoft131. Dado o interesse do Metáfora em criar instrumentos de inteligência colectiva, o recurso a tecnologias open-source e mesmo livres era considerado prioritário. Alguns elementos do grupo, como Daniel Pádua, justificavam essa posição argumentando que a inteligência colectiva se baseia em fluxos livres de informação, ao passo que as soluções proprietárias controlam a informação132. Poucos dias depois, a 16 de Julho, Dalton Martins – que viria a assumir a coordenação do MetaReciclagem - entrava na lista e sugeria que se tentasse solicitar doações de computadores133.
Depois de uma tentativa falhada de receber doações de uma ONG norte-americana especializada na reciclagem de computadores134, no final de 2002 Felipe Fonseca conseguiu obter uma parceria com o Agente Cidadão135, uma ONG de São Paulo criada por Ike Moraes e Adilson Tavares que transporta material doado, encaminhando-o para projectos e instituições sociais. Inicialmente com o nome de Roupa Velha, esta entidade começou por recolher apenas roupa, tendo mais tarde ampliado a sua actividade de “logística da cidadania” para mobílias, colchões e todo o tipo de objectos domésticos136. Na altura, Moraes e Tavares disseram a Fonseca que tinham recebido dois computadores mas que não sabiam o que fazer com eles. A partir de Janeiro de 2003, o Metáfora/MetaReciclagem passou assim a ocupar um espaço num armazém onde o Agente Cidadão tinha o seu depósito, num centro comercial na zona noroeste de São Paulo. Dalton Martins assumiria a responsabilidade técnica do laboratório de media instalado no “galpão”, onde as máquinas que iam chegando eram triadas e reequipadas, passando a funcionar com Linux137. Os equipamentos que não podiam ser aproveitados eram vendidos ou trocados por outros componentes nos “cemitérios” de peças de computador da Rua de Santa Efigénia, uma artéria de São Paulo famosa pelas suas lojas e camelôs de produtos electrónicos. O material de plástico e ferro que sobrava servia para construir objectos decorativos ou instalações artísticas, sendo, em último caso, levado para a reciclagem de lixo. Esta metodologia tornou-se o modelo de trabalho das actividades do MetaReciclagem. Em meados de Março, o projecto recebia a sua primeira grande doação, cerca de 100 computadores cedidos por uma empresa138.
Juntamente com o Agente Cidadão e já posteriormente à dissolução do Metáfora, o MetaReciclagem montou o Cybersocial, um telecentro temporário no âmbito do Mês Social do SP Market, o centro comercial onde aquela instituição estava instalada. Este evento abrangeu uma exposição e uma feira de produtos fabricados por ONGs da região de São Paulo. Para o telecentro, foi utilizado um servidor médio que exportava o ambiente gráfico e as aplicações para terminais reciclados sem disco rígido e com as caixas e os monitores pintados139. Este tipo de rede de thin clients140 seria utilizado futuramente noutros projectos temporários do MetaReciclagem. Durante dois meses, o CyberSocial disponibilizou cursos abertos de introdução à informática a mais de uma centena de pessoas (Fonseca, 2005).
A participação do MetaReciclagem nos Autolabs, de Fevereiro a Julho de 2004, em parceria com a ONG La Fabbrica, a Perfeitura de São Paulo e o colectivo Midia Tática foi também assegurada graças a uma doação de 45 computadores pelo Agente Cidadão que foram montados em três laboratórios de media na zona leste de São Paulo. Para além da realização de workshops de reciclagem de máquinas aos 300 jovens inscritos no programa, o MetaReciclagem oferecia ainda orientação aos finalistas que quisessem criar a sua própria empresa de suporte e assistência técnica, com a promessa de que receberiam da autarquia o apoio financeiro necessário – uma bolsa-trabalho. Apesar dos objectivos ambiciosos – ver capítulo anterior -, o balanço que Felipe Fonseca fez dos Autolabs é bastante negativo:
Devido a diversos factores que envolveram complicações com a coordenação do projeto, má-vontade de alguns instrutores com o software livre e microdisputas de poder, o projecto pode por um lado ser considerado um fracasso retumbante. Dos 300 jovens que se inscreveram, pouco mais de dez tentaram desenvolver acções depois de encerrado o processo, e, sem o apoio de que precisavam para ir adiante, acabaram de mãos vazias (Fonseca, 2005).
A parceria com o Agente Cidadão iria durar até depois do fim do Metáfora, tendo terminado em Outubro de 2004, quando a nova direcção da ONG perdeu parte do espaço que ocupava no centro comercial e decidiu acabar com a actividade de manutenção e reparações. Em consequência, o MetaReciclagem deixou de ser uma estratégia da ONG - embora continue a receber doações dessa entidade -, tendo o laboratório no “galpão” sido desmontado141.
Dalton Martins e Hernani Dimantas tinham entretanto começado a implementar em Agosto de 2003 um segundo núcleo do MetaReciclagem no Parque Escola, um projecto da Prefeitura de Santo André, uma cidade de 665 mil habitantes nos arredores de São Paulo que conta com uma administração do Partido dos Trabalhadores. O Parque Escola é um complexo de jardins botânicos concebido pelo arquitecto Henrique Zanetta como se fosse um quebra-cabeças, tendo sido completamente construído com materiais reciclados. Restos de obras, pneus gastos, contentores, portões descartados e até um carro de bombeiros foram transformados em edifícios e salas de aula. O projecto dedica-se a actividades de reciclagem e educação ambiental de forma a promover a importância da preservação ecológica (Rinaldi, 2005 e Fonseca, 2005).
A ideia de criar um centro de reciclagem no Parque Escola partiu de um encontro de Dalton Martins, Felipe Fonseca e Hernani Dimantas com Solange Ferrarezi, secretária-adjunta de Educação da autarquia de Santo André, durante a segunda edição da Oficina de Inclusão Digital, que decorreu em Maio de 2003 em Brasília. Através dela, os voluntários conheceram Zanetta e ambos chegaram à conclusão que o MetaReciclagem e o Parque Escola partilhavam de uma mesma visão social e ecológica baseada na reciclagem. O laboratório de media instalado pelo grupo num dos contentores disponíveis no complexo recebeu do Agente Cidadão uma doação de 50 computadores e foi aí desenvolvido um curso de Informática dirigido às cooperativas apoiadas pela incubadora de empreeendedorismo social da autarquia142. Resultando de uma proposta de Jorge Gouveia, do Departamento de Geração de Renda e Trabalho do município, esta acção de formação que decorreu entre Dezembro de 2003 e Fevereiro de 2004 abrangeu 16 trabalhadores de oito associações com actividades de venda de flores, reciclagem de lixo e papel e confecção têxtil que aprenderam a utilizar aplicações de escritório (processador de texto e folha de cálculo) e a aceder a informação na Internet. No final, foram doados alguns computadores a essas associações (Rinaldi, idem). Contudo, cinco das cooperativas não fizeram uso das máquinas, tendo-se queixado da falta de impressoras para imprimir documentos. Como refere Rinaldi (ibidem), as cooperativas brasileiras, tal como muitas companhias do país, continuam a depender em grande parte de documentos impressos na sua actividade, enviando cartas de correio postal e preenchendo impressos burocráticos para ser entregues ao Estado. Dalton Martins, que foi contratado pela autarquia para coordenar a iniciativa, concluiu mais tarde que esta iniciativa teria corrido melhor se tivessem sido incluídas impressoras junto com os computadores doados. As três restantes associações conseguiram, contudo, arranjar impressoras e passaram a utilizar regularmente as máquinas doadas.
Todos estes computadores foram pintados por Glauco Paiva, um artista local de Santo André. A participação de Paiva deu um novo sentido às acções do MetaReciclagem143. Como referiu Hernani Dimantas a Beatriz Rinaldi (2005), o projecto “obteve uma nova forma de expressão. Um computador é transformado numa obra de arte, não interessa se é novo ou não. Até então, a linguagem da reciclagem era cinzenta”. Para além da desconstrução técnica através da reciclagem, as pinturas realizadas nas máquinas com cores vivas e motivos decorativos ligados à cultura popular brasileira permitem a “desmistificação do hardware”, visando tornar a aquisição de conhecimento um processo mais divertido (Paiva, 2005). A incorporação da arte no hardware reciclado transformou-se gradualmente num dos elementos fundamentais da metodologia de reapropriação da tecnologia do MetaReciclagem, em que as pinturas adquirem um cariz pedagógico na medida em que aproximam as máquinas de pessoas que têm muitas vezes receio da tecnologia (idem). Nos workshops do MetaReciclagem junto das comunidades locais de bairros periféricos, os formadores conversam com os formandos sobre os motivos a serem trabalhados, explicam o processo de formulação das cores e dão algumas noções de história de arte. Os alunos são depois incentivados a recorrerem a temas locais relativos à memória da sua comunidade nas “obras” com que estão a trabalhar. Os materiais empregues consistem em pincéis e tintas, aerógrafo144 e compressor. Estamos assim perante uma produção colectiva que estabelece uma relação entre o equipamento, as pessoas e o espaço em causa – o centro ou associação social onde esses computadores vão ser utilizados pela população (ibidem). As experiências de interligação entre arte e tecnologia levaram à criação de totems, isto é, terminais de acesso à Internet que consistem em esculturas feitas a partir de sobras e outras peças dos computadores. Ao tornarem a máquina num objecto ainda mais descontraído e atraente, estas construções artísticas demonstram, segundo Paiva, “que as pessoas podem sim assimilar este conhecimento de uma forma aprazível e rápida e aí dá-se o apoderamento” (ibidem).
No Parque Escola, o MetaReciclagem montou ainda um videowall interactivo com nove monitores funcionando a partir de computadores Pentium MMX de 200 Mhz e uma antena WiFi disponibilizando Internet sem fios a todo o perímetro do parque e uma àrea de cinco quilómetros em redor. Esta tecnologia de comunicações visava possibilitar a implementação de uma rede de telecentros municipais – seguindo em parte o modelo da rede livre e descentralizada idealizado por Daniel Pádua ainda durante o Metáfora.
Depois da formação prestada às cooperativas, o MetaReciclagem organizou com o suporte do gabinete de apoio à juventude da autarquia de Santo André um curso de reciclagem de computadores dirigido a 12 jovens do núcleo habitacional de Sacadura Cabral, uma favela de 3200 habitantes que tinha sido recentemente reurbanizada pela Prefeitura. Dalton Martins coordenou o curso que contou com a colaboração de Julio Milan para ministrar as aulas que decorreram diariamente durante o mês de Abril de 2004, onde os alunos poderam aprender a realizar a manutenção das máquinas, a montá-las e a instalar e utilizar Linux. Na base desta iniciativa, esteve uma filosofia de emprendedorismo de social, de auto-gestão, que tinha sido uma das pedras de toque do colectivo já desde o Metáfora. Mais do que a mera formação, visava-se a autonomia das comunidades, isto é, fomentar e apoiar a criação de micro-empresas e cooperativas.
No final, dois alunos, André Garrão e António Bento Edson Dias Ferreira, abriram uma cooperativa chamada InforMeta145, dedicada à venda de máquinas recicladas a preços acessíveis e à prestação de serviços de assistência técnica. Os computadores para comercialização são obtidos através de doações do MetaReciclagem e reciclados por pessoas da comunidade. Os preços são de 300 reais (117 euros) para os modelos mais fracos (Pentium com 32 Mbytes de memória, 1 Gbyte de disco e drive de disquetes) ou de 500 reais (195 euros), para uma linha mais avançada (Pentium com 64 Mbytes de memória, 3 Gbytes de disco, drive de CD-ROMs e de disquetes, placas de rede e de som), podendo ser em ambos os casos adquiridos em prestações de 100 reais por mês (cerca de 40 euros) (Cornlis e Couto, 2005). A InforMeta pretendia atrair como clientes jovens do ensino secundário, pequenas empresas e utilizadores domésticos com rendimentos médios ou baixos. Porém, ultimamente, tem tido mais sucesso com o seu serviço de acesso pago à Internet em rede local para fins de jogos em rede. A receita obtida pela cooperativa é suficiente para pagar os salários de três pessoas. António Bento tentou também instalar um telecentro no centro comunitário local, que deveria ser financiado pelos recursos gerados pela InforMeta. Nesse espaço, o MetaReciclagem possuia um laboratório de reciclagem de máquinas onde os voluntários do projecto deram alguns cursos146. O plano não foi, no entanto, bem sucedido. Devido a dificuldades para colocar em funcionamento uma rede Linux composta por um servidor e terminais sem disco, os organizadores mudaram para Windows. “Como não conseguimos encontrar alguém para dar um melhor conteúdo às crianças, nem para tomar conta do local, tirámos a rede do ar”, explicou António Bento à revista electrónica A Rede (Cornils, 2006).
Ainda no Parque Escola, o MetaReciclagem começou a colaborar com a autarquia de Santo André na implementação da infra-estrutura física e lógica da Escola Parque de Arte e Ciência (EPAC), um projecto de popularização da ciência e tecnologia destinado aos estudantes e professores das escolas públicas. O EPAC funcionaria em simultâneo como um parque público, escola modelo, centro multimédia e de formação de professores, museu de ciência, galeria e biblioteca. Dalton Martins e Glauco Paiva começaram a desenvolver experiências sobre reciclagem tendo a tecnologia, a arte e a educação como denominadores comuns.
As eleições autárquicas de Novembro de 2004 vieram, porém, a interromper a participação do MetaReciclagem em iniciativas públicas na cidade de Santo André. Apesar de o prefeito da autarquia local ter sido reeleito, ele alterou toda a sua equipa de direcção. Em resultado, o EPAC transitou da Secretaria da Administração da Educação para a dos Serviços Públicos. O projecto perdeu o seu laboratório no Parque Escola, parte das doações de computadores aí recebidas e o acesso à infra-estrutura147.
Nos primeiros meses do MetaReciclagem, antes do fim do Metáfora, a distribuição do Linux que era utilizada nos PCs reciclados era a Kurumin, uma versão brasileira do Knoopix, que não necessita de ser instalado no disco rígido para ser testada num PC – daí se chamar a esse tipo de distribuições de LiveCDs. Argumentando que o Kurumin tinha uma série de programas inúteis para o trabalho realizado pelo grupo, um novo voluntário, Fernando Henrique, decidiu em Maio de 2003 desenvolver o MetaLinux148, uma distribuição dirigida especificamente a computadores mais antigos como os que eram recebidos no “galpão” (Pentiums com uma velocidade entre 75 e 200 Mhz, 16 a 32 Mbytes de memória e disco rígido com menos de 2 Gbytes) e, ao mesmo tempo, com um interface mais apelativo e fácil de utilizar para utilizadores com pouco ou nenhum contacto prévio com a informática. A primeira versão disponibilizada publicamente, a 0.5, utilizava como base a Gentoo por ser uma plataforma conhecida pelo seu bom desempenho em jogos e multimédia. A terceira e última versão do MetaLinux, lançada após o fim do Metáfora em Janeiro de 2004, chegou a incorporar várias características de outras distribuições do Linux, como um LiveCD de 50 Mbytes.
Devido a uma falta de comunicação entre Fernando Henrique – então, o único responsável pela distribuição - e os outros elementos do MetaReciclagem, as novas acções desenvolvidas pelo colectivo passaram a utilizar a plataforma Slackware em vez do MetaLinux. O programador propôs a elaboração de uma documentação que designou de Komain que ensinava a criar uma distribuição Linux a partir do zero – de uma forma auto-didacta e Do-It-Yourself, de forma a compartilhar o conhecimento que possuia aos potenciais interessados para que estes pudessem contribuir para o MetaLinux149. Henrique enviou a documentação para a nova lista do MetaReciclagem mas o interesse suscitado não foi muito grande. Em resultado da fraca adesão, decide extinguir o desenvolvimento do MetaLinux e continuar com o Komain como um hobby pessoal lateral ao MetaReciclagem. Mas numa reunião com os outros voluntários do projecto em que é levantada a necessidade de uma distribuição própria, Henrique propõe o desenvolvimento conjunto do Komain com o grupo150. Em 2005, a distribuição contava com oito programadores, sendo apenas dois activos.
3.1 - A Replicação da Metodologia da MetaReciclagem
No início de 2005, com a perda dos laboratórios que o colectivo ocupava no “galpão” do Agente Cidadão e no Parque Escola de Santo André, o MetaReciclagem começou uma nova fase. Como reconheceu Felipe Fonseca, “sem um espaço próprio disponível o MetaReciclagem não conseguiu subsistir enquanto grupo”151. Mas, na verdade, alguns dos voluntários do projecto como o próprio Fonseca – seguindo o modelo herdado do Metáfora -, concluíram que nunca tiveram como objectivo constituirem-se como grupo de inclusão digital ou mesmo uma ONG, considerando em vez disso que a sua actividade podia ser definida como uma acção descentralizada, uma metodologia emergente de trabalho para a reapropriação da tecnologia visando a transformação social (Fonseca, 2005). O fracasso do modelo de actuação como grupo levou esses elementos a encararem o projecto como “uma aglutinação de pessoas que fazem MetaReciclagem (...) uma maneira de lidar com a tecnologia”. Foi então alcançado um consenso mínimo sobre uma definição conceptual desse processo da MetaReciclagem que, segundo a wiki do projecto, consistiria em:
Construir junto de comunidades um processo de autonomia tecnológica baseada em princípios da reciclagem e do software livre, abrir canais de geração de trabalho e rendimento com base nos produtos desse processo, obter não apenas o acesso à tecnologia, mas a efectiva apropriação da mesma como meio de desenvolvimento e criação. Dessa forma, comunidades iniciam a venda de produtos de tecnologia a baixo custo para um público interno, ocupam espaços em Centros Comunitários criando TeleCentros para acesso a tecnologia reciclada, laboratórios de reciclagem transformam-se em centros de formação profissional local152.
Uma vez mais, tal como nos tempos do Metáfora, a ideia de descentralização e disseminação por esporos era valorizada em detrimento de uma territorialização num local específico e próprio, dado que, segundo os elementos do núcleo-fundador do projecto, esta última abordagem implicaria necessariamente um certo grau de institucionalização. A MetaReciclagem seria assim uma “ocupação pirata de acções governamentais relacionadas com inclusão digital, educação e 'geração de rendimentos'“ que colaborava simultaneamente com ONGs e outros projectos independentes. O conceito assemelhar-se-ia mais a um meme que dissemina a ecologia de reciclagem de computadores como instrumento de desenvolvimento social e autonomização criativa e financeira por todo o Brasil do que um grupo coeso, fixo e estável composto por técnicos e dividido em filiais. A este propósito, Felipe Fonseca comentou na entrevista:
Acreditámos desde o começo na descentralização integrada por questão de princípio: não queriamos tornar-nos em especialistas ou únicas referências. A rede continua a crescer como rede, a sua topologia muda a cada momento. Dessa forma, pudemos manter o nosso ritmo de inovação e recriação (Fonseca, 2005b).
Tendo em conta esta nova concepção do MetaReciclagem como meme, foi estabelecido um esquema de actuação que se articula em três níveis:
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Esporos – laboratórios físicos onde pessoas fazem MetaReciclagem. Nestes espaços também são realizadas acções de investigação e desenvolvimento, tanto técnico como teórico sobre MetaReciclagem. Um exemplo de esporo seria o “galpão” no espaço do Agente Cidadão ou o Parque Escola de Santo André.
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Infra-estrutura online – ambiente onde decorrem as conversações sobre MetaReciclagem. Esta camada - que corresponde à infra-estrutura lógica do Metáfora – assegura a comunicação e o contacto entre as várias partes do projecto, compreendendo a lista de discussão, a wiki, os blogs pessoais dos diferentes elementos e outros espaços de interacção online criados para um evento ou acção específica. Uma vez que, sendo um projecto descentralizado, cada pessoa pode empregar a plataforma que prefere, foi criado um agregador de RSS para disponibilizar de forma integrada e numa única página da Web toda a informação que for sendo produzida153.
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ConecTAZes – laboratórios temporários ou permanentes, fixos ou móveis, que “beneficiam” de acções de MetaReciclagem. Estes podem abranger tanto workshops de colaboração com recurso apenas a papel e lápis, como a uma Linux InstallFest154 ou a uma sessão de exibição de vídeos. As ConecTAZes podem-se tornar em telecentros multimédia independentes, como ocorreu com os Autolabs. Outros espaços que se enquadrariam nesta categoria seriam a ocupação no Midia Tática Brasil e o Cybersocial.
É a partir deste novo modelo de articulação descentralizada que se insere a integração da prática de reapropriação tecnológica do MetaReciclagem no projecto Pontos de Cultura da responsabilidade do Ministério da Cultura (MinC), através da sua estratégia Cultura Viva. Organizado por um grupo de articuladores155, o Pontos de Cultura consiste numa série de centros culturais promovendo o desenvolvimento da produção cultural, em particular na inserção das culturais locais em rede através de tecnologias da informação e da produção de software livre. Como explicam Freire, Foina e Fonseca, pretende-se desta maneira criar “uma rede descentralizada de produtores culturais intercambiando experiências sobre os mais diversos contextos culturais do Brasil” (2005). Até ao final de 2005 já tinham sido seleccionados 264 centros, mas espera-se que este número aumente para 400 até ao final de 2006:
Um Ponto de Cultura é, ao mesmo tempo, produtor e consumidor cultural. É uma casa, uma sala, um depósito, uma estrutura física localizada estrategicamente em qualquer lugar onde haja uma produção cultural local. O projeto propõe-se captar essa produção cultural e irradiar seu conteúdo a todos os demais Pontos ao redor de todo o país (...), e também, possibilitar uma infra-estrutura básica, permitindo que se produza bens culturais utilizando-se programas de Software Livre e de Código Aberto, distribuindo essa produção em uma rede de Pontos por meio de licenças Creative Commons e CopyLeft, de forma a permitir a remixagem e a colaboração com outros Pontos (Freire, Foina e Fonseca, 2005).
Estes centros são baseados em iniciativas locais já existentes, que contarão com a doação de um kit de tecnológico para produção multimédia (áudio, vídeo, produção gráfica, desenvolvimento de software e apropriação de hardware)156 e que serão interligados através de uma ferramenta de publicação online empregando uma rede de distribuição P2P157. No contexto dos Pontos de Cultura, a aplicação da metodologia da MetaReciclagem assegura a disponibilização do hardware que os elementos das comunidades locais com maior incidência de exclusão social e pobreza necessitam para desenvolver as suas próprias produções culturais. Alguns dos elementos do MetaReciclagem foram já contratados como consultores do projecto, colaborando no planeamento conceptual e técnico, bem como na implementação e suporte dos diversos centros158. Tal como os outros integrantes do grupo dos articuladores, a equipe ligado ao MetaReciclagem começou por colaborar com o governo apenas de uma forma voluntária por acreditarem que os Pontos de Cultura seria a única forma de aplicar na prática e a nível nacional as ideias planeadas em projectos autónomos como o Metáfora que careciam dos recursos financeiros necessários.
Este grupo de pessoas que iniciou todo o esforço coletivo de pensar/trabalhar, não tem necessariamente comprometimento com o governo em si, ou com a sua ideologia. O que não significa que não considerem o projecto como essencialmente de natureza política, mas que agem como uma invasão hacker dentro do sistema, com gestão própria e objectivos bem definidos. A maioria só quer ver o projeto funcionando, pontos de cultura organizados em rede, autónomos e sustentáveis, distribuidos pelo país, colaborando e compartilhando sua produção cultural livre (Freire, Foina e Fonseca, 2005).
A promessa é que, depois de constituída a rede descentralizada de centros espalhados pelo país, esta venha a funcionar de forma auto-suficiente, sem o apoio financeiro do Estado, de forma a que não seja vulnerável a uma eventura futura mudança de governo. O conceito baseia-se numa ampliação a nível de todo o Brasil da experiência dos Autolabs realizada em parceria com a Prefeitura de São Paulo, que Ricardo Rosas descreveu como uma “subversão prática”, uma invasão alienigena do sistema político (Rosas, 2004). Iniciativas como o Autolabs e os Pontos de Cultura constituem, nesta mediada, hacks de projectos governamentais (Freire, Foina e Fonseca, 2005)159. Refutando os dilemas do risco de cooptação e recuperação que a colaboração com o governo e outras entidades com uma agenda própria colocam habitualmente a colectivos activistas autónomos, Felipe Fonseca afirmou-nos em entrevista:
Na medida em que sempre nos baseámos na ideia de conhecimento livre, um dos nossos objectivos é a cooptação. Mantendo-se certos princípios, qualquer apropriação das nossas ideias (a apropriação da reapropriação?) é desejada (...) Melhor que ter uma ideia genial e convencer actores de peso da pertinência dela, é fazer esses actores acreditarem que tiveram uma ideia genial. Antes que persuadir, influenciar. MetaReciclagem hoje está dos dois lado do principal debate político: simultaneamente dentro de projectos do Partido dos Trabalhadores e do PSBD160. Simultaneamente num projecto nacional do governo (...) e com militantes anarco-punks. Simultaneamente no Ministério das Comunicações, comandado por um imbecil161, e dentro de grupos que combatem a actuação do mesmo ministério. Quando, buscando esse tipo de influência, precisamos parecer uma ONG, temos cartões de visita, fato e gravata. Quando estamos no nosso ambiente, em campo, estamos de havaianas e camiseta. A nossa mobilidade confunde, mas alcança os seus objectivos. Somos múltiplos..Eu tenho muitos 'sobrenomes' (Fonseca, 2005b).
Para o desenvolvimento e implementação dos Pontos de Cultura foi criado um centro experimental na galeria Olido, um antigo cinema localizado na zona central de São Paulo. O complexo conta actualmente com cinema, salas de ensaio e apresentação de dança, galeria de exposições, telecentro e outras actividades. Aí funciona também desde meados de 2004 um esporo do MetaReciclagem162, graças a uma parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e do Governo Electrónico da Prefeitura de São Paulo, o projecto Cibernarium163. Nesse espaço têm lugar acções de reciclagem de computadores e seminários técnicos. Em Outubro de 2004, Felipe Fonseca e Elly Chagas ministraram aí um workshop sobre colaboração, comunicação em rede e low-tech para 27 elementos de organizações não-governamentais pertencentes à Corrente Viva164, uma incubadora de ONGs que conta com 23 associações espalhadas pela cidade de São Paulo165. Esta acção resultou numa parceria, através da qual o MetaReciclagem desenvolveu já um site para a Corrente Viva, estando ainda em paralelo a ser desenvolvido um projecto de implementação e formação em tecnologias de informação em todas as ONGs atendidas por esta rede.
No domínio da infra-estrutura lógica online, uma das ferramentas ligadas ao MetaReciclagem foi o LigaNois166, um site colaborativo baseado em Drupal que esteve online entre finais de 2003 e de 2004 destinado aos utilizadores e monitores dos telecentros da Prefeitura de São Paulo, expandido assim a experiência do fórum criado ainda na época do Metáfora, no âmbito do festival Mídia Tática Brasil. O objectivo, como explica Felipe Fonseca, era mostrar ao utilizador desse e doutros projectos de inclusão digital no Brasil que “a Internet era principalmente um ambiente de interacção com outras pessoas” (Fonseca, 2003c). O site chegou a ter 800 utilizadores registados e cerca de 600 visitantes por dia (Rinaldi, 2005).
De modo a recuperar a discussão conceptual dos tempos do Metáfora, foi também implementado outro site. Denominado Xemelê167, numa alusão à segunda lista da incubadora de projectos, aquele espaço online acabou por tornar-se, no entanto, no sistema de conversações, publicação, gestão de contactos e partilha de arquivos destinado a integrar os pontos de cultura (Fonseca, 2005). No mesmo domínio está também alojada a plataforma de pesquisa168 estabelecida entre o Midia Tatica, o MetaReciclagem, a Sociedade Waag e o laboratório de media Sarai.
As parcerias do MetaReciclagem com grandes instituições públicas têm também continuado, embora numa vertente mais focada na implementação de ConecTAZs. No segundo semestre de 2004, em colaboração com a Sampa.org169 e o Banco do Brasil, foram instalados dois telecentros na região de São Paulo. Um situa-se em Capão Redondo, distrito que é considerado uma das áreas mais pobres e violentas da cidade. Juntamente com a associação Chico Mendes, uma colectividade local, foi montado um espaço equipado com computadores doados pelo governo federal e reciclados pelo MetaReciclagem. Uma semana após a abertura todos os computadores foram roubados. Desde então, o telecentro encontra-se encerrado (Rinaldi, 2005)170. A outra ConecTAZ foi implementada em Jarimu, uma pequena vila rural a 70 quilómetros de São Paulo. Dalton Martins, Glauco Paiva e Elly Chagas abriram um telecentro equipado com 30 computadores numa sala da Associação das Mulheres de Jarinu. Mais recentemente, o projecto do governo federal Casas Brasil começou a ministrar cursos de metareciclagem em todos os seus 90 telecentros dotados de uma infra-estrutura multimédia e laboratórios de reciclagem de computadores.
Durante o ano de 2005, o número de esporos independentes assinalou um crescimento notável171. Para além do centro de media IP://, no Rio de Janeiro, criado por Tatiana Wells e Ricardo Ruiz, surgiram também mais laboratórios de reciclagem em zonas como: Salvador (em associação com a Faculdade Ruy Barbosa); Arrail D'Ajuda, na costa histórica da Baía, através do colectivo Bailux172; no Recife173; Teresina, no Piauí174; Manaus, no estado do Amazonas175; no centro do Movimento Humanista no bairro de Santa Cecília em São Paulo.
Segundo Felipe Fonseca, em Março de 2006, o MetaReciclagem integrava um núcleo-base de uma dúzia de participantes activos que dedicam grande parte do seu tempo ao projecto; outro grupo de 20 a 30 pessoas que colaboram regularmente – uma vez por semana ou de quinze em quinze dias176. A lista de correio electrónico possuia 158 subscritores. Estes números não incluem, é claro, as pessoas que realizam acções de metareciclagem nos esporos espalhados pelo país.
4 - Análise dos Dados Obtidos por Questionário
4.1 - Perfil dos Colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem
Em seguida apresentamos os dados que obtivémos do questionário realizado por email junto de 22 elementos do núcleo-inicial do Metáfora e do MetaReciclagem, do qual recebemos 11 respostas177. Por opção metodológica, decidimos, ao contrário do que temos vindo a fazer neste capítulo, não nomear individualmente nenhum dos inquiridos no que diz respeito ao conjunto de questões fechadas e semi-fechadas destinadas a obter um perfil global dos colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem. A não-discriminação deve-se a uma questão de ética do investigador no sentido de respeitar a privacidade dos inquiridos quer em relação a terceiros, quer em relação aos outros elementos dos colectivos.
Dos inquiridos que responderam, nove (81,8%) pertencem ao sexo masculino e dois (18,2 %) são do sexo feminino. Em relação à idade, os colaboradores do Metáfora divididem-se nos seguintes escalões etários:
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25-29 anos: 5 (45,4%)
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30-34 anos: 3 (27,3%)
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35-39 anos: 1 (9,1%)
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40-44 anos: 1 (9,1%)
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45-49 anos: 1 (9,1%)
A partir dos dados fornecidos pelos inquiridos, cálculámos que a sua média de idades ronda os 32 anos (31,7 anos). É preciso, no entanto, recordar que o período de actividade do Metáfora – entre o final de Junho de 2002 e o início de Outubro de 2003 – esta média seria de cerca de 29 anos.
Outro traço de identificação que quisemos obter junto dos elementos do núcleo inicial do Metáfora foi a sua cidade/região de residência. Tendo já conhecimento, a partir da leitura das listas e da wiki, de que uma grande parte destes residiam na altura na zona de São Paulo e arredores, pretendíamos determinar qual a importância da participação dos residentes nesta cidade nas actividades do projecto e se registou alguma alteração a este quadro nos últimos anos após o fim do Metáfora e a expansão do MetaReciclagem. Assim, nota-se que uma grande parte dos inquiridos, isto é, seis (54,6%), afirmam residir em São Paulo178 e os restantes cinco (45,4%) podem-se enquadrar numa categoria de nómadas - como uma das inquiridas se designou a si própria – na medida em que mudaram uma ou mais vezes de cidade nos últimos três anos.
Tendo também em conta o facto de as acções associadas ao Metáfora e das ideias discutidas na lista se terem disseminado inicialmente179 através da blogosfera brasileira, por intermédio dos blogs dos próprios fundadores do projecto e de outros bloggers que pertenciam à sua rede social, quisémos averiguar qual o número de inquiridos que possuiam blogs e há quanto tempo é que os mantinham. Confirmando as expectativas, nove dos inquiridos (81,8%) disseram que já tiveram um ou mais blogs e somente dois (18,2%) responderam negativamente180. No que toca à data em que iniciaram o seu primeiro blog, as respostas podem ser enquadradas nos seguintes anos:
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2000 – 1 (11,1%)
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2001 – 4 (44,4%)
-
2002 – 3 (33,3%)
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2003 – 1 (11,1%)
Por aqui se pode ver que uma parte significativa dos colaboradores mais activos do Metáfora já possuia um blog antes do início do projecto. Fazendo uma leitura destas respostas, podemos dizer que o projecto resultou da “linkania” proporcionada pela blogosfera brasileira que na altura (2002-2003) começava a florescer181.
Um dos indicadores que revela a dedicação e o grau de “profissionalização” de um blogger é o facto do seu blog possuir um domínio próprio – www.projetometafora.org, por exemplo -, o que implica o registo anual desse endereço da Web por uma determinada quantia, ou se, pelo contrário, está alojado num serviço gratuito de alojamento de blogs como o Blogger - com um endereço projetometafora.blogspot.com, por exemplo. Nesse sentido, é sintomático que, dos nove inquiridos que mantêm um blog, sete (77,8%) tenham respondido que possuem um domínio próprio, enquanto dois (22,2%) afirmaram que o seu blog está alojado no Blogger.
A totalidade dos membros do Metáfora que participaram neste questionário declararam utilizar regularmente software livre, o que demonstra o verdadeiro grau de adopção deste tipo de aplicações junto do colectivo. O tipo de utilização, contudo, varia muito entre cada inquirido: assim, enquanto um disse trabalhar com um sistema operativo proprietário mas correndo aplicações open-source por cima, outro afirmou correr Linux e Windows no mesmo computador por necessidades de compatibilidade de formatos e outros três responderam que recorrem também a opções não-proprietárias como a linguagem de desenvolvimento PHP e a base de dados MySQL em servidores Web para alojamento de sites. A situação mais frequente é, todavia, o recurso ao Linux num ambiente de desktop – computador de secretária – e a outro software aberto como o navegador da Web Firefox, o editor de imagens Gimp e o pacote de ferramentas de escritório OpenOffice.
Uma vez que o Metáfora teve desde o começo, um interesse em espalhar as suas ideias e projectos através de associações com ONGs e que o MetaReciclagem se tem destacado por um trabalho de contacto directo com esse tipo de instituições, não surpreende muito que sete (63,6%) dos inquiridos tenham afirmado que colaboram com alguma ONG ou outro tipo de associação semelhante. Pelo contrário, apena quatro (36,4%) responderam negativamente. Por outro lado, dado que o Metáfora e o MetaReciclagem tiveram sempre uma preocupação muito grande com a questão da inclusão digital – se bem que na sua perspectiva mais holística de reapropriação da tecnologia para fins de transformação social –, através de acções concretas que se vieram a repercutir nas políticas públicas do sector, queríamos também determinar em que medida é que esta influência no interior do governo resultou em contratações dos colaboradores do núcleo inicial do Metáfora. Neste aspecto, apenas quatro (36,4%) dos inquiridos disseram possuir qualquer tipo de vínculo laboral com a administração pública, sendo que sete (63,6%) deram uma resposta negativa.
No que toca ao modo como tiveram conhecimento da lista do Metáfora no Yahoo!, três dos inquiridos afirmaram que já conheciam os fundadores (Felipe Fonseca e Hernani Dimantas) dos tempos da Joelhasso, a lista precedente mantida por Fonseca; dois disseram que conheceram a lista através de contactos pessoais com outros membros e três que tiveram conhecimento do colectivo através da Web.
Em relação às listas de correio electrónico associadas ao projecto Metáfora e seus descendentes – MetaReciclagem e CoLab - que os inquiridos assinaram e/ou assinam, a lista inicial no Yahoo! eGroups foi assinada por todos, enquanto que a Xemelê e a lista do MetaReciclagem foi subscrita por nove, ao passo que a CoLab foi assinada por dez. Destes dados pode-se depreender que a colaboração no Metáfora não foi completamente efémera, apesar da curta duração do projecto, tendo, na maior parte dos casos, os laços estabelecidos naquele projecto perdurado ao longo dos anos seguintes. É preciso notar, todavia, que dos participantes no questionário que responderam que já tinham subscrito a lista do MetaReciclagem e a CoLab, um acrescentou que tinha, entretanto, deixado de participar em qualquer das listas associadas ao antigo Metáfora, ao passo que outro caracterizou o seu contacto com os outros elementos do MetaReciclagem como sendo actualmente muito eventual.
Na medida em que a subscrição das listas não é um indicador completo da participação dos elementos nos diferentes projectos, tentámos também obter um número de encontros e reuniões presenciais do Metáfora e do MetaReciclagem em que os inquiridos participaram. Aqui, as respostas variaram muito. A maior parte, contudo, disse não ter uma noção precisa de quantas reuniões frequentou e quantas foram realizadas. Uns foram mais vagos, dando respostas como “não tenho a menor ideia”, “não lembro” ou “inúmeras”. Outros adiantaram um número aproximado:
“Praticamente todas... não saberia estimar. Encontros mais gerais, diria que meia centena.”
“Nem sei contar, mas certamente, perto de uma centena.”
“Reuniões 'formais' foram talvez uma dezena, mais ou menos. Já as 'informais' são incontáveis...”
“Do Metáfora, acho que todas (não me lembro quantas houveram). Do Metareciclagem, devo ter participado de aproximadamente 15-20 reuniões.”
Três dos inquiridos deram, no entanto, um número exacto:
“Umas oito.”
“4.”
“Reunião formal 0, encontro com participantes em outros eventos relacionados 2 (de forma anónima).”
Como se podia esperar, os elementos com uma menor presença em reuniões dos projectos são os que se lembravam melhor do número de encontros realizados. Apesar da imprecisão dos números avançados, podemos concluir pela existência de dois grandes grupos de colaboradores do Metáfora e do MetaReciclagem182: um composto por voluntários com uma participação esporádica e irregular nos projectos – embora tenham, quase todos, permanecido subscritores de todas as listas - e outro constituído por aquilo a que podemos chamar um “núcleo” duro de elementos que continuaram presentes no MetaReciclagem após o fim do Metáfora e para quem este projecto constituiu uma “experiência transformadora nas suas vidas”, nas palavras de um inquirido183. Esse “núcleo”, localizado maioritariamente na região de São Paulo, teve, por sua vez, a capacidade de catalisar por via online e offline a participação de outros interessados na metodologia da metareciclagem. Estes novos voluntários – muitos dos quais desconhecem sequer a origem do MetaReciclagem - actuam como agentes de replicação da prática dentro das suas comunidades espalhadas pelo país de forma a estimular o interesse das pessoas locais. Embora o MetaReciclagem assuma um carácter descentralizado, a função dos elementos desse “núcleo” inicial pemanece importante pois são eles que articulam os diferentes esporos independentes e facilitam a comunicação entre eles.
4.2 - Opiniões em Relação ao Metáfora e MetaReciclagem
4.2.1 - Inspiração Política dos Projectos
Uma segunda parte do questionário que enviámos por email aos participantes activos do Metáfora e do MetaReciclagem foi constituída por questões abertas, de âmbito mais vasto, que visaram obter a sua opinião em relação a ambos os projectos. Assim, comecámos por perguntar se consideravam que as duas iniciativas tiveram/têm algum cariz político e em que medida. Neste ponto, encontrámos três tipos de respostas: enquanto alguns realçaram que tudo é político184, outros foram da opinião que o Metáfora e o MetaReciclagem evoluíram progressivamente no sentido de uma apropriação política:
Acho que passaram a ter (um cariz político). Antes, quando eu falava de democracia directa, anarquismo e revolução escutava de volta que precisávamos ganhar dinheiro. O MetaReciclagem foi sendo delineado com inspirações políticas, mas realmente foi ganhando essa cara aos poucos (Adriana Veloso).
O meta é um projecto que visa impactar a microfísica do poder; actuamos num espaço informacional sob uma ética hacker de apropriação e ocupação desses espaços (Hernani Dimantas)
Acho que os assuntos abordados (mais que os projectos), como software livre, reciclagem, media tácticos e democratização da informação tinham abordagens políticas e que ao longo do percurso, alguns transformaram-se ou já eram medidas de políticas públicas. Isso facilitava a absorção, cooptação ou mesmo uma colaboração com algum trabalho político (Giseli Vasconcelos)
Uma terceira corrente de opiniões reconheceu nos dois projectos uma componente política em sentido amplo:
Se tomarmos o termo 'político' no seu sentido mais amplo, sim. Isto porque cada projecto (...) traz embutidos vários conceitos revolucionários, a grande maioria deles voltados para a democratização da informação, a facilitação e capacitação do acesso às novas tecnologias, a formação de redes sociais e a geração de autonomia/apoderamento, entre outros (Paulo Bicarato)
Acho que os projectos têm relações políticas, sim, na medida em que se propôem a mostrar alternativas às políticas públicas em relação à inclusão digital. Somos um grupo que tem por objectivo experimentar, criar, além dos horizontes que o poder público possui para a articulação e desenvolvimento. É claro que temos por objectivo influenciar esse poder público nas suas políticas, como no caso dos Pontos de Cultura (Dalton Martins).
4.2.2 - Distinção entre Inclusão Digital e Reapropriação Social da Tecnologia
Face à questão do MetaReciclagem visar a inclusão digital, a opinião dominante foi que a sua acção tem um alcance mais vasto do que o que é normalmente abrangido pelos projectos públicos e de ONGs que se identificam com esse conceito. Esse âmbito mais alargado é onde se pretende, como o projecto refere na página de apresentação da sua wiki185, que ocorra a prática da reapropriação da tecnologia com vista à transformação social. Tendo em conta que, como os próprios referem, se trara de um objectivo controverso e um pouco vago e abstracto, interessou-nos também saber, na perspectiva de cada um dos elementos do colectivo, o que é que aproxima e separa essa reapropriação da inclusão digital. Na opinião de Felipe Fonseca, os dois termos “não são conceitos excludentes”, embora o primeiro “tenha uma escala mais experimental e uma maior profundidade”. Fonseca desenvolve esta distinção no texto “O Fantasma da Inclusão Digital”:
A proposta da Metareciclagem é algo muito mais profundo. Trata-se da apropriação de tecnologia e da reapropriação de tecnologia tida como obsoleta, proporcionando e fomentando o uso crítico das ferramentas de comunicação com o objectivo de transformação social. O corte é outro, não o do excluído e do incluído, mas o do uso meramente instrumental contra o uso consciente, engajado e criativo. Exactamente por isso, o nosso caminho nunca foi a montagem em série de telecentros, mas a constante re-invenção, pesquisa e desenvolvimento de novos caminhos. Exactamente por isso, nunca nos concentrámos na equação montagem de estrutura + capacitação e sim em mudar os nossos próprios hábitos de uso da rede186.
Para Dalton Martins, o MetaReciclagem introduz uma nova concepção de inclusão digital na medida em que “visamos o desenvolvimento da sensibilidade em relação à tecnologia”, através da criação de autonomia, da promoção da colaboração e da espiritualização das tecnologias. Na sua opinião, a reapropriação da tecnologia para fins de transformação social é um processo que permite “entender e compreender as tecnologias descartáveis como estratégias para o desenvolvimento de projectos pessoais, como possibilidade de geração de trabalho e rendimento, como meio de alavancar articulações entre pessoas”, indo muito mais fundo que a inclusão digital, “que normalmente tem por objectivo apenas fornecer o acesso à tecnologia”.
Uma perspectiva semelhante tem Paulo Bicarato, para quem a inclusão digital é uma expressão pobre relativa a apenas um aspecto mais vísivel entre várias outras questões envolvidas no MetaReciclagem: “apoderamento (capacitação e valorização de pessoas, gerando oportunidades de rendimento e trabalho), preservação ambiental (o lixo tecnológico é altamente poluente, e a sua reciclagem reduz esse potencial), entre outros." Bicarato acrescenta ainda que “obviamente, a simples doação de máquinas e computadores a uma determinada comunidade não quer dizer absolutamente nada. Quando esta doação de máquinas vem acompanhada de software proprietário, o problema intensifica-se: a comunidade, ou as pessoas atendidas, correm o sério risco de tornarem-se reféns de um sistema monolítico."
De acordo com Hernani Dimantas, o MetaReciclagem trabalha com a inclusão digital de um ponto de vista colaborativo e emergente que diverge da perspectiva de cima para baixo proposta pelo governo, pela academia e pelas ONGs.
Na opinião de Daniel Pádua, “a” metareciclagem enquanto reapropriação da tecnologia visando a transformação social “é uma prática de reconstrução cognitiva constante da linguagem, dos artefactos e das relações”. Para Pádua, “metareciclar é repensar o mundo a todo instante, em função da necessidade pessoal, e tornar esta perspectiva imaginária em realidade através da acção colaborativa sobre ele." Na medida em que este processo “passa por expandir a fronteira da redes telemáticas em todas as direcções, então pode-se dizer que há 'inclusão digital'”.
Por seu lado, Tupi Namba concede que embora o MetaReciclagem vise tal como outras iniciativas de inclusão digital, “a possibilidade do acesso à Internet e a hardware para os menos favorecidos”, o projecto distinguiu-se dessas iniciativas que apenas constituem uma continuação do modelo de acesso das corporações da indústria de telecomunicações centrado nos consumidores e na audiência e da formação profissional para essas empresas. A aposta do MetaReciclagem está, pelo contrário, na “capacitação dos agentes como protagonistas e empreendedores de uma forma autónoma e descentralizada, com conhecimento livre e aberto”.
Na acepção de Adriana Veloso, a reapropriação social da tecnologia “significa pegar uma latinha de pringles e fazer uma antena, pintar um computador velho e fazer uma instalação num bairro pobre, sujo e feio, reciclar videocassetes para fazer transmissores de TV, etc. Acho que inclusão digital é feito como um favor, uma obrigação, um trabalho, etc. Metareciclagem é feito por vontade, por desejo."
Fazendo uma interpretação mais material, Edney Souza argumenta que "a inclusão digital pura e simples necessita de investimentos financeiros que serão convertidos em acesso digital”, enquanto que “a reapropriação da tecnologia requer capital humano para transformar sucata em vias de acesso digital.” Já André Passamani/Maratimba salienta que a reapropriação proposta pelo MetaReciclagem é uma abordagem libertária do mesmo tema da inclusão digital “no sentido de não haver um conformismo... uma acomodação ao status quo”.
Alguns inquiridos, contudo, não concebem de todo o MetaReciclagem como uma acção de inclusão digital. É o caso de Giseli Vasconcelos, para quem "a reapropriação tecnológica é de transformação quando conjuga a consciência (política e social) do uso da tecnologia com a habilidade (que pode ser mínima) de recondicioná-la ou transformá-la para dar voz, disseminar e democratizar. A (re)apropriação é um instrumento amplo que não determina quem está ou não incluído (...) dinamizando possibilidades mais abrangentes para quem está a frente ou não das máquinas".
Após apresentadas estas diferentes perspectivas sobre o que é a reapropriação da tecnologia para fins de transformação social e o que a distingue da inclusão digital, a ideia que transparece é que se tratam, como afirma Bernardo Schepop, de questões complexas para as quais não existem respostas objectivas. Em lugar destes conceitos, Schepop prefere empregar a palavra inclusão em sentido amplo – atribuindo pouca importância ao adjectivo “digital” - na medida em que “para conseguir o envolvimento dos grupos 'participantes' tem que se ir muito além dos computadores. Só os uns e zeros não dão conta do recado de incluir quem quer que seja”.
4.2.3 - Avaliação dos Pontos Fortes e Fracos
De forma a obter um retrato mais pessoal das experiências obtidas por intermédio do Metáfora e do MetaReciclagem que permitisse ao mesmo tempo distinguir claramente entre um projecto e outro, questionámos os inquiridos sobre o que consideravam melhor e pior nos dois colectivos e, no caso do MetaReciclagem, quais as eventuais sugestões que propunham para colmatar esses problemas.
Um dos aspectos positivos do Metáfora mais mencionados foi a afinidade criada entre os seus participantes, simultaneamente resultado e consequência da troca de ideias na lista e dos projectos desenvolvidos. Do lado oposto, a dispersão e o egocentrismo resultante foram alguns dos aspectos negativos mais citados pelos inquiridos.
Paulo Bicarato, por exemplo, destaca como mais positivo “o envolvimento apaixonado da maioria dos integrantes e a intensa discussão conceptual que sempre norteou todo o grupo”. Mas na sua opinião essa “mesma paixão (...) levou por vezes à dispersão de parte dos integrantes. E faltaram, naturalmente, em determinados momentos, recursos financeiros inviabilizando determinados acções”. As amizades estabelecidas e os “metaprojectos” levados a cabo são favoravelmente destacados por Adriana Veloso, para quem os piores aspectos do colectivo foram o “egocentrismo” e “as críticas levadas para o lado pessoal que decorreram em brigas”.
As afinidades estabelecidas entre os participantes e a organização colaborativa de eventos como festivais, encontros e projectos são referidos por Giseli Vasconcelos como pontos fortes do projecto. Na sua opinião, os pontos fracos consistiram nas “brodagens (compadrio) e hierarquias” que se foram desenvolvendo naturalmente, “criando dissidências constantes (principalmente entre projectos)”. De modo semelhante, Daniel Pádua salienta como mais positivo “o encontro das pessoas” e negativo “a fragmentação das relações estabelecidas horizontal e descentralizadamente, devido a algumas sub-organizações autoritárias e altamente estruturadas”.
A falta de uma estrutura organizativa mais estável é criticada por Tupi Namba, em particular a “dependência de articuladores presenciais, a ausência de inventário e património digital” como “software, serviços online, arquivos dos sites e conversas”, para além da inexistência de “um modelo de sustentabilidade e de distribuição de recursos” que fosse “transparente, autónomo e desterritorializado”. Em compensação, Tupi realça pela positiva o MetaReciclagem e os projectos realizados em cooperação com autarquias.
Para Dalton Martins, por seu lado, “o melhor foi a multidisciplinaridade e o carinho que as pessoas tinham por aquelas discussões. O pior foi quando tentamos virar uma ONG. Aí apareceu muitos lados que não foi legal ter conhecido de algumas pessoas”. Edney Souza assinala ainda que o Metáfora fez-lhe “perceber que o esforço de cada indivíduo faz a diferença e pode transformar vidas. Contudo, não deixa de registar como desagrável o facto de ter havido pessoas que “utilizaram as criações do colectivo para a sua própria ascensão profissional”. A visão mais optimista da experiência do Metáfora encontra-se, no entanto, no testemunho de Bernardo Schepop: “Não teve nada de pior. Foi o que tinha que ser.” Schepop destaca como mais positivo a união de ideias possibilitada pelo projecto.
Fazendo a mesma questão a respeito do MetaReciclagem, Adriana Veloso considera que “a expansão do projecto” foi o seu ponto forte, criticando por outro lado a tendência para a centralização que este revela. De modo a resolver este problema, sugere a documentação do que foi feito até agora e a adopção de uma metodologia formatada de modo a “dar suporte aos esporos”. A “universalidade” do projecto é também outra característica salientada por Paulo Bicarato, na medida em que “pode ser ampliado para qualquer lugar do mundo (...) A inclusão do MetaReciclagem em projectos do Ministério da Cultura, do Governo Federal, também mostra como os conceitos podem ser absorvidos como políticas de Estado, independentemente de questões partidárias”. Dalton Martins refere-se a esse modelo de replicação como “livre” e “solto. Na sua opinião, “o pior é sempre a incerteza dos rumos a tomar, embora também usamos isso como forma de aprendizagem. Minha sugestão é: crie livre, experimente livre que as coisas (...) podem seguir cursos extremamente interessantes...”.
O “carácter anti-autoritário e anti-consumista” das acções é, para Daniel Pádua, o melhor do MetaReciclagem, sendo o pior “o excessivo condicionamento às linguagens digitais”. Por isso propõe: “Conversem com outras linguagens – expressão corporal, escrita -, aprendam a compartilhar conversando sem o computador”. O defeito de “um certo tecnocentrismo” é também reconhecido por Felipe Fonseca, segundo o qual a parte mais positiva é “o dinamismo e as provas concretas de que o conceito de esporos funciona realmente”. Apesar de ter aberto espaço para outros projectos no sentido da esporificação, o MetaReciclagem, admite Hernani Dimantas, “está a perder a capacidade de auto-crítica e de mediactivismo ao ficar ensismado em metodologias que nem sempre são tão colaborativas como pregadas pela articulação”.
Na perspectiva de André Passamani/Maratimba, mal grado “as oportunidades e liberdade conquistadas”, existe “uma falta de método” e de “continuidade nos projectos”. Já TupiNamba identifica como mais positivo o intercâmbio com movimentos do exterior (Holanda e Índia), o laboratório de media tácticos IP:// no Rio de Janeiro e a projecção das lideranças nos media comerciais e instituições. Alerta no entanto, para um “excesso de discussão teórica e ajuste ao direito estabelecido, falta de desobediência civil e articulação com movimentos populares” como “cooperativas de reciclagem, Movimento Sem Terra, sem-teto, vendedores ambulantes, motoristas, autonómos”. Tal como na resposta à pergunta anterior, Bernardo Schepop não destaca nenhum aspecto negativo: “A iniciativa em si é o melhor do projecto (...) Alguns insucessos decorrentes de tentativas fazem parte, são ensinamentos importantes”.
4.2.4 - Visões Pessoais Sobre o Metáfora e o MetaReciclagem
Por último, procurámos obter dos inquiridos a sua opinião pessoal e resumida sobre o que foi o Metáfora e o que é actualmente o MetaReciclagem. Alguns dos participantes encaram ambas as iniciativas como TAZs efémeras onde “o ciclo de colaboração só pode existir com a impermanência das acções”, como Dimantas refere, uma vez que “a continuidade traz consigo a burocratização das acções e a falta de diálogo”:
O Metáfora abriu as possibilidades de reapropriação de ideias e a catalização dos conhecimentos. O MetaReciclagem deu continuidade ao processo, tende a extinguir-se com o próprio crescimento (Hernani Dimantas)
(Foram) projectos de vida :) Em primeiro lugar, uma vivência colectiva radical, de questionamento profundo sobre as fronteiras da criatividade e do trabalho colectivo (Felipe Fonseca).
Uma maioria de inquridos faz no entanto uma distinção clara de um projecto do outro, concebendo o Metáfora como um laboratório de ideias, provisório e temporário, e o segundo como o resultado concreto dessa “incubadora colaborativa” que subverte a lógica tradicional dos projectos de inclusão digital. Um testemunho representativo é o de Tupi Namba, que entende o Metáfora como tendo sido um “lugar para conversar sobre alternativas terceiro-mundistas de uso de tecnologia, caminhos para inclusão social adaptados às mudanças do sistema económico” e onde os media tácticos e o software livre eram compreendidos como “instrumentos de transformação económicos e social”. Mais ainda, na sua opinião, este espaço serviu para colocar em prática alguns projectos e performances. Segundo Tupi, o MetaReciclagem constitui uma “alternativa não-corporativa aos programas de inclusão digital”, bem como um “possível embrião de um modelo de educação, negócios e empreendimentos adaptados à realidade terceiro-mundista tupiniquim”. Outros depoimentos de participantes corroboram esta posição:
Metáfora foi a porta para um novo mundo. MetaReciclagem é o jeito de viver nesse novo mundo (Dalton Martins).
O Metáfora foi a semente de um novo movimento de rearranjo social a partir de dinâmicas menos focadas na propriedade e autoridade e mais ligadas à solidariedade, ludicidade e autonomia. O Metareciclagem é a primeira instância concreta desse rearranjo social. E tem muito ainda a evoluir (Daniel Pádua)
Metáfora é (foi) um grande laboratório de idéias: todos *xemelizando* conceitos e idéias, culminando na concretização de alguns projetos específicos, como o MetaReciclagem.
São, ambos, uma somatória de tudo isso citado acima. E, ao mesmo tempo, uma certeza de que se pode construir algo somente com a união de algumas pessoas, e uma esperança de que podemos construir um mundo mais justo e colaborativo (Paulo Bicarato).
Metáfora mostrou-me que existe vida além do limbo digital, vida pensante e ativa, MetaReciclagem é a ação resultante desse pensamento vivo, uma prova de que a organização social como conhecemos e as teias que envolvem os grupos estão para ser redefinidas num futuro próximo (Edney Souza).
Metafora foi... uma ilusão colectiva? Não, na verdade acho que (...) foi uma tentativa muito bem sucedida do Felipe de unir pessoas interessantes, pensantes em uma lista ativa. O Metareciclagem para mim é um exemplo de como se deveria fazer 'inclusão digital' (Adriana Veloso).
Por último, registámos também as impressões de um grupo de participantes do núcleo inicial do Metáfora que se desligaram do colectivo após o seu fim e o prolongamento autónomo do MetaReciclagem:
Entendi que o Metáfora estava mais para um levantamento Hakin Bey, uma TAZ, que para uma acção. O Metáfora era um XML, ou xemele, no sentido de um código aberto de informações (...) Deste levante muitas foram as idéias novas. Um fluxo intenso (...) A interacção entre alguns persiste, mas o Metáfora não existiu de forma tangível (Bernardo Schepop).
“Metáfora foi uma junção de assuntos e idéias pertinentes ao período (principalmente concentrada numa grande cidade), que necessitavam de discussão para esclarecer/desmistificar/facilitar práticas, visando alguns pontos críticos da relação da tecnologia da informação com a sociedade (Giseli Vasconcelos).
Conclusão Final
Da análise do Metáfora e do Metareciclagem que efectuámos atrás, tentámos evidenciar o carácter táctico de ambos os projectos, tendo em conta a teoria dos media tácticos de David Garcia e Geert Lovink. Com efeito, embora não possam ser considerados iniciativas de “crise, crítica e oposição”, eles potenciaram e potenciam a utilização de meios de comunicação DIY empregando tecnologia digital - mas não só - por parte de indíviduos e grupos que se sentem oprimidos ou excluídos de uma cultura mais vasta, seguindo a definição de Garcia e Lovink (1997).
Não possuindo uma agenda política de protesto que se possa comparar ao activismo de outros projectos que são classificados e se assumem como media tácticos, a abordagem adoptada pelo Metáfora e continuada, pelo menos parcialmente, pelo MetaReciclagem tem importantes implicações políticas que se coadunam com o sentido do termo de tácticas na acepção original de Michel de Certeau, isto é, truques e astúcias, manipulações e subversões várias que no seu conjunto, consistem numa arte do fraco contra o forte, embora não num sentido de confronto directo e intencional.
A “caordem” e o “Xemêlê” que orientaram permanentemente a actividade do Metáfora podem ser vistos como metáforas para os conceitos de nomadismo, hibridismo, mobilidade, amadorismo que autores europeus e norte-americanos como Garcia e Lovink e o Critical Art Ensemble (2001) empregam e que são normalmente aplicados a práticas com contornos mais activistas e de protesto. Nesse sentido, esses termos exprimem uma adaptação “tropicalista” dos media tácticos que esteve sempre presente em ambos os projectos, embora muitas vezes de um modo não-deliberado.
Partindo do contexto da sociedade brasileira, marcada por grandes contrastes económicos, estas iniciativas visam oferecer métodos para transformar as ferramentas mediáticas de forma a melhorar a vida da população, tendo em conta que esta é maioritariamente pobre e afastada da tecnologia, da cultura letrada, do mercado e da Democracia. Segundo Felipe Fonseca, essas pessoas que vivem em bairros periféricos não têm nada para dizer nem pretendem afirmar algo a um público; querem apenas comunicar, conversar e interagir entre si. Para tal, dá como exemplo o facto de os telecentros públicos serem principalmente utilizados para aceder às salas de chat (Fonseca, 2003a)187.
Na medida em que a cultura brasileira é entendida por Fonseca como uma cultura hacker, nesta perspectiva o papel tradicional dos media tácticos deixa de fazer sentido, uma vez que o interesse da população na utilização dos media não é tanto o de atingir uma audiência, mas o de falar entre si. Isto explica, na sua opinião, a incapacidade da maioria dos projectos tácticos que envolvem a produção de media por pessoas pobres em produzir conteúdos com uma mensagem crítica, não passando quase sempre de “uma paródia ou simulacro dos media comerciais tradicionais” (idem).
Na opinião de Felipe Fonseca, a população brasileira não necessita de jornais locais, rádios comunitárias e vídeos amadores mas de media que utilizem a comunicação para integrar as pessoas de forma a que estas possam partilhar a informação que realmente importa para elas. Tendo em conta esta especificidade local, a função dos media tácticos não consistiria tanto em trazer mais pessoas para a era da informação, mas em “transformar a tecnologia de forma a que elas possam melhorar de algum modo a sua qualidade de vida” (ibidem). Detectando traços comuns na actividade do Metáfora e do centro de media Sarai, propõe um modelo periférico de media tácticos relativo a países como o Brasil e a Índia em que a comunicação no sentido de diálogo entre muitos e de integração de comunidades em torno de objectivos comuns ocupe o lugar da transmissão unidireccional de informação, constituindo “uma rede à margem dos media tácticos, mas que talvez não seja classificável como tal. Mais uma reinvenção dos media. Pessoas que se esforçam em criar novos usos para a tecnologia” (Fonseca, 2003c).
Esta última frase assemelha-se à ideia expressa pelo escritor de ficção científica William Gibson quando escreveu que “a rua encontra sempre novos usos para as coisas”, isto é, a tecnologia. Referindo-se às suas divergências com o modelo euro-americano de media tácticos como contra-propaganda, Felipe Fonseca deixa algumas pistas para o futuro deste tipo de práticas mediáticas no contexto de países periféricos como o Brasil:
Se vamos pensar num medium (ou vários media) que tenham o objetivo explícito de beneficiar milhões de pessoas que hoje estão ausentes do debate sócio-político-científico-cultural, não podemos criar simulacros dos media de massas. Claro que estes são úteis, mas com o objetivo único de desmascarar a credibilidade das mega-corporações de comunicação. Mas isso é combater o passado e o presente. Se vamos pensar no futuro, creio que devemos infundir desde o início as possibilidades que surgem com as novas tecnologias: a colaboração, o relacionamento de pessoas com pessoas (e não de mensagens para pessoas), a construção de conhecimento colectivo e adequado a cada realidade (...) Digo, não fazer contra-media, mas romper as nossas hesitações em relação ao uso de tecnologia (tinta na caverna, lápis e papel, Jabber188 e Drupal) para juntar as pessoas com ideias, perspectivas e objetivos em comum. Pensar em estratégia e táctica autoconstruindo-se, simultaneamente (Fonseca, 2003b).
Nesta dissertação, foi nossa intenção realçar a distinção entre um modelo periférico e um modelo activista de protesto e denúncia dos media tácticos, associado aos colectivos da Europa Ocidental e da América do Norte, em particular, através das análises empíricas que efectuámos quer ao Metáfora/MetaReciclagem, quer ao CMI-Portugal. Na medida em que o Indymedia português vê-se obrigado a recorrer à censura e à centralização das tarefas de edição para aplicar a sua política editorial, acaba por correr o risco de cometer os mesmos erros que denuncia nos órgãos de comunicação social dominantes, como a propaganda e a falta de transparência. Em contraste, tanto o Metáfora como o MetaReciclagem basearam-se num ambiente online aberto e colaborativo (wikis e listas de discussão não-moderadas), tendo adoptado uma estrutura descentralizada de núcleos autónomos, uma “caordem” situada entre o caos e a ordem que, apesar de implicar uma actuação a curto prazo e efémera, elimina qualquer nível de intermediação entre o medium ou a tecnologia e o indivíduo que possa constituir um obstáculo à auto-produção mediática.
“Reservas feitas, os nomes conhecidos por aí de media tácticos fazem uma espécie de contra-media. Muitas vezes usam as mesmas ferramentas dos media de massa (manipulação, exagero, falso testemunho, sensacionalismo) no sentido contrário”, criticou Felipe Fonseca (2003c), para quem a maior parte das iniciativas do projecto Metáfora “não foi exactamente activista” no sentido do modelo tradicional de media tácticos189. Dois anos depois do fim do Metáfora, Fonseca esclareceu a sua posição a este respeito na entrevísta que realizámos:
O nosso trabalho nunca foi tão concentrado na questão mediática em si. Sempre houve um grande interesse pelas acções de media tácticos, mas creio que não constituímos um agente coerente que se limitou a esse contexto. A MetaReciclagem chegou inclusivé a questões muito mais profundas do que somente a comunicação: propondo a desconstrução das tecnologias e o estudo das gestualidades a que essa desconstrução conduz, pudemos propôr outro tipo de questões a respeito do papel que as tecnologias podem desempenhar na transformação pessoal (Fonseca, 2003b)
No entanto, esta desconstrução da tecnologia parece estar no cerne de toda a actividade dos media tácticos, de acordo com alguns autores como Alexander Galloway (2004: 206) para quem o objectivo deste tipo de práticas é moldar a tecnologia de forma a que dê resposta às verdadeiras necessidades e desejos dos utilizadores ou com Graham Meikle (2002: 119), segundo o qual se tratam de utilizações subversivas e/ou criativas das tecnologias de comunicação por indivíduos normalmente excluídos do acesso a elas. Numa entrevista realizada por ocasião de uma visita ao Brasil, Geert Lovink chega mesmo a referir o MetaReciclagem como um exemplo de um modelo alternativo de media tácticos que vai para além das meras tácticas antagonistas e de protesto para interferir no quotidiano das pessoas:
Raquel Rennó: (...) Você disse, em entrevista à revista Artnodes que “existe uma distância entre assuntos abstractos como a dívida do Terceiro Mundo, os acordos mundiais de comércio, as políticas financeiras e a miséria quotidiana, com a sua luta local, concreta. Não creio que o activismo na internet, ou aliás, os media tácticos, sejam capazes de superar essa distância. O que podemos fazer é um intercâmbio de conceitos”. As acções de grupos como o Irational, de Daniel Andújar, da Espanha, ou o Metareciclagem, do Brasil, não serviriam como exemplos de procedimentos concretos que pretendem ir além da simples denúncia, criando uma possibilidade de interferência local através da educação digital (ensinar as pessoas a construir hardware e a usar software de fonte aberta) de indivíduos economicamente excluídos?
Geert Lovink: Sim, a maior parte dos grupos de media tácticos facilita o acesso a fim de fomentar novos diálogos. Não há nada contra isso. No entanto, o que me interessa mais é o que acontece a seguir, depois do acesso e do intercâmbio. Na minha opinião, as iniciativas interessantes de media tácticos não apenas facilitam, mas questionam e desconstroem, especialmente a mitologia das suas próprias tecnologias.
O Irational e o Metareciclagem não são telecentros comuns que fornecem formação para o uso de software hegemónico. Tratam-se de projetos profundamente metafóricos, críticos, conceptuais. São protótipos. Realizam experiências sociais numa era de demo design. Constróem memes (Lovink, 2005).
Na medida em que propõe uma reapropriação activa das tecnologias de informação e comunicação, o MetaReciclagem pode ser entendido como uma forma de bricolage, artesanato tecnológico, que opõe o conhecimento fechado do engenheiro e técnico especializado a uma abordagem aberta assente na autonomia do indíviduo em relação ao hardware, que passa pela liberdade para abrir os computadores, entender o seu funcionamento, juntar novas peças e assim “criar novas classes de máquinas pensantes”. O computador deixa de ser um instrumento de domínio, uma caixa preta impenetrável a que o utilizador se deve submeter de modo a adquirir as capacidades valorizadas no mercado de trabalho, passando a ser “um brinquedo onde as peças se encaixam, surgindo de repente um conjunto de novas possibilidades”190.
Neste sentido, estamos perante uma reinvenção da táctica da sucata, essa “arte do desvio” que Michel de Certeau refere como uma das práticas, juntamente com o acto de ler, cozinhar ou deambular pela cidade, que “introduzem jeitos de artistas e competições de cúmplices no sistema da reprodução e da compartimentalização pelo trabalho e pelo lazer” (Certeau, 1990 [1980]: 50). Para o teórico francês, o trabalhador que recupera material descartado para proveito próprio e utiliza as máquinas por conta própria deitado fora pela fábrica onde trabalha, subtraindo à fábrica tempo com vista a um trabalho livre, criativo r não lucrativo, realiza “golpes” no terreno da ordem estabelecida. Desta forma, o MetaReciclagem, ao negar a obsolescência forçada da tecnologia pelo mercado, surge também como uma forma de se insinuar junto do sistema tecnológico como “um estilo de trocas sociais, (...) de invenções técnicas e (...) de resistência moral, isto é, uma economia do «dom» (de generosidades como desforra), uma estética de «golpes» (de operações de artistas) e uma ética da tenacidade (mil maneiras de negar à ordem estabelecida o estatuto de lei, de sentido ou fatalidade” (idem: 45-46)
1O termo low-tech refere-se a uma prática comum entre os hackers de empregar tecnologia barata para subverter o sistema da indústria da tecnologia de ponta, aliando a criatividade à falta de recursos.
2Para saber mais sobre o monopólio da Globo, em especial durante o periodo da ditadura militar, ver o documentário Beyond Citizen Kane de Simon Harzog (BBC), realizado em 1993, que continua oficialmente proibido no Brasil apesar de poder ser acedido através do site do Centro de Media Independente brasileiro: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/08/260618.shtml.
3Ricardo Rosas insere o aparecimento dos media tácticos e do activismo digital no século XXI no contexto de uma história de mais de 30 anos de produção mediática independente no Brasil: "Durante a última ditadura, nos anos 70 (,,,) a 'imprensa nanica' - pequena -, produziu inúmeras fanzines, samizdats e revistas culturais contra o governo, o que gerou uma espécie de contracultura (...) A partir da década de 80 este movimento foi gradualmente reduzido ao mercado comercial das publicações para fãs. A renovação dos media agit-prop ocorreu apenas no final dos anos 90, a seguir à vaga mundial dos protestos anti-globalização" (Rosas, 2004)..
4Site disponível em http://www.midiatatica.org/mtb/index.htm.
5Site disponível em http://www.bijari.com.br.
6Site disponível em http://www.ocas.org.br.
7Site disponível em http://www.interfusion.com.br.
8Site disponível em http://latuff2.deviantart.com.
9Site disponível em http://muda.radiolivre.org.
10Site disponível em http://www.museudapessoa.com.br.
11Site disponível em http://www.midiatatica.org.
12Site disponível em http://autolabs.midiatatica.org.
13Esta iniciativa de Tatiana Wells que surgiu a partir de discussões dentro da lista do Metáfora no Yahoo! e, tal como o Museu da Pessoa, dedica-se à recolha de histórias das comunidades periféricas. Site disponível em http://chd.memelab.org. Para saber mais sobre os workshops de histórias digitais do Autolabs verhttp://www.contratv.net/HD/. O material que resultou desses cursos está disponível em http://autolabs.midiatatica.org/modules/mydownloads/viewcat.php?op=&cid=14.
14Site disponível em http://www.basev.has.it/.
15Site disponível em http://www.telecentros.sp.gov.br.
16Segundo dados obtidos do site do programa da prefeitura de São Paulo em Fevereiro de 2006, existiam nessa altura 119 Telecentros contando no total com 847 mil utilizadores registados.
17Da mesma opinião são outros activistas como Tatiana Wells, do Mídia Tatica, e Felipe Fonseca e Hernani Dimantas, do Metáfora e Metareciclagem. Wells refere que o modelo estatal dos telecentros centrado no simples acesso à informação é insuficiente se se pretende compreender o fenómeno da segregação digital num cenário mais alargado de discriminação racial, sexual e de classe (Wells, 2005). Fonseca sugere uma via alternativa que passa pela apropriação tecnológica: "Muitos telecentros funcionam como cibercafés gratuitos (...) A preocupação é que as comunidades tenham acesso à internet. Mas pouco se fala que as pessoas não precisam ser apenas utilizadores, e que podem ser co-autores. Se o que procuramos é transformação sustentável, gerar autonomia é fundamental" (Fonseca, 2005a). Segundo Dimantas, as acções dos Telecentros e infocentros correspondem a uma segunda fase de inclusão digital em que, para além do mero acesso ao computador, existe o acesso à informação. Para Dimantas, este processo requer uma terceira fase que garanta o acesso à informação e sua circulação, bem como a produção local de conhecimento. Do seu ponto de vista, projectos como o Metáfora e o Metareciclagem representam modelos dessa nova fase, pautada pela colaboração descentralizada (Dimantas, 2004a)
18Esta perspectiva optimista da experiência dos Autolabs de Rosas não é, no entanto, partilhada por Felipe Fonseca (2005) que, como veremos mais à frente, faz um rescaldo mais pessimista.
19Como refere David Garcia, "o governo brasileiro tem uma das políticas mais activas e vocíferas do mundo sobre o software livre e as licenças abertas de propriedade intelectual" (Garcia, 2004a). Encontra-se actualmente em planeamento a migração de todo o o software nos computadores da Administração Pública para Linux. Foi também apresentada uma lei na Assembleia Federal do país para introduzir uma licença Creative Commons comum para todo o trabalho imaterial gerado no Brasil. O próprio Gilberto Gil licenciou já a sua música Oslodum no âmbito da Creative Commons, tendo sido incluída uma remistura dessa faixa realizada pelo DJ Dolores num CD que contava com 16 faixas de vários artistas como Wilco e Björk e que foi oferecido junto com o número de Novembro de 2004 número da revista Wired. Ver mais em http://www.wired.com/wired/archive/12.11/linux.html. Outra iniciativa do Governo Federal para promover a adopção do software livre em grande escala é o PC Conectado, lançado em Janeiro de 2006 e que financia a aquisição de computadores com um preço até 1500 reais (cerca de 500 euros) em 24 prestações.
20Ver também Freire, A. et al. (2005).
21Site disponível em http://www.cultura.gov.br/programas_e_acoes/cultura_viva/index.php. Ver também página na wiki do MetaReciclagem em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/PontosdeCultura.
22Site disponível em http://www.midiatatica.org/digitofagia/.
23A iniciativa foi preparada ao longo de três meses através de uma lista de correio electrónico em português e outra em inglês. Uma selecção dos textos e discussões mais importantes foi publicada num documento disponível em formato PDF disponível em http://www.midiatatica.org/ip/downloads/digito_cookbook.pdf.
24Ver texto do Manifesto Antropófago em http://www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/manifantropof.html.
25Schütze (2000). Este autor vislumbra uma ligação entre as práticas antropofágicas e as tácticas de incorporação parasítica de alguns projectos artivistas como a RTMark, Mongrel (www.mongrelx.org), JODI (www.jodi.org), m9ndfukc (www.m9ndfukc.org) e Shredder (www.potatoland.org/shredder) de Mark Napier.
26Esta metáfora seria também adoptada pelo Tropicalismo, o movimento de música popular brasileira do final dos anos 60 representado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros, que efectuaram uma fusão do samba com a contra-cultura e a música Pop e Rock da altura, como se pode ler no site do Digitofagia e no texto de Felipe Fonseca (2005).
27Site disponível em http://www.midiatatica.org/ip/.
28O "esporo" ou núcleo do Metareciclagem no Rio de Janeiro é coordenado por Ricardo Ruiz e Tatiana Wells que são, paralelamente, membros do Midia Tática.
29Intitulada Submidialogia, teve lugar em Campinas no final de Outubro e serviu para discutir os media digitais brasileiros e contou com convidados estrangeiros como Monica Narula, do Sarai, e Derek Holzer, organizador do N5M e artista multimedia. Ver site em http://radiolivre.org/submidia/submidialogia.
30Em resultado desta Fellowship, Beatriz Rinaldi e Fernando Henrique viajaram para Nova Deli em Julho de 2005, para realizarem uma residência de dois meses num dos Cybermohalla, centros multimédia instalados pelo Sarai em bairros degradados da cidade.
31Site disponível em http://www.contratv.net.
32Site disponível em http://www.recombo.art.br.
33De acordo com a definição para o termo equivalente "samplear" - em português brasileiro - do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, consiste no acto de "gravar e processar (sons previamente gravados) por meio de um sampleador" - sampler no original em inglês -, isto é, "um instrumento electrónico" que utiliza esses excertos sonoros que são gravados e "armazenados digitalmente na sua memória, podendo alterá-los de diversas formas, à maneira de um sintetizador". Ver entradas relativas a "samplear" e "sampleador" no mesmo dicionário (2003: Vol. VI). A técnica do sampling começou por ser introduzida na música popular através do Hip-Hop no início dos anos 80.
34Site disponível em http://www.radiolivre.org.
35Andriotti (2004). Esta autora distingue com maior detalhe a história das rádios livres e comunitárias e as suas ligações recíprocas. Para esta autora, inicialmente as rádios brasileiras de comunicação popular eram consideradas todas livres, na medida em que estavam ilegais e não tinham fins lucrativos, ao contrário das emissoras piratas que possuem intuitos comerciais (idem: 12-13). Mas com o processo de legalização das primeiras rádios livres, desencadeado pela lei 9612/98 que regulamento a radiodifusão de baixa potência, as estações que se institucionalizam passam a ser designadas de comunitárias (ibidem: 122-123; 150-151). Esta dissertação inclui ainda um estudo de caso sobre a Rádio Muda FM, onde colabora desde 1993.
36Veloso (2003). Neste artigo, Thiago Novaes, locutor da Muda, refere que nos poucos meses após a entrada em funções do novo governo de Lula "foram fechadas mais rádios do que durante o governo FHC (Fernando Henriques Cardoso) inteiro". Na verdade, o número de rádios fechadas pela Anatel durante o primeiro ano do actual governo cresceu 37 por cento, de acordo com os dados de uma notícia publicada a 10 de Outubro de 2004 pela Agência Brasil - um serviço noticioso público - (disponível em http://www.radiobras.gov.br/materia_i_2004.php?materia=204512&editoria=). Um facto revelador das contradições internas do executivo é que Cláudio Prado é responsável pelo programa Imidiático emitido nessa mesma estação. A propóstio do exemplo de resistência da Muda, o articulador de políticas digitais do Ministério da Cultura afirma: "O que acho bonito nessa história é que as rádios brasileiras estão mudas e a Muda está falando" (Veloso, 2003). De salientar que Thiago Novaes é hoje um dos coordenadores da acção Cultura Digital do mesmo ministério, trabalhando directamente com Prado.
37A Submidia apresenta-se no seu site como sendo um "grupo de pesquisa e actuação pela subversão dos padrões sociais de uso das tecnologias de comunicação enfatizando a imaginação, criação e aplicação de OUTRAS relações com os meios" criado por estudantes da Unicamp e que actua na área da rádio para a Web e do software livre. Site disponível em http://submidia.radiolivre.org.
38Andriotti (2004: 193-221). A autora aborda a história da participação da Muda nas três primeiras edições brasileiras do Fórum Social Mundial, inicialmente à margem da programação oficial do evento, com a instalação de uma emissora móvel no local destinada a efectuar a cobertura radiofónica do Fórum e a realização de oficinas de formação em rádio para outras estações livres e comunitárias.
39Ver texto da carta em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/03/249595.shtml.
40Ver página solicitando a participação de novos voluntários disponível em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/static/volunteer.shtml.
41Ver arquivo das emissões em http://ftaaimc.org/or/static/radio_en.shtml.
43Ver wiki do Polimedia Lab em http://docs.indymedia.org/view/Global/NossoMidiaLab.
44Citações retiradas das entradas"jeitinho" e "gambiarra" do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2003), IVº volume, Lisboa, Círculo de Leitores.
45Certeau explica que este termo consiste num jogo de palavras que associa a acrobacia de um saltimbanco com a sua arte de saltar no trampolim (Certeau, 1990 [1980]: 34).
46Ver Pastori, José (2005), "Perspectivas e Problemas do Emprego no Brasil", Seminário Brasil-Canadá: Desafios para a Criação de Empregos, CEBRI, Brasília, 10 de Março. Disponível em http://www.cebri.org.br/pdf/232_pdf.pdf (acedido a 13 de Janeiro de 2006). Este sociólogo brasileiro refere ainda que "em 1985 havia um emprego formal para cada 2,7 trabalhadores; em 2002, essa proporção subiu para 1 emprego formal para cada 3 trabalhadores".
47Porém, esta percepção de que o número de vendedores ambulantes no Brasil extremamente grande contrasta com os dados relativoa a 2003 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Serviço Brasileiro de Apoio âs Micro e Pequenas Empresas (SEPRAE), segundo os quais, apenas existem 711,8 mil "camelôs" no Brasil, o que corresponde a 6,9 por cento das 10,3 milhões de empresas informais. Contudo, este estudo sobre a Economia Informal Urbana apenas considera como empresas informais as que que tenham até cinco empregados e não separam a sua contabilidade da do proprietário. Ver estudo em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/ecinf/2003/default.shtm (acedido a 13 de Janeiro de 2006).
48Com a intenção de oferecer um retrato pitoresco e irónico da economia informal brasileira ao resto do mundo, a delegação brasileira no festival Next Five Minutes de 2003, em Amesterdão, composta por Felipe Fonseca, Ricardo Rosas, Ricardo Ruiz e Tatiana Wells teve a ideia de fazer uma instalação/intervenção "à entrada do De Balie, o centro do evento que consistitu numa banca de 'camelô' com o câmbio invertido: os europeus só podiam comprar com reais, que custavam três euros cada" (Fonseca, 2005).
49Esta posição assemelha-se também em parte à filosofia de actuação do colectivo Mídia Tática de, com o Autolabs, alcançar o centro a partir da periferia no sentido de provocar mudanças nas políticas públicas de inclusão digital (Garcia, 2004a e Rosas, 2004).
50Ver entrada para "mutirão" em Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2003), tomo V, Lisboa, Círculo de Leitores. Este dicionário apresenta ainda outras definições semelhantes de "mutirão": "mobilização colectiva para auxílio mútuo de carácter gratuito, especialmente entre trabalhadores do campo, por ocasião da roçada, colheita, etc. (...) Serviço sem ónus prestado por membros de uma comunidade, geralmente visando a construção ou o melhoramento de um imóvel".
51Ver entrada para "puxada" no Dicionário de Língua Portuguesa (2003), idem. Outros sinónimos do mesmo termo referidos por este dicionário são "puxá", "puxado" e "puxação".
52A este propósito Felipe Fonseca afirma terem exisitido raízes culturais hackers no país desde muito antes da criação do primeiro computador (Fonseca, 2005).
53Utilização de weblogs no ambiente corporativo com a finalidade de estimular a colaboração e a organização pessoal do conhecimento.
54Utilização de weblogs em empresas para serviços de marketing junto de clientes.
55Grande parte do arquivo desta lista encontra-se disponível em http://metareciclagem.org/metafora/temp/lista_ygroups/. O arquivo está dividido em cinco ficheiros: o primeiro – grab.htm - vai até à mensagem nº 1501, o segundo – grab2.htm - vai da 1502 à 3001, o terceiro – grab3.htm – vai da 3002 à 4501, o quarto – grab4.htm – vai da 4502 à 6001 e o quinto – grab5.htm – vai da 6002 à 7501. Este arquivo não contém, contudo as mensagens datadas desde o final de Março até ao final de Junho de 2003, isto é, cerca de 2500 do total de 10 mil enviadas para a lista.
56Forma de protecção dos direitos de autor que tem como objectivo prevenir que sejam colocadas barreiras à utilização, difusão e modificação de uma obra criativa devido à aplicação clássica das normas de Propriedade Intelectual. A General Public Licence, licença que protege a maior parte do software livre, é uma forma de copyleft.
57Meros leitores das mensagens enviadas para a lista de discussão, que nunca intervêm publicamente.
58Ver mensagens nº 7, 8 e 9 do arquivo trocadas entre Paulo Colacino e Felipe Fonseca e a mensagem nº 1191 que contém uma reflexão do primeiro sobre o que tinha sido a evolução da lista até então. No questionário por email que realizámos, Tupi Namba assemelha o discurso inicial do Metáfora com “o empreendedorismo geek flower power de Silicon Valley e do anarquismo do periodo punk".
59Esta intenção de adequar a linguagem do discurso ao resto da sociedade está patente numa mensagem de Felipe Fonseca enviada para a lista a 24 de Julho de 2002 (nº 1059):
Acho que a nossa história aqui, como eu postei antes, xemlê de ideias, e tal, é fazer o meio termo de algumas coisas. Não ser tão geek, nem tão mercado, nem tão jornalixta, nem tão revolucionário que impeça o diálogo com os outros e com a sociedade (que, ao menos na minha opinião, é uma das motivações de projectos abertos como nosso grupim).
60Ver mensagens nº 5651 (Dalton Martins) e 5661 (Felipe Fonseca) no arquivo da lista.
61Ver arquivo quase completo da lista em http://amsterdam.servershost.net/pipermail/xemele_projetometafora.org. Deste arquivo não constam as mensagens enviadas para a lista na segunda quinzena de Setembro de 2003. O backup original do arquivo desapareceu irremediavelmente em 2004.
62A ideia de caordem foi introduzida na lista, logo no início, por Paulo Colacino, numa mensagem enviada para a lista sobre o modo de organização que iria reger a lista:
Primeiramente valeu Felipe pela criação do espaço. Vamos provar aqui que várias cabeças, dão mais cabeçadas que uma só e juntas cabeceam melhor do que sozinhas. É isso aí.
O segundo desafio é organizar isso aqui, se é que será possível. Vamos ter um diretriz, projetos, um objetivo, ou vamos discutir à esmo ? Caos ? Ordem ? Ou caordem ?
Felipe Fonseca respondeu de forma contundente:
Caordem.
Arquivos e Bookmarks: Caordem também. Cadum faz do jeito que quiser. Desde que passe o recado.
Ver mensagens nº 3 e 6 do arquivo da lista. O termo vem do inglês chaord introduzido por Dee Hock, fundador e director-executivo emérito da Visa, para designar qualquer organismo, organização ou sistema, tanto fisíco, biológico como social, que seja complexo, não-linear, auto-organizado e capaz de se adaptar ao seu meio-ambiente apresentando um comportamento que funde harmoniosamente características de caos e ordem. Uma chaord seria também qualquer entidade cujo comportamento revela padrões e probablidades observáveis que não são controlados ou explicados pelo comportamento das suas partes. Hock aplicou o conceito de “organização caórdica” à Visa, seguindo os princípios organizativos fundamentais da natureza. Ver Hock, Dean (1999), “Birth of the Chaordic Age”, Berrett-Koehler Publishers.
63Inspirado no conceito de noosfera teorizado pelo jesuíta francês e paleontólogo francês Teillard de Chardin relativo a uma esfera do pensamento humano composta por todas as inteligências humanas que evolui em direcção a uma maior integração, Lévy argumenta de um modo optimista que as redes de computador, os ambientes virtuais e o multimédia estão a possibilitar o surgimento de um espaço do conhecimento que irá unir as nossas mentes num todo que será potencialmente maior que a soma das partes:
O que é a inteligência colectiva? É uma inteligência globalmente distribuída, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que conduz a uma mobilização efectiva das competências (...) O fundamento e o fim da inteligência colectiva é o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas e não o culto de comunidades fetichisadas ou hipostasiadas (Lévy, 1997 [1994], 38).
Empregando um discurso teórico que será mais tarde explorado por Hardt e Negri no conceito de “Multidão”, embora numa perspectiva mais marxista (2000 e 2004), Lévy escreve:
O colectivo inteligente não submete nem limita as inteligências individuais; pelo contrário, exalta-as, fá-las frutificar e abre-lhes novas potencialidades (...) Faz crescer uma forma de inteligência qualitativamente diferente, que vem juntar-se às inteligências pessoais, uma espécie de cérebro colectivo ou de hipercórtex.
Hipercórtex foi, aliás, o nome de um dos projectos individuais de Felipe Fonseca antes do Metáfora, e que seria uma “combinação de enciclopédia, jornal, dicionário, fórum e chat” construída pelos utilizadores, partindo do modelo do Slashdot. Fonseca iria retomar o termo como nome de um blog.
65Cópia de arquivo do texto “Metáfora: incubadora colaborativa” disponível em http://web.archive.org/web/20021223221540/http://www.novae.inf.br/neural....
66Inicialmente, o modelo da tríade incluía o conteúdo em lugar da interacção, de acordo com a mensagem nº 967 de Daniel Pádua enviada para a lista a 22 de Julho de 2002 relativo à proposta de criação da UTIL (União pela Tríade da Informação Livre, que não veio a ser posta em prática. Em reacção às tentativas das indústrias de tecnologia e entretenimento de controle e vigilância através de tecnologia supervisionada por extensões de hardware, software proprietário e conteúdos de acesso restrito, a UTIL deveria ter uma missão de “evangelização” no sentido de alertar os utilizadores para a necessidade de uma estrutura de comunicação online livre assente em: 1) tecnologia reciclada e redes comunitárias sem fios; 2) software livre; 3) blogs, redes P2P e conteúdos abertos e livres. Ver página do projecto na wiki em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?UTIL.
Felipe Fonseca iria mais tarde, a 14 de Agosto, sugerir que a estrutura da tríade servisse como modelo das actividades do Metáfora, dado que a maioria dos projectos podia ser encaixada em cada uma das três partes (mensagem nº 1626). Em resposta, Paulo Colacino (mensagem nº 1627) propôs a inclusão da interacção ao esquema, de modo a salientar a importância das relações entre nós humanos. O logotipo do Metáfora, um círculo com três setas viradas para o centro – consiste numa representação gráfica do conceito da tríade implementada por Tupi Namba – aprovada pelo colectivo através de uma votação -, a partir de uma ideia de Bernardo Schepop (mensagem nº 1991). Ver página na wiki em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?IdentidadeVisual.
67Site disponível em http://www.lowtech.org. Durante as discussões na lista que deram origem ao MetaReciclagem, Schepop indicou o exemplo desta ONG como uma possível referência para o novo projecto (mensagem nº 335 e 553.
68Ver o arquivo de notícias publicadas sobre o MetaReciclagem em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/Clipping.
69Site disponível em http://www.blogchalking.com. A versão original ainda está disponível em http://www.blogchalking.tk. A página do projecto na wiki do Metáfora está disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?BlogChalking. Foi também criado um blog para anunciar as novidades do projecto em http://blogchalking.blogspot.com.
70Serviço de alojamento gratuito de weblogs. Disponível em http://www.blogger.com.
71Dados inseridos no código HTML de páginas Web que descrevem os dados aí contidos.
