Escola de Codeirxs, Puraqué e Futuros

Jader Gama, 36 anos, é integrante do Coletivo Puraqué, mora em Santarém-Pará, e colabora na Casa Brasil de Santarém, no Núcleo de Informática Educativa da Secretaria Municipal de Educação de Santarém e na Casa Puraqué. Gama, reside bem no encontro dos Rios Tapajós e Amazonas, é pai de  Jadh (15 anos) e do Gustavo (10 anos), e trabalha desde 2002 na formação de crianças, jovens e educadores.

Ele realiza desde oficinas e rodas de conversa até encontros de conhecimentos livre, que tem ajudado a fomentar encontros regionais como por exemplo o Fórum Amazônico de Software
Livre
(FASOL), e o Fórum Amazônico de Cultura Digital. Ainda, participa de algumas redes, como: MetaReciclagem, Transparência Hacker e Telecentros.br  (onde colabora como tutor da turma Caroebe). "Levo uma vida bem divertida e intensa. Poderia falar mais um pouco especificamente de cada uma destas atividades e outras, mas vamos ver se volto a pegar gosto pela coisa e volto a escrever", comenta Gama. Fiz algumas perguntas para ele sobre o novo projeto de iniciação em programação. Eis as respostas:

Você disse que estão fazendo trabalhos de iniciação a programação usando shell script, conte um pouco como isso começou, quem estão atendendo, e com essa proposta como funciona.
Gama:
Essa pergunta desencadeia outras, Maira. Na verdade existe um pano de fundo em torno das pequenas ações que estamos desenvolvendo. Aqui em Santarém fizemos uma avaliação em distintos momentos no que tange ao nosso trabalho. Isso que costumam chamar de "inclusão digital" para nós tem mais sentido falarmos em cultura digital. Nosso trabalho começou com o Puraqué montando salas de informática entre 2000 e 2002, começamos o primeiro na garagem da casa da minha mãe onde, meu amigo/irmão Tarcísio Ferreira, ministramos oficinas de metareciclagem e de informática básica para jovens integrantes de gangues do bairro onde nos criamos e morávamos. Sendo que só viemos a
ter contato com a rede MetaReciclagem e com a filosofia metarec em 2007/2006, e nos enxergamos como metarecicleirxs e nos apropriamos da semântica por assim dizer.
Na segunda fase tivemos a possibilidade de nos transformarmos em telecentros, pois a partir de então as salas de informática passaram a ter acesso a internet, um acesso bem restrito mas que já nos colocou em contato com outras redes. A partir daí, para ser mais exato em junho de 2007, participamos de um encontro de conhecimentos livres em Belém, a convite da Kiki Mori, e foi nessa ocasião que encontramos figuras como CHGP, Leo Germani, Maré, Mexicano, Haina, Tiago Bugarin, Anderson Perna, Ricardo Palmieri, Renato Argentino, Felipe Machado, Marcita...Pessoas que integravam nessa época a equipe de cultura digital do Minc e atuava junto aos pontos de cultura. Foi aí que passamos de movimento de "inclusão digital", para um movimento mais amplo de cultura digital, nessa época já estavamos estudando software livre  e houve um reconhecimento e um pertencimento de ambas as partes, assimilamos e fomos assimilados.
Durante todos esses anos nosso coletivo percorreu todos os estados da Amazônia, realizando encontros e oficinas, articulando coletivos, realizando oficinas de áudio, vídeo, gráfico, metareciclagem, cms's entre muitas outras, isso foi aproximadamente de 2006 a 2008. Tivemos oportunidade de ajudar a articular uma grande rede ações e grupos espalhados pela Amazônia. Em nossa cidade esse movimento de base cresceu, e hoje podemos dizer que existe em Santarém um movimento de cultura digital, metareciclagem de software livre. Esse movimento é que dá sustentação a um sonho, que começou a ser discutido em 1994 quando um grupo de jovens entrou no curso de processamento de dados da
UFPA em Santarém e sonharam apontar um caminho alternativo para nossa região que fosse contrário a processos predatórios extrativista (madeireiras, mineradoras) e também ao agronegócio. Um projeto de "desenvolvimento sustentável" para a região do Baixo Amazonas, um Vale Verde baseado na ciência e tecnologia e nos conhecimentos ancestrais dos povos da floresta.
O começo de tudo foi sensibilizar as pessoas mostrar que podemos produzir o nosso sustento com base no que nossos ancestrais sempre acreditaram e implementaram trabalho colaborativo, criativo e com
respeito a natureza. Várias coisas começaram a acontecer e nós sempre defendíamos essa bandeira. Com o advento do NavegaPará, tivemos pela primeira vez a oportunidade de usufruir de uma conexão de internet de melhor qualidade, nossa articulação melhorou, e pudemos fazer um upgrade em nossas formações, mas para o que queríamos que era popularizar a cultura hacker no município. Precisamos de pessoas e de espaços para o exercício dessa prática, resolvemos dar um apoio nas escolas municipais, encontramos dez lab's de informática sucateados, rodando software proprietário e com um grupo de professores responsáveis por essas salas totalmente desmotivados e desacreditados. Fizemos uma intervenção começamos a fazer puxiruns junto com eles e a metareciclar tais laboratórios, mostramos como fazer servidores de terminais usando ltsp e começamos uma formação intensa com 45 professores, foram 30 dias ininterruptos de encontros diários, passamos uma semana debatendo somente a parte ideológica, filosófica e pedagógica com essas pessoas. Foi um encontro inesquecível, depois de quatro anos de trabalho junto com essas pessoas e apoio governamental, saímos de 10 para 111 espaços públicos digitais todos rodando com software livre, tanto na zona urbana quanto na zona rural. Enfim conseguimos uma infraestrutura para aumentar as nossas formações.
A partir daí mais um sonho foi realizado, criamos um grupo que chamamos de Jovens CodeirXs, são pessoas que já passaram por nossas formações de cultura digital, informática básica, "cursos avançados" e que agora estão nos fazendo entrar na quarta fase histórica desse processo são as formações para iniciação a programação de computadores. Hoje temos apenas dois núcleos funcionando na Casa Puraqué e na Casa Brasil, essas pessoas serão multiplicadores dessa metodologia e nosso objetivo é que até 2014 todos estes espaços comportem o que estamos chamando junto com o pessoal da matemática e da ciência da computação da UFOPA de clubes do conhecimento, até o final do ano implementaremos mais 8, seis na cidade e dois na zona rural.
Nossa metodologia no decorrer dos anos vem sendo modelada. Nossas primeiras oficinas do que era o embrião dxs Jovens CodeirXs, começaram com as oficinas "aprenda a programar sem saber nada", ministradas pelo Leo Germani no tempo que ele morou em Santarém e conviveu conosco.
Depois como uma forma de estimular as pessoas e encantá-las pelas linguagens e pelos códigos, começamos a fazer páginas para internet do zero com elas, usar html e css se mostrou bastante instigante para a garotada. Depois evoluímos para conceitos mais pragmáticos de programação usando Java Script. Mas por opinião conjunta de várias pessoas que fazem parte dessa comunidade, resolvemos experimentar agora uma outra forma de iniciação, com uso dos princípios da MetaReciclagem, então fazemos um bom trabalho de hardware sistemas operacionais, tela preta e partir daí começamos a desenvolver alguns programinhas que servem muito bem à compreensão dos conceitos usando shell script, a vinda do Eloir Rockenbach em nossa terra foi fundamental para que tivessemos acesso a turma da robótica livre e estamos cultivando uma inteligÊncia coletiva em torno da ciência e tecnologia aliados a nossa força ancestral, nossas formações giram em torno de temas como meio ambiente, conhecimento popular, economia solidária, rádios livres, dados abertos, metareciclagem entre outros. Temos como perspectiva até o final do ano começar a estudar linguagens
mais específicas como php, pytho, ruby, java.

