Coisas de mulher e homem já não fazem sentido há muito tempo...

warning: require_once(sites/mutgamb.org/modules/print/lib/dompdf/dompdf_config.inc.php) [function.require-once]: failed to open stream: No such file or directory in /var/www/multisite_drupal6/sites/mutgamb.org/modules/print/print_pdf/print_pdf.pages.inc on line 194.

O título do post foi um comentário de Marcelo Braz na #metareciclagem para a discussão que a Fabs abriu na lista ao compartilhar "Educação e Gênero em 2012". Um mundo um tanto distante de propostas sensíveis e igualitárias:

1. Quando você convive com pessoas inteligentes e progressivas, às vezes fica confortavelmente alheio de problemas de gênero. Mas vivemos numa sociedade retrógrada, e fatalmenta você vai esbarrar numa intrusão do Real de tempos em tempos. Por exemplo, um conhecido de Curitiba acabou de contar que recebeu uma nota da escolinha da filha dele, avisando que as professoras estavam preocupadas porque ela só gostava de coisas de menino (super-heróis, etc.); e que estavam tentando sanar este problema ensinando-a a brincar com Barbies. Precisei de alguns momentos pra conciliar esta notícia com o fato que vivemos em 2012 e não 1942.

2. Quase no mesmo dia, tivemos outra surpresa, desta vez mais perto de casa; algo que aconteceu em nossa própria escolinha. Na verdade foi algo minor, mas… bem, acho que a mensagem que enviamos explica nossa opinião a respeito:

Caros [X],

Soubemos que, recentemente, educadoras da escolinha instruíram diretamente o Samael—e também sua irmã, Valentine—que ele não deveria usar a presilha de cabelo que havia escolhido para sair de casa. Pelo relato, os termos específicos foram que ele “não pode”, “porque é de menina”.

Gostaríamos de deixar claro, antes de mais nada, que estamos no geral satisfeitos com a qualidade da educação em [Y]; o cuidado e atenção dedicados às crianças é evidente, e está claro que vai além do meramente profissional, pelo que somos muitos gratos. Porém, nós, como pais, nos opomos aos valores promovidos pelo tipo de atitude tomada no evento descrito acima. Fazemos questão de não exigir das crianças que se encaixem forçosamente em papéis de gênero. Naturalmente, vivemos em uma sociedade na qual tais papéis são muitas vezes normativos (a nosso ver, irracionalmente), e não escondemos essa verdade de nossos filhos; por exemplo, dissemos ao Samael que, se ele quisesse usar a presilha em questão, muitas pessoas poderiam rir dele; mas, no fim, a decisão de se conformar ou de violar tais expectativas sociais tem que ser deles, e qualquer que seja a decisão, consideramos nosso papel apoiá-la. Não vemos problema algum que as educadoras orientem, por exemplo, sobre a probabilidade de ironia ou estranhamento pelos outros colegas, ou sobre o fato que muitos (mas não todos os) homens evitam usar esse tipo de peça. Mas quando isso é expresso como um “não pode”, extrapola-se da informação para a normatização de papéis de gênero, que consideramos fora dos limites. Em particular, gostaríamos de passar a eles a noção de que mulheres não são inferiores aos homens, e que, como conseqüência lógica, o fato de um homem vestir peças de roupa ou comportar-se de forma “feminina” (brincar com bonecas, etc.) não tem nada de cômico ou degradante; e também que muitos homens (inclusive, ocasionalmente, o pai deles) fazem coisas que alguns consideram “de menina”, e que não há nada de errado ou proibido com isso.

Compreendemos que não houve nenhuma intenção de repressão por parte das educadoras, que com certeza só estavam pensando no bem das crianças. Mas somos uma família que tenta passar uma postura crítica quanto a questões de gênero, e gostaríamos de pedir que isso fosse respeitado no futuro.

Atenciosamente, &c.

3. Exagero? Sim, um pouco. Lembro que, a despeito de ter sofrido horrores com normas de gênero a infância inteira, eu não me considerava especialmente (ou ativamente) “feminista” há uns dez anos atrás. Mas acredito que, quando você tem filhos (de qualquer sexo genético ou identidade), torna-se impossível ficar politicamente neutro. Ou você põe a mão na massa e ensina eles a combater as pressões sociais, ou, por omissão, coaduna com essas mesmas pressões. Se você quer que seus filhos não tenham bloqueios internos quanto a fazer, vestir, ou viver da forma que preferirem, precisa mostrar como rejeitar bloqueios externos, a fim de previnir que se internalizem. Às vezes você simplesmente tem que ser militante. Senão, quando vê, estão tomando os Batmans e trocando por Barbies.

 

Marcos Rufino participou da discussão e comentou:

Homem tem de usar azul e menina rosa? Meu pai dizia homem que é homem não chora na frente dos outros, e eu prendia o choro sempre. Quando minha mãe morreu, eu estava com quase 11 anos e não chorei em público. Mas, ainda hoje choro escondido. Agora, com 33 anos redescubro o prazer de me emocionar e chorar na frente de outros, sou humano tenho sentimentos, adoro rosas e a cor rosa.

 

Compartilhei esses fragmentos com Daniela Araújo, pesquisadora de questões de gênero. Queria enxergar como alguém de "fora", e ligada ao movimento feminista enxergava esse rastro de conversa. Eis a resposta:

Estou relendo Bodies that Matter da Judith Butler pra preparar um artigo pros Cadernos Pagu, e pensando exatamente nessas reiterações que sexuam as pessoas dentro da matriz heteronormativa. Em outras palavras, a própria materialidade percebida como diferença entre os sexos é produzinda por essas práticas repetidas ad infinitum, que reiteram que pessoas tem que ter um sexo que corresponde a um gênero e a um conjunto de características físicas, psicológicas, comportamentais e de sexualidade. A escola é um elemento normatizador essencial nesse sentido, pois dentro da nossa concepção, ela é a porta entre a família - tida como uma esfera privada e relativamente autônoma (o que não deixa de ser uma grande ilusão, pois a família não está fora do social, e nem o social fora da família) e as relações e identidades sociais mais amplas que conformarão as identidades dos sujeitos. Esses exemplos são extremamente preocupantes, pois demonstram como essa discussão crítica sobre gênero está alheia à formação dos educadores da primeira infância. E preocupantes porque há uma infinidade de sujeitos que, desde sempre sujeitados a essas normas extremamente rígidas que produzem meninas que brincam de barbie e meninos que brincam de super-heróis e jogam futebol, também produzem uma quantidade enorme de crianças que se sentirão inadequadas por não corresponderem ao padrão reiterado. De certa forma, é um bullying de gênero institucional o que essas escolas e educadores fazem.Sinceramente, eu também preferiria brincar de super-herói, desafiar os limites do que uma pessoa pode fazer e fazer coisas incríveis para lutar contra as injustiças. A Barbie só fica em seu mundinho super consumista todo cor-de-rosa em que seu principal papel é parecer bonita em meio a suas posses. E vem cá, por que o Batman pode usar cueca por cima de legging e o menino não pode usar uma fivela?

Parabéns pra todos os metarecicleiros por levantarem a bola da discussão.