Marcelo Terça-Nada me entrevistou pra webinsider, sobre o pc para todos:
On 1/17/06, “Marcelo Terça-Nada!” wrote:
> - Sobre o Metareciclagem: Quando começou? Como está o funcionamento?
> Quantas pessoas estão envolvidas hoje?
A MetaReciclagem virou uma metodologia, não mais um grupo. Mais de
100 pessoas participam da lista de discussão, mas a idéia de reapropriação
e descontrução da tecnologia vão além. Influenciaram os pontos de cultura
do Minc, os implementadores do GESAC, do Minicom, e ação de diversos
grupos, ongs e ativistas. Não temos números exatos (e não nos interessa
ter), mas as discussões e presenças continuam bem interessantes. Meia
dúzia de espaços em diversos locais do Brasil se denominam espaços
de MetaReciclagem, e temos um centro de referência em São Paulo,
na galeria Olido, ali no centro. A MetaReciclagem existe há três anos,
e nesse meio-tempo já montamos mais de uma dúzia de telecentros,
participamos de dezenas de eventos, mandamos dois integrantes para
uma residência de dois meses na Índia, demos oficinas relacionadas a
software livre para mais de mil pessoas, criamos pelo menos duas distribuições
de linux, ajudamos a desenvolver projetos e programas institucionais
e de governo. Mas isso interessa menos que entender que mantivemos
um nível acelerado de inovação e reinvenção, nossos objetivos mais caros.
> - As primeiras notícias sobre o número de vendas do PC para Todos indicam
> que o programa vai ser um sucesso de venda (Vejam essas matérias: primeira,
> segunda, terceira). Como vcs acham que isso vai refletir de verdade no uso e
> no espaço do Linux e do Software Livre aqui no Brasil?
O interessante da proliferação do uso de computadores é que ninguém
consegue prever quais novos usos serão propostos. Não tenho dúvidas
de que muitos desses computadores possam eventualmente cair no
velho ciclo do software pirata, mas o simples fato de chegarem com
sotware livre pode fazer uma grande diferença. É claro que ter computadores
em casa não exclui o modelo de telecentro, que tem outra natureza e
outros objetivos. Mas a curva de aprendizado e a intimidade com a
tecnologia podem se acelerar muito com o computador para todos.
A questão passa longe da visão tradicional de empregabilidade ou
simples acesso à informação. Ter em casa uma máquina de manipulação
de informação (talvez uma visão mais etimológica da “informática”)
é um caminho possível para a geração de autonomia e uma visão crítica
dessa era hiperinformada.
> - Além dessa história do número de computadores vendidos, o Computador para
> todos chamou a atenção do pessoal das lojas para o fato que é viável (e
> lucrativo) vender computadores com Linux. A um ano atrás era raríssimo
> encontrarmos computadores com linux para comprar. Hoje é muito comum se ver
> anúncios de computadores com Linux nos folhetos de grandes supermercados
> (muitos inclusive não-participantes do PC para todos). O que vcs acham
> disso?
A princípio, o uso de software livre nesses PCs pode contribuir em muito
para a formação de massa crítica de usuários no país. Agora é possível
começar a pensar em sustentabilidade econômica para o software livre.
Mas - e faço a ressalva de que não testei as distribuições usadas nessas
máquinas - o software livre pode ser um tiro no pé se não for muito bem
planejado. Se criarmos uma geração de usuários frustrados, pode ser
difícil reverter o quadro. É por isso que surgiram esforços como o pclivre[1],
que pretende agregar a comunidade de desenvolvedores de software livre
para propor soluções para o PC para todos. Se todo o esforço necessário
de suporte e aprendizado depender somente de uma ou um grupo de
empresas, pode ser que vejamos um grande fracasso. A comunidade
do software livre precisa se unir, e o pclivre é um bom ambiente para
que isso aconteça, para garantir que o software livre seja viável a longo
prazo.
> - Quais são os principais obstáculos de um projeto como o Computador para
> todos?
A carência de subsídios que facilitem o acesso à internet. Boa parte
das questões de suporte e aprendizado que certamente vão surgir
poderia ser encaminhada à comunidade do software livre. Sem acesso
à internet, as coisas ficam mais difíceis, e o risco do programa virar
PC pirata é muito grande.
> - Vocês têm notícia de pessoas que compraram o computador e do que elas
> estão achando?
Ainda não. Na verdade, eu estou pensando em comprar um para testar.
> - O que vcs tem a me dizer sobre outros programas do governo como o Pontos
> de Cultura, Gesac, Casas Brasil (e Telecentros em geral)? Está sendo boa a
> experiência do Linux+Software Livre nesses programas?
A experiência do linux+software livre não é apenas de troca de sistema
operacional ou de mais um software. Na verdade, se trata de uma mudança
de paradigmas. Não existe mais uma empresa na qual pôr a culpa quando
as coisas não dão certo. Na verdade, em se falando de software livre, o
grande culpado quando as coisas não funcionam é o usuário que não
relatou os problemas pelos quais passou. Isso cria um novo senso de
responsabilidade e mesmo de identidade: o software livre não é da
empresa que o empacotou ou do desenvolvedor que o criou: é da
comunidade. É dos usuários. É meu, em última instância, ao mesmo
tempo que é do meu vizinho e de alguém no Japão ou na Nigéria. Mais
do que usar um aplicativo, eu faço parte de uma comunidade de um
processo cultural (pois produzido socialmente) que está em eterno
desenvolvimento. É outra perspectiva para se relacionar com a
informação.
> - E a “inclusão digital” como anda meio a isso tudo?
Faz tempo que não acredito em inclusão digital:
http://metareciclagem.org/weblog/?p=4