Qual o seu objetivo em  experimentar formas práticas de apropriação dos códigos livres?
Gama -
  Acreditamos que somos um povo talhado para sermos hackers, a filosofiado software livre, faz parte de nossa matriz ancestral, queremos aliar isso a necessidade de construir uma alternativa para a juventude da nossa cidade, que tem pouquíssimas oportunidades de escolha, queremos usar nossa inteligência coletiva para mudar a realidade da nossa região, sonhamos e trabalhamos diariamente para isso, pensamos em cooperativas tecnológicas, pensamos em coletivos grupos de jovens codeirxs trabalhando para qualquer lugar do planeta, mas também pensamos em tomar banho de rio, comer peixes, dançar carimbó, e podendo desfrutar do prazer de continuar vivendo aqui. Indo lá fora pra conhecer, para passear mas sabendo de onde são e o que a manutenção da sua vida nesses
territórios significa para o bem comum. Algumas gerações já passaram por esse processo, hoje trabalhamos com pessoas de 10 anos no ensino fundamental, jovens, adolescentes, que estão no ensino médio, outros já estão em escolas técnicas, outras nas universidades, e compartilham
desse sonho jovens que passaram e continuam atuando no Puraqué mesmo que a distância, como por exemplo a Adriana Nascimento (26 anos - Mestrando Computação UFPE), Nei Oliveira (30 anos - Doutorando Computação UFPA), Rodolpho Coutinho (28 anos - Doutorando UFMG), Kleberson Junio (29 anos - Mestrando Computação UFSC). Além de outros e outras que continuam articulados conosco acreditando que de onde estiverem ou quando eles voltarem pois dizem que vão voltar, vão continuar contribuindo para a concretização dessa realidade. Posso falar ainda do Wendrio (14 anos - Jovem Codeirx), Bruna (15 anos - Jovem Codeirx), convivemos com dezenas desses pequenos e eles nos dão
esperança de que nosso sonho é real.

Como você enxerga #metareciclagem dentro desse contexto?
Gama -
  Creio que a metareciclagem está na base desse processo todo, atravésdo Banco Comunitário que criamos, estamos financiando com a moeda social muiraquitã os computadores metareciclados dxs Jovens Codeirxs.

Além disso o fato das pessoas estarem construindo seu conhecimento e compartilhando-os e documentando suas ações tem como princípio o modus openrandi dxs metarecs, nos lugares mais distantes onde se tem dificuldade com a energia e com a conexão a primeira oficina que fazemos é a de metareciclagem, sabemos a importância da construção de uma autonomia para que nossa boa nova se propague, acreditamos estar a caminho e estamos dispostos a investir pelo menos mais dez anos na certeza de conseguir vivenciar ações que demonstrem que possamos fazer uma Amazônia mais do nosso jeito.