72Pádua explica o funcionamento do BlogChalking numa mensagem enviada para a lista Metáfora :
Já há algum tempo, eu sinto falta de um sistema de busca no Blogger que me permita procurar blogs por país, cidade e até bairro. Qual seria a graça desse sistema? Bom, eu leio o blog de vocês, fico conhecendo um pouco mais destes seres humanos e a distância impede muitas vezes encontros reais que poderiam trazer vários momentos felizes para a minha vida. Mas, se eu pudesse também vasculhar a rede em busca de pessoas próximas de mim (mesma cidade no mínimo), isso aumentaria o potencial de interconexão (...) E também seria legal se quando eu entrasse num blog desconhecido, ao passar o mouse sobre uma gif - imagem - no blog, a caixinha alt da gif exibisse um rápido sumário sobre aquela pessoa, tipo língua que ela fala, cidade que mora, idade, etc.
Daí que observando a lógica do 'todo-mundo-se-ajuda' do http://warchalking.org eu pensei: porque não criar um sistema que possibilite às pessoas colaborar umas com as outras para gerar essa mútua indentificação?
(...)
A idéia é que, dentro de umas duas/três semanas depois da inserção da meta tag, seja possível entrar no Google, por exemplo, e fazer uma busca assim: blogchalk 21-25 Brazil Belo Horizonte o que me retornaria uma lista de blogs de pessoas de 21 a 25 anos que moram aqui em BH.
Ver cópia da mensagem em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?BlogChalking%2FSu....
73Uma pesquisa pelo termo "blogchalk" efectuada a 23 de Janeiro de 2006 no Google indicava 514 mil resultados.
74Página do projecto no Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?BlogChalking%2FTa.... Arquivo do site disponível em http://web.archive.org/web/20030605130557/http://www.dpadua.org/blogchal....
75Site disponível em http://www.metaong.info.
76Ver mensagem nº 588 de 16 de Julho de 2002 e 2400 de 6 de Setembro de 2002 do arquivo da lista Metáfora.
77Página do projecto na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?MetaComunidade. Ver mensagem nº 314 enviada para a lista por Felipe Fonseca a 11 de Julho de 2002.
78Ver arquivo do site em http://web.archive.org/web/20040526094553/http://www.buzzine.tk/. A página da Buzzine na wiki do Metáfora está em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Buzzine.
79O manifesto, escrito por Chris Locke, David Weinberger, Doc Searls e Rick Levine, decreta o fim da estrutura tradicional do sector empresarial devido ao impacto da Internet que potencia o surgimento de um mercado interconectado, aberto e transparente e uma comunicação directa entre os consumidores e as organizações. As novas tecnologias estão a levar as pessoas a compreenderem que "os mercados são conversações": “Começou uma poderosa conversa global. Através da Internet, as pessoas estão a descobrir e a inventar novas modos de partilhar rapidamente conhecimento relevante. Em resultado directo disso, os mercados estão a ficar mais espertos — e mais espertos que a maioria das empresas". O documento surgiu pela primeira vez online em Abril de 1999 em http://www.cluetrain.com. O site contém uma versão portuguesa que foi traduzida por Felipe Albertão do Metáfora: http://www.cluetrain.com/portuguese/index.html. Em 2000 foi publicado em livro pela editora Perseus com o subtítulo The End of Business as Usual ("O Fim dos Negócios como os Conhecemos"), que desenvolve as 95 teses do manifesto.
80Site disponível em http://www.buzzine.info.
81Site disponível em http://www.memelab.org. A wiki do Memelab está disponível em http://wiki.memelab.org.
82Ver mensagem nº 1974 de 24 de Agosto de 2002 em que Schepop publica uma definição de grafo e grafo conexo.
83Schepop aborda um pouco mais em detalhe as ideias sobre a relação entre arte e tecnologia que deveriam guiar o MemeLab no documento de apresentação Memefesto onde faz referência à obra pioneira de RoyAscott no domínio da telemática durante os anos 60 e à questão da poética tecnológica. Ver texto em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?memeFesto.
84Página do projecto na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?WikiFiction. Ver cópia de arquivo da wiki em http://web.archive.org/web/20030813055806/wikifiction.memelab.org/HomePage.
85Antes das oficinas dos Autolabs, Wells tinha já coordenado outra iniciativa no âmbito do CHD ainda durante o período do Metáfora, o Livro Vivo, que visava resgatar a história das famílias dos jovens pertencentes a comunidades periféricas, ensinando-os simultaneamente a trabalhar com as novas tecnologias. Foi assim realizado um workshop de literatura interactiva com os alunos do Instituto Dom Bosco, uma ONG de apoio a crianças e jovens de famílias em situação de exclusão social em São Paulo. Ver página do Livro Vivo na wiki do Metáfora em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?LivroVivo.
86O site do projecto já não se encontra disponível, mas é possível consultar a sua página na wiki do Metáfora em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Recicle1Politico.
87Ver registos das acções em São Paulo em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Recicle1politico..... Algumas imagens das colchas de retalhos elaboradas com o material reciclado em Belo Horizonte estão disponíveis em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Recicle1Politico%....
88O nome destinava-se a homenagear o movimento ProvOs de contracultura surgido na Holanda nos anos 60.
89Incluem-se aqui mesas redondas sobre software livre, media tácticos e rádios comunitárias e livres, peças de teatro, declamação de poesia, uma exposição do artista gráfico Latuff e um workshop de edição e produção mp3 com o colectivo Re:combo, para além de intervenções urbanas anti-propaganda por parte do grupo local Renúncia. Para acompanhar a programação do ProvOs foi criado um blog que pode ser acedido em http://prov0saction.blogspot.com. Ver, em especial, o arquivo de Novembro de 2002.
90Ver imagens da instalação em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2002/11/42706.shtml.
91Ver imagens das máscaras de André em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2002/11/42711.shtml.
92A página que alojava esta iniciativa, http://recicle1politico.midiatatica.org, já não se encontrava, porém, disponível em Janeiro de 2006-
93Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Protest%B4o%60.
94Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?GASLi. Uma cópia de arquivo do site original do projecto está disponível em http://web.archive.org/web/20030901123624/http://gasli.tk.
95Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?MetaLicenca.
96O processo de adaptação da Creative Commons, efectuado pela Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, iniciou-se em Maio de 2003 e a sua implementação ocorreu em Junho de 2004. Ver arquivo da lista de discussão em http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/ e site da Creative Commons Brasil em http://www.creativecommons.org.br/.
97Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?MetaLearning.
98Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?MetaDev.
99Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?MetaForaComunidad....
100Página na wiki do Metáfora disponível em http://ogum.metareciclagem.org/metafora.wiki/index.php?MetaMeme
101Deve-se também salientar aqui a reputação que Hernani Dimantas granjeava na época na Internet brasileira graças ao seu blog Marketing Hacker (www.buzzine.info/marketinghacker), que veio a dar origem ao livro com o mesmo nome e o subtítulo A Revolução dos Mercados, publicado em 2003 pela editora Garamond. Outro blog que contribuiu para a divulgação do Metáfora foi o Interney (www.interney.net) de Edney Souza, que em Feveriro de 2006 surgia em oitavo lugar na lista TopLinks dos sites com maior número de ligações (280 – à frente de todos os outros blogs) por parte dos bloggers brasileiros desde todos os tempos, disponível em http://toplinks.idearo.com.br/todos.php.
102Ver mensagem nº 6748 enviada para a lista por Bernardo Schepop, fazendo o balanço da primeira reunião física oficial do Metáfora a 24 de Fevereiro de 2003 no “galpão” do Agente Cidadão.
103Como reconheceu mais tarde Felipe Fonseca (2003c).
104Cópia de arquivo disponível em http://web.archive.org/web/20030608043454/www.memelab.org/telecentros.
105Ver mensagens nº 293 de 11 de Julho e 473 de 15 de Julho de 2002.
106Ver mensagem nº 321 de 11 de Julho de 2002.
107Ver mensagens nº 327 de 11 de Julho, 330 de 12 de Julho e 482 de 15 de Julho de 2002. Albertão veio inclusivé a criar um projecto na wiki do Metáfora relativo à formação de uma ONG que prestaria serviços de consultoria em software open-source a outras ONGs através de voluntários com formação técnica adequada, o UnusMundus, em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?UnusMundus.
108Ver mensagem nº 2326 de 4 de Setembro de 2002.
109Ver mensagens nº 2330, 2331e 2358 de 4 e 5 de Setembro de 2002.
110Ver mensagem nº 2332.
111Ver mensagem nº 2357 de 5 de Setembro.
112Ver mensagem nº 2373 de 5 de Setembro.
113Ver página da wiki em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?Co%3ALab. O termo CoLab, que remete através do prefixo “co-” para companhia, cooperação e colaboração e através do sufixo “-Lab” para experimentação, pesquisa ou laboratório, foi também pensado por alguns elementos do colectivo – André Passamani/Maratimba e Felipe Fonseca - para designar um espaço que funcionaria como um misto de café, bar, restaurante, sala de conferências e debates, ponto de acesso à Internet sem fios e livraria/bibilioteca. Fonseca teve a ideia para este espaço, que serviria como “uma extensão das conversações online” após a sua participação em Setembro de 2003 no festival N5M, em Amesterdão (2005). Ver página relacionada na wiki do Metáfora em http://ogum.metareciclagem.org/metafora/wiki/index.php?OpenSpace.
114Um dos casos onde a tensão entre os elementos do grupo foi mais evidente consistiu nas discussões travadas na lista Xemelê em finais de Junho de 2003 a propósito do ConecTAZ, o evento que estava a ser planeado para Outubro/Novembro desse ano e que deveria marcar o lançamento da nova ONG CoLab.
115Lamentavelmente, esta mensagem original já não está disponível excepto no texto posterior que Fonseca escreveu.
116Uma cópia da página inicial do site do Metáfora está disponível em http://www.metareciclagem.org/metafora.
117Ver a mensagem nº 96 de Felipe Fonseca enviada para a lista a 4 de Julho de 2002 em que este rectifica Paulo Colacino por lhe ter chamado de Imperador.
118Ver mensagens nº 149, 174, 220, 442, 501, 1268, 1699, 1708, 1771, 2186, 2197, 2971, 3567, 3925 e 6194 da lista do Yahoo!. Ver também na lista Xemelê: http://amsterdam.servershost.net/pipermail/xemele_projetometafora.org/20... e http://amsterdam.servershost.net/pipermail/xemele_projetometafora.org/20....
119No decurso do projecto, foram sendo lançadas várias “pesquisas de opinião” de forma a aprovar, rejeitar ou escolher determinadas propostas que alguns dos voluntários sugeriam em relação ao núcleo central do Metáfora.
120Ver mensagens nº 2988 enviada para a lista por Fonseca a 18 de Outubro de 2002. Ver também as mensagens nº 2576 de 10 de Setembro de 2002 e 4570 de 24 de Outubro de 2002.
121Ver mensagem nº 5619 de 17 de Dezembro de 2002.
122Ver mensagem nº 5631 de 17 de Dezembro de 2002.
123Ver mensagens nº 5638 e 5640 de 18 de Dezembro de 2002.
124Ver mensagem nº 5640 de 18 de Dezembro de 2002.
125Em Março de 2003 viria a ser implementado um sistema de comunidade online baseado na plataforma Drupal de forma a dar resposta a essa necessidade de uma maior comunicação interna e externa. Este sistema, integrado no site do Metáfora, já não se encontra disponível. Ver cópia de arquivo em http://web.archive.org/web/20031022213440/http://drupal.projetometafora....
126Ver mensagem nº 5669 de 19 de Dezembro de 2002.
127Ver mensagem nº 6982 de 28 de Fevereiro de 2003.
128No início de 2005, Felipe Fonseca retomou a ideia do Metáfora sob o nome de CoLab, através de uma lista de discussão e de uma wiki. Ver arquivos da lista em http://www.colab.info/cgi-bin/mailman/listinfo/lista e wiki em http://www.colab.info/wiki/index.php/Pagina_Inicial. Apesar do ímpeto inicial na troca de ideias, um ano depois o projecto encontrava-se estagnado, servindo apenas para discussões de ideias não relacionadas com os assuntos debatidos na lista do MetarReciclagem. Entre as iniciativas apresentadas no âmbito do CoLab contam-se:
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Academia Livre - visava a montagem de espaços de interacção presencial baseados no conceito de aprendizagem distribuída do MetaLearning, de forma a possibilitar o debate e a produção de conhecimento livre. O financiamento de cada espaço seria assegurado através de um modelo de sustentabilidade baseado em cotas de associados e numa moeda virtual. Ver página em http://www.colab.info/wiki/index.php/AcademiaLivre.
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CursosCoLab – ambiente online baseado na plataforma open-source Moodle destinado à criação e frequência de cursos de estudo relacionados com os colectivos de media tácticos brasileiros. Até ao início de 2006 tinham sido criados oito cursos abordando temas como produção mediática autónoma e independente, construção de distribuições GNU/Linux, sistemas colectivos de bookmarks e RSS, tecnologia social, semiótica, design gráfico e animação digital.
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MochilaWiFi – projecto para a criação de uma mochila equipada com um computador rodando Linux, uma placa USB WiFi e uma antena repetidora de sinal, em que esse terminal estaria ligado a um módulo de mão formado por um monitor e um teclado de um telemóvel usado. Esta mochila permitiria partilhar o acesso à Internet sem fios em zonas periféricas não abrangidas pelos serviços das empresas de telecomunicações.
Na entrevista que realizámos, Fonseca explica a suspensão do CoLab da seguinte forma: “Talvez colab tenha sido um pouco de ingenuidade. Aliás, começamos como ProjectoMetáfora/dois, tentando ressuscitar a agitação que acontecia no Projecto Metafora. Mas o momento já era outro. Não fazia sentido pensar que tinhamos feito uma pausa e que seria só carregar em play novamente.”
129Ver mensagem nº 63. Paulo Colacino fez um apanhado das mensagens enviadas para a lista do Metáfora que dão conta das origens do MetaReciclagem e que está disponível em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/LivroVerdeOrigens
130Site disponível em http://www.cdi.org.br. A CDI foi criada em 1993 no Rio de Janeiro por Rodrigo Baggio a partir de uma BBS (Bulletin Board System) com a intenção de fomentar o uso das tecnologias de informação como meio de integração social junto da população desfavorecida do Rio de Janeiro. Em 2005, possuía cerca de 1000 Escolas de Informática e Cidadania espalhadas por 19 estados brasileiros, bem como em mais 10 países, contando com 1800 educadores, mais de meio milhão de educandos formados, seis mil computadores instalados e 1200 voluntários.
131Ver notícia “CDI chega a mais cinco países” publicada no Jornal do Brasil a 8 de Março de 2001 disponível em http://www.cdi.org.br/midia/midia_20010308.htm, que faz menção a uma doação da Microsoft de cinco milhões de dólares. A partir de 2003, contudo, a CDI tem disponibilizado alguns computadores com arranque duplo em Windows e Linux. Ver Cornils, Patrícia e Couto, Verônica (2005), “Reciclagem: o computador com atitude”, Revista A Rede, nº 2, Maio. Disponível em http://www.arede.inf.br/index.php?option=com_content&task=view&id=20&Ite....
132Ver mensagem nº 544 de Pádua, bem como a 122 de Colacino e a 124 de Fonseca.
133Ver mensagens nº 510 e 535. Fonseca tinha já criado anteriormente, a 11 de Julho, uma página na wiki com o nome de MetaReciclagem, contendo a proposta de Pádua. Ver mensagens nº 292 e 527.
