Célio Turino fala sobre Caravana por la Vida

Faz uns dias que recebi um crosspost, que poderia ser mais um de vários. Tratava-se da Caravana por La vida, um projeto iniciado em 24 de maio que durará até 29 de junho. Um dos articuladores do projeto é Célio Turino, idealizador dos Pontos de Cultura e ativista da cultura viva. Conversei com Célio, brevemente, enquanto ele está na estrada...

 

Escrevendo de uma praça em Tiquipaya, próxima à praia de Copacabana, às margens do lago sagrado de Titicaca, Bolívia. Enquanto escrevo os integrantes da Caravana por la Vida montam o palco para a apresentação de partida, que acontecerá daqui a pouco.


Como surgiu a ideia da Caravana, e como foi articulada a proposta da Caravana em 2012?

Célio Turino: Há tanta gente querendo circular pelo mundo, apresentar uma mensagem, fazer algo. A caravana é expressão desta vontade. Escrevo para ti e vejo um painel pintado, em 2010, na Primeira Conferência Mundial sobre Câmbio Climático e os Direitos da Madre Tierra, que permanece na cidade como um regalo dos que aqui estiveram. O painel diz "El mundo en nuestras manos" e leva imagens de águas escorrendo pelas mãos em meio a verdes, passáros e gente em formato de pedra. O que os moveu? O mesmo que agora move 25 pessoas de diversas nacionalidades: bolivianos, colombianos, brasileiros, alemães, frenceses, uma moça da Nicarágua e uma outra da pequena ilha de Malta, no mar Mediterrâneo. Queremos ser ouvidos, é isso. A ideia surgiu da potência e da vontade de cada um, os aqui presentes e os outros que nem sabem que estamos partindo. Especificamente, a estrutura principal (um micro ônibus e um caminhão palco) vem do grupo COMPA, da cidade de El Alto, situada no entorno de LaPaz. Ou melhor, no alto da capital boliviana, na boca do vulcão (LaPaz fica na cratera de um imenso vulcão inativo) a 4000 metros de altitude, em um lugar que quase se toca os picos nevados dos Andes. O que é COMPA? Um Ponto de Cultura que, como tantos outros, faz cultura a despeito de tudo e de todos e a fazem vinculados às suas comunidades, com um forte sentido de emancipação social. El Alto é uma grande periferia, um milhão de pessoas, basicamente indígenas, mineiros e agricultores expulsos de suas terras, uma cidade imensa e com uma imensa memória ancestral, mesmo tendo apenas 30 anos de constituição. Há também artistas e criadores, gente de teatro à cultura digital (enquanto respondo, paro para olhar algumas índias que passam à minha frente, com suas roupas coloridas em tecelagem bem feita, seguem com seus chapéus típicos do altiplano e com o rosto marcado pelo frio e a secura das alturas. Volto à resposta, se bem que ela também poderia ser dada apenas com essa observação en la plaza), mulheres valentes e hombres com história. Um destes hombres é o criador de COMPA, Ivan Nogales, filho de um guerrilheiro morto por seus ideais. Ivan resolveu fazer da arte e da imaginação a sua arma de guerrilheiro. Assim fez o COMPA e o Teatro Trono, um teatro que coloca o povo sentado no trono dos reis. Também inventou sua casa, no meio de El Alto e junto com sua mulher, Ana, e tantos outros sonhadores o ergueu. Um prédio em nove pavimentos, todo colorido, cheio de escadas e salas, decorado em bric-a-brac, com materiais de demolição e coisas juntadas pelo mundo. Parece um palácio ou castelo, uma casa de Gaudí decorada por Neruda, o poeta coisista de Los Andes (as casas de Neruda, em Isla Negra, Valparaíso ou Santiago, formam um mundo humano tão humano que mal consigo descrever, e que só revi a visita à casa de COMPA, ontem quando realizamos uma conversa, una charla, com todos que irão partir com a caravana). Agora já é fim de tarde e o sol logo vai se por. Já começo a ouvir o ensaio com os instrumentos musicais, o som de uma sanfona em acordes bem suaves, também um tambor com leve toque. Alguém diz bem alto: TEATRO TRONO! A gente se aproxima, logo empeza la caravana.

 

A Caravana vai passar por vários lugares até chegar na Rio + 20, o que esses lugares possuem de diferenças e de semelhanças?

Célio Turino: A caravana parte de um lago sagrado, o mais alto do mundo, a base de toda civilização andina, vai passar por LaPaz, Oruro, Sucre, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra. Vai adentrar ao Brasil por Corumbá, quando será acolhida pelo Ponto de Cultura Moinho, com dormida, festa e comida. Depois vai à Campo Grande e acolhida pelo Pontão de Cultura Guaicuru e mais 30 Pontos de Cultura (lá estarei com eles novamente e irei realizar mais uma oficina pela cultura transformadora, como as muitas que estou realizando aqui na Bolívia). Depois Presidente Prudente, as estradas de São Paulo, a parada em São Carlos. O encontro na cidade de São Paulo, bem na periferia, na Cidade Tiradentes, distante 30 quilômetros do centro. Uma cidade como El Alto, quem vai acolhe-los será o Pombas Urbanas e sua arte em construção. Depois Taubaté e a alma caipira do Brasil até chegarem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua mensagem: "hasta la ultima gota". Despues, volver!
 

Quais as propostas que a Caravana pretende suscitar?

Célio Turino: Essa respondo rápido, com uma simples equação: CULTURA + NATUREZA = CULTURA VIVA.

 

Quantas pessoas estