Lelex compartilhou o texto The Ugly Underbelly of Coder Culture em algumas listas e pediu opiniões sobre sua percepção inicial, que interpretou o texto como relatos de uma irmandade de homens jovens na programação em que são excluídxs pessoas com mais idade e mulheres. Eis as réplicas:
Decko:
Pelo que pude entender, não é exatamente sobre uma irmandade de programadores, mas é sobre como a cultura machista desse meio acaba por formar algo como uma irmandade de um determinado grupo social. É verdade que dentre os principais grupos de programadores, e principalmente os de software proprietário, tem uma cultura muito engessada e que evita a pluralidade de idéias e genero. Ainda que o meio das Ciências Exatas seja dominado pelos homens, é interessante ver que nos nichos em que a liberdade do conhecimento ganha destaque, a diversidade também aumenta. É fácil ver o número de mulheres, pessoas de diferentes idades e diferentes culturas que participam e enriquecem a comunidade do software livre e de outras culturas livres também. O lance é que todas as experiências são válidas. Até porque sem elas, não conseguimos gerar autocrítica e avançar na tecnologia. Lembro de dois casos. Um, de um professor da USP que utilizava (a maioria ainda utiliza) C para ensinar algoritmos. Caraca! É uma matéria no primeiro semestre e os alunos acabavam muito mais se degladiando com a linguagem do que se dedicando a entender os algoritmos. Ainda que muitos de nós tentassem mudar sua opinião, foi necessária uma viagem ao exterior para ele voltar "iluminado" e utilizar Python para ensinar a disciplina aos alunos. O outro caso é um professor que obriga os alunos a aprenderem Fortram. O ruim disso é que o mercado fica contaminado de gente que cobra isso no curriculum, quando deveria cobrar algo mais abstrato, como os algoritmos e o conhecimento necessário pra realizar a tarefa, não a experiencia com a ferramenta. É importante permitir a diversidade dentro desse meio muito engessado das exatas(é o único que tenho propriedade para falar), porque a natureza mesmo já provou a importância disso. É a diversidade do código genético (conhecimento em forma orgânica) que constroi a exuberância da natureza e avança na evolução.
Lelex:
Sinceramente, o fato das mulheres estarem ocupando cotas não tem mudado muito a nossa situação em todos os níveis. Às vezes, tem mulheres bem mais machistas que homens e o mulherismo não tem ajudado muito, pois esse também se moviemnta pelo individualismo utilitário. A igualdade não é um problema de diferença, é um problema de relacionamento, de hierarquia e de dominação. Todos são diferentes uns dos outros, homens e mulheres. Tanto na igualdade quanto na diferença, o masculino é a medida para a igualdade das mulheres. Se a semelhança é o padrão, as mulheres obtém igualdade na medida em que são iguais aos hoemns. E se a diferença é o padrão, somente obtém igualdade quando são diferentes dos homens. Questiona-se o masculino como medida para a mulher receber tratamento igual, como questiona-se que a difrença ou reconhecimento da diferença para constituir tratamento especial. Os interesses masculinos moldam o ambiente de trabalho. Igualdade sem equidade não é igualdade, é cultural e educacional. Numa escola de medicina, por exemplo, aulas de anatonomia humana são com cadaveres de homens, com cadaveres de mulheres. A disciplina passa para ginecologia. O sujeito de direitos em cursos de direito que formam advogados, juízes, promotores, delegados, enfim, o modelo de sujeito de direitos é homem, branco, rico, proprietário, heterosexual, asséptico, monogâmico, higiênico. Lembrei deum caso, mas não lembro a empresa, o homem era gay, programador, bem remunerado, nos EUA, a empresa tinha filial na europa - e lá também existe cirurgia de mudança de sexo. Ele pediu transferência, conseguiu o mesmo cargo, mesmo salário e aproveitou para fazer a cirurgia. Quando voltou seu salário foi reduzido em 30%. O argumento: as mulheres custam 30% menos, por engravidarem, tem TPM, filho que adoece. A identidade dele mudou, passou a ser ela. Ou seria demitido, ou teria seu salário reduzido.
Paulo Rená:
A questão da diversidade é elemento chave para a pluralidade de qualquer comunidade. Vale para o debate do marco civil, vale para o THacker e vale para a comunidade ampla de programadores. Não porque uma mulher a mais ou a menos vai gerar, por si, só menos machismo. Mais porque a presença de visões e experiências diversas vai forçar uma vivência que considerar mais visões e experiências. Às vezes isso acontece com choques, como na linguagem do português que tem uma exclusão nas regras de gênero, mas as vezes acontece com detalhes quase imperceptíveis, numa escolha de cores ou de campos em um formulário. Sobre a falta de diversidade em geral, e não apenas sobre a falta de mulheres, eu apontei o problema na comunidade wiki lusófona. Não deu em nada, mas acho que vale o registro, para pensar que essa dificuldade é bem maior do que a comunidade de programadores. Porra, o próprio Congresso Nacional, na última eleição, viveu um encolhimento da quantidade de mulheres.