134Adriana Veloso, que era também voluntária do CMI-Brasil, tinha enviado a 26 de Agosto de 2002 um mensagem para a lista (nº 2004) avisando que o Alameda County Computer Resource Center (ACCRC – www.accrc.org), uma ONG da Califórnia que recebe computadores e outro equipamento informático usado, reciclando-os e doando-os em seguida a projectos sociais espalhados por todo o mundo, tinha enviado um carregamento de 500 PCs, material de rádio e placas WiFi para os centros da Indymedia na América Latina, sendo que alguns seriam redistribuídos a outros movimentos. Essa hipótese não se veio, contudo, a realizar, devido ao custo elevado do frete e do processo de legalização e ao facto de o Metáfora não ter o estatuto de uma ONG. Ver mensagens nº 5597 enviada por Veloso a 16 de Dezembro de 2002 e nº 7000 enviada por Tatiana Wells a 1 de Março de 2003, redireccionando um email de Pablo Ortellado, do CMI-Brasil.
135Site disponível em http://www.agentecidadao.org.br.
136Ver mensagem nº 5592 enviada para a lista por Fonseca a 16 de Dezembro de 2002.
137Ver mensagem nº 5998 em que Martins faz um relato dos trabalhos iniciais de metareciclagem no “galpão”.
138Ver mensagem nº 7337 de 18 de Março enviada por Dalton Martins.
139Algumas imagens do Cybersocial estão disponíveis em http://metareciclagem.org/midia/imagens/cybersocial.
140Computadores-cliente que integram uma rede de arquitectura cliente-servidor e que possuem pouco ou nenhum poder de processamento, dependendo de um servidor central que corre as aplicações.
141Ver página da wiki do MetaReciclagem em http://xango.metareciclagem.org/wiki/index.php/Agente_Cidadão. Esta informação foi também retirada de Rinaldi (2005).
142Dalton Martins escreveu sobre a abertura do laboratório à população local e sobre o início do curso de formação em http://dmartins.blogspot.com/2003/12/muito-tempo-sem-escrever.html e em http://dmartins.blogspot.com/2003/12/comecou-nessa-terca-feira-o-curso-d..., respectivamente.
143Ver imagens dos computadores reciclados no Parque Escola de Santo André em http://201.6.103.134/gallery/parqueescola.
144Espécie de pistola de ar comprimido que funciona como instrumento de pintura através de jactos de tinta.
145Site disponível em http://www.informeta.com.br/.
146Ver imagens do telecentro de Sacadura Cabral em http://201.6.103.134/gallery/sacadura.
147Ver o resumo que Felipe Fonseca fez da situação do MetaReciclagem a 4 de Maio de 2005 no seu blog em http://www.metareciclagem.org/fff?p=1151.
148Site disponível em http://metalinux.codigolivre.org.br/index.html. Na wiki do MetaReciclagem, Fernando Henrique conta a história da evolução do MetaLinux: http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/MetaLinux. Foi também criada uma lista de discussão em http://listas.cipsga.org.br/pipermail/metalinux/
149Ver mensagem de Henrique enviada para a lista MetaLinux a 15 de Junho de 2004 em http://listas.cipsga.org.br/pipermail/metalinux/2004-June/000029.html. O site do Komain está disponível em http://komain.sourceforge.net. Fernando Henrique explica um pouco a origem e história do Komain numa página da wiki do MetaReciclagem em http://metareciclagem.org/wiki/index.php/Komain.
150Ver mensagem de Henrique enviada para a lista MetaLinux a 19 de Julho de 2004 em http://listas.cipsga.org.br/pipermail/metalinux/2004-July/000049.html.
151Fonseca, Felipe (2005), “Outro Balanço”, 4 de Maio de 2005. Disponível em http://metareciclagem.org/fff/?p=1151. Nesse mesmo mês de Maio, o MetaReciclagem perdeu o servidor que alojava a lista de discussão até então, o que levou à perda do arquivo. O novo arquivo da lista está disponível em http://dischosting.nl/pipermail/metarec/ e em http://dir.gmane.org/gmane.politics.organizations.metareciclagem.
152Ver página sobre replicação do conceito de metareciclagem na wiki do projecto em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/Replicação. Aí se encontra também uma descrição mais completa da metodologia de trabalho implicada neste conceito, através de uma divisão em 11 etapas.
153Agregador disponível em http://agregador.metareciclagem.org. Existe ainda um weblog colectivo em http://blog.metareciclagem.org.
154Evento onde qualquer pessoa pode trazer o seu computador de modo a que voluntários instalem nele Linux e outro software livre.
155Este grupo de articuladores foi formado em meados de 2003 a partir de colectivos autónomos e que tinham sido convidados por Cláudio Prado, coordenador de políticas digitais do MinC, a desenvolver acções direccionadas para a apropriação de tecnologias digitais à escala nacional através do projecto BACs (Bases de Apoio à Cultura). Como vimos anteriormente, este projecto viria a ser substituído pelos Pontos de Cultura.
156Este kit é composto por um servidor de rede, uma estação de trabalho multimédia, uma câmera de filmar mini-DV e equipamento de som. Ver mais informação no post “Sobre a 'novela' dos kits previstos no primeiro edital do Cultura Viva” publicado por Vítor Cheregati, um dos articuladores do projecto, a 5 de Dezembro de 2005 em http://converse.org.br/sobre_a_novela_dos_kits_previstos_no_primeiro_edi....
157No início de 2005 começou a funcionar o Conversê (http://converse.org.br), um site colaborativo baseado em Drupal que funciona como um ambiente online de interacção entre os diferentes pontos de cultura e fomentar a sua articulação em rede.
158Incluem-se aqui Felipe Fonseca, Dalton Martins, Glauco Paiva e Fernando Henrique.Outros colectivos associados aos Pontos de Cultura são o Estúdio Livre (www.estudiolivre.org) – encarregue de testar, adaptar e implementar soluções multimédia totalmente baseadas em software livre, o movimento de rádios livres radiolivre.org, assim como o grupo Midia Tática.
159Saliente-se que a questão da cooptação foi o tema de um painel da conferência sobre media tácticos Submidialogia que teve lugar em Outobro de 2005 na Universidade de Campinas. Neste painel, intitulado “quando meus amigos se tornaram .gov – problemas e soluções ”, tentou-se responder às seguintes questões.
Num curto período de tempo, dezenas de iniciativas e centenas de pessoas que participavam de movimentos de comunicação independente, media tácticos, software livre e movimentos de base foram, directa ou indirectamente, incorporados nas agendas e contratos governamentais. Qual o motivo dessa rápida incorporação? Como direcionar tais acções num governo como o brasileiro? quais as consequências? E como é que o governo tem lidado com os projectos e ideologias dos envolvidos com as pesquisas e implantações? Qual a actual situação de projectos como o da TV Digital e GESAC (Ministério das Telecomunicações) e Pontos de Cultura (Ministério da Cultura).
Ver programação em http://www.midiatatica.org/wakka/wakka.php?wakka=ProgramacaoSubmidialogia.
160Partido da Social Democracia Brasileira – principal força política de oposição ao governo de Lula da Silva. O ex-presidente Fernando Henriques Cardoso foi um dos fundadores deste partido que pode ser situado ao centro do espectro político. Um dos seus dois candidatos às eleições presidenciais de 2006 é José Serra, actual prefeito de São Paulo.
161Fonseca refere-se aqui a Hélio Costa, ministro das Comunicações. O MetaReciclagem encontra-se presente no Ministério das Comunicações através do programa GESAC (Governo Electrónico – Serviços de Atendimento ao Cidadão) que disponibiliza acesso à Internet de banda larga por satélite em aldeias indígenas e comunidades rurais localizadas em zonas não abrangidas pelas redes das empresas de telecomunicações. Nesses locais realizam-se cursos de metareciclagem abertos à população. Ver site do GESAC em http://www.idbrasil.gov.br.
162Ver fotografias do espaço em http://metareciclagem.org/gallery/mezanino.
163Este projecto, que integra a @lis (Alliance for the Information Society”, é uma iniciativa da União Europeia no campo da divulgação e capacitação digital de carácter pedagógico que actua em nove cidades europeias e da América Latina no sentido de combater a exclusão digital. Ver site em http://www.alis-cibernarium.org.
164Site disponível em http://www.corrente.org.br.
165Ver alguns testemunhos de participantes nesse workshop em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/OficinaColaboracaoCorrenteViva.
166Ver cópia de arquivo do site em http://web.archive.org/web/20040327142816/http://www.liganois.com.br.
167Site disponível em http://xemele.org.
168Site disponível em http://platform.xemele.org.
169ONG brasileira que trabalha com projectos de inclusão digital que abriga iniciativas que trabalham nas áreas da educação, cultura, formação técnico-profissional e comunicação. Site disponível em http://www.sampa.org.
170Ver também relato de Elly Chagas em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/ChicoMendes.
171Ver lista de esporos em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/Esporos e lista de ConecTAZes em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/ConecTaz.
172Site disponível em http://bailux.wordpress.com.
173Site disponível em http://recife.metareciclagem.org.
174Este esporo, que fornece a infra-estrutura para a criação de três telecentros, situa-se no Centro de Referência da Cultura Hip Hop, da responsabilidade do Movimento Hip-Hop Organizado Brasileiro (MHHOB). O Piauí é o estado mais pobre do Brasil.
175Site disponível em http://manaus.metareciclagem.org.
176Os dados constam de uma mensagem de email enviado por Fonseca para a lista de discussão a 24 de Março de 2006, disponível em http://article.gmane.org/gmane.politics.organizations.metareciclagem/310....
177Uma vez que esta investigação incide sobre o Metáfora e o MetaReciclagem, não incluímos neste questionário todas as pessoas que fazem MetaReciclagem. Beatriz Rinaldi realizou um inquérito dirigido a todos os “metarecicleiros”, no qual nos baseámos em parte e que está disponível em http://ogum.metareciclagem.org/wiki/index.php/LevantamentoMetarecicleiros.
178Note-se que todos estes elementos do Metáfora já residiam na altura do início do Metáfora em São Paulo.
179Antes das primeira doacções de computadores reciclados recebidas do Agente Cidadão e do festival Midia Tática Brasil, que geraram alguma repercussão nos media comerciais brasileiros.
180Sendo que, destes dois, um respondeu que já tentou manter um blog mas que reconheceu não ter um perfil de blogger.
181Numa interpretação literal, o termo “linkania” diz respeito ao costume praticado entre os bloggers de fazer ligações para os blogs de outros bloggers. A inclusão de ligações a outros diários da Web é habitual quando o autor leu um post que achou interessante, por mera questão de reciprocidade ou quando o outro blogger é um amigo ou colega seu. O blogroll, a lista colocada num menu lateral do blog que contém os blogs favoritos e mais visitados do autor, é nesta perspectiva o local onde se consolidam todas estas ligações de amizade, trabalho ou interesses comuns.
Apontando para uma definição mais vasta que se aproxima do rizoma de Deleuze e Guattari e dos princípios do manifesto Cluetrain de que “os mercados são conversações” e que “os hiperlinks subvertem a hierarquia”, Marcelo Estraviz – presença irregular nas listas do Metáfora e responsável pelo blog Tipuri - escreveu um artigo muito influente na blogosfera brasileira em que propunha a “linkania” como uma nova expressão de cidadania, visando ocupar o vazio deixado pelo discurso desta num mundo cada vez mais desterritorializado e online (Estraviz, 2001a). Segundo ele, a “linkania” pode ser definida da seguinte forma:
É a cidadania sem cidades (...) A acção dá-se localmente mas a ligação é global. É o link do amigo, do vizinho. É a dica. É o negócio entre duas empresas de 2 continentes diferentes. É a ajuda que o teu primo te dá de Madrid por email. É a discussão que circula na lista para visitar tal exposição, e o link para a exposição, que imprimem e colocam no mural da creche. Tudo isso é link. É a matéria que um blogueiro comenta e que te faz pensar. É a descoberta valiosa do desempregado que vai a um infocentro e regista-se num programa do governo que lhe irá dar um emprego. E foi o vizinho que disse. Deu a dica, o link (idem).
Hernani Dimantas aprofundou mais tarde a metáfora de “linkania” sob a forma de “multidão hiperconectada”. Na sua opinião, a “linkania” é “um movimento de auto-organização do caos (...) Um pensamento, uma inserção no mundo das ideias e das coisas”. Trata-se de um conceito imanente, ligado às pessoas. Por isso, acrescenta, o termo não deve ser confundido com uma mera relação de links como a que se encontra na blogosfera ou no software social – como o agregador social de bookmarks Del.ici.ous. (http://del.ici.ous) -, devendo ser encarado como “a generosidade de linkar (...) o acto, o prazer, o amor de buscar na colaboração uma nova forma de produzir e ser feliz. De se compreender como um link. Mais ainda, ela deve ser também vista como “a expressão do engajamento – participação activa – das pessoas em rede. Uma troca generosa de links que catalisa a conversação, provoca e solidifica o engajamento” (Dimantas, 2005).
182Não incluímos aqui, obviamente, os lurkers que assinam as listas dos projectos e as pessoas que participaram e participam nas discussões travadas nas listas.
183Um depoimento semelhante ilustra de modo exemplar a importância que a experiência colaborativa do Metáfora teve nas vidas desse “núcleo”:
Minha vida inteira foi transformada pelas relações que estabeleci a partir do Metáfora. Já morei, trabalhei, namorei com diversas pessoas que estavam lá, e as relações com todas elas continuam até hoje, de diversas maneiras, transformando a vida de todos diariamente.
184Incluem-se aqui Felipe Fonseca (“acho que qualquer acção humana tem um viés político”), Bermardo Schepop (“qualquer acção que extrapola o espaço privado é uma acção política”) e Daniel Pádua (“tudo o que fazemos tem impactos políticos, uma vez que usamos instrumentos diversos para conjurar mobilizações sociais e arranjos produtivos autónomos diversos”).
186Reflexão disponível em http://metareciclagem.org/weblog/?p=4 e redireccionada por Fonseca como resposta à pergunta em causa na entrevista por email que realizámos.
187No ensaio “Brasil is a Hacker Culture”, apresentado na edição de 2003 do festival Next Five Minutes, na Holanda, Fonseca enquadra esta capacidade comunicacional tipicamente brasileira na linhagem de uma cultura hacker fruto de hibridizações, miscenizações e nomadismos vários que remontam ao período colonial, aos cultos religiosos dos escravos negros que combinavam os deuses africanos com os santos católicos, percorre o movimento modernista antropofágico das primeiras décadas do século XX e os tropicalistas dos anos 60 que fundiram o Rock com o samba, chegando, mais recentemente, aos “camelôs” ou vendedores ambulantes que, fugindo aos impostos, vendem produtos roubados e CDs pirateados para poderem sobreviver no meio de uma economia em crise (Fonseca, 2003a)
188Software open-source de Instant Messaging. Disponível em http://www.jabber.org.
189Ver cópia de arquivo de entrada do blog de Fonseca datada de 25 de Setembo de 2003 que contém o conteúdo de uma mensagem trocada com Mónica Narula do Sarai : http://web.archive.org/web/20040627074405/http://hipocampo.hipercortex.c...
190Ver entrada “Hardware Aberto” do Livro Verde na wiki do MetaReciclagem em http://www.metareciclagem.org/wiki/index.php/LivroVerdeHardwareAberto.