*por Ricardo Ruiz
É possível ser entusiasta sobre o uso contextualizado das novas tecnologias ao mesmo tempo sendo crítico à ideologia do progresso tecnológico que polui até mesmo tecno culturas de resistência.
Tapio Mäkelä
Há muitas maneiras de se observar e relatar um evento. Aqui, vou focar no que mais me chamou a atenção dentro da minha participação na versão soteropolitana do simpósio Hip3orgânicos, durante a segunda quinzena de outubro, 2012. Uma das principais características do evento, importante de ser apontada aqui, é a telepresença. Disponível desde a década de 1990, a telepresença se refere a um conjunto de tecnologias que permita que as pessoas distantes geograficamente se sintam presentes em um mesmo lugar, que dê a aparência de estarem presentes, que cause o efeito sensório de estarem presentes. Necessita que os estímulos dos usuários desses sistemas sejam afetados de tal forma que traga a sensação de compartilhar o mesmo ambiente físico. Adicionalmente, aos mesmos usuários, deve-se possibilitar que afetem os espaços remotos. Para isso, a informação deve correr em todos os sentidos entre o usuário e sua localização remota. Aplicações populares podem ser vistas na telepresença via videoconferência, hoje disponível até em aparelhos celulares e dispositivos móveis. A Telepresença proposta e aplicada buscava a troca sensória-máquínica, tão bem descrita no texto de Glerm Soares.
Aqui, vamos procurar analisar os efeitos dessa telepresença proposta no campo das relações humanas. Com o intuito claro da troca de dados OSC – Open Sound Control: protocolo de comunicação entre softwares, instrumentos musicais e demais dispositivos equipados com tal tecnologia –, as dificuldades técnicas apresentadas durante o primeiro e segundo dia de experimentações para a conexão entre o node Rio de Janeiro, impulsionou nos participantes de todos os outros nodes o uso de todas as tecnologias disponíveis até então para comunicação, para troca de impressões e informações, sobre o evento. Aplicativos de troca de textos via celular, salas de irc, mensagens por e-mail, chats e todos os outras penduricalhos tecno comunicacionais tomaram parte do cenário de telepresença que envolveu o encontro. Aqui é onde acredito que se deu a parte mais importante de trocas do evento. Foi saboroso perceber, que em meio a todas essas conversas em paralelo e simultâneas, mensagens institucionais de posicionamento do evento e composições musicais marginalizadas, conseguia-se afetar a todos os participantes, em seus respectivos entornos geográficos, com a mesma troca afetiva, ou bem próxima, das que se consegue em eventos de arte e tecnologia onde todos se fazem presentes fisicamente em um mesmo espaço. Fabiane Borges e Alexandre Freire, na agradável análise metodológica que fazem de eventos como processos de imersão e aprendizado Produção também é política: táticas para produção de pequenos encontros, afirmam que:
Há algum tempo vêm se definindo nas práticas coletivas algumas outras formas de produção de encontros/eventos que não se fixam nem em super institucionalidade nem em descompromisso, mas que habitam entre essas coisas, que fazem dos seus métodos uma estrutura política que contribui para um pensamento político maior, que provoca pequenos processos democráticos (…) construindo ambientes propícios para a liberação de fluxos, agenciamento de devires, fluência de potenciais, conexão de desejos, necessidades, desenvolvimento de ritmos, remixagem de papéis sem centro catalizador (...).
E, um pouco à frente, afirmam:
Uma imersão é um recorte do mundo, com todas nuances que ele tem.
É importante notar que, o surgimento da internet inspirou uma orgia do hype mcluhanista que – após os acontecimentos da década de 1990 da bolha dotcom – parece hoje absurdo. Vale também notar que, muito mais próximo de nós, Manuel Castells analisou a net como um “espaço de fluxos” que existia fora do mundo físico. Em contraste, as atuais tecnologias de mídia locativa cria os “espaços de lugares” que conecta as pessoas com seu entorno geográfico. No início da segunda década desse milênio, devemos combinar o tecno otimismo mcluhanista com o desdenho pelo tecno pessimismo (BARBROOK:2011). Se não queremos ser aprisionados por esses futuros imaginários devemos criar os nossos próprios – e melhores – futuros. Acima de tudo, devemos confiar na nossa habilidade para modelar as tecnologias de telepresença locativa. As reflexões e afecções promovidas pelo Hip3rorgânicos muito colaboraram para esse objetivo.
Olinda, primavera de 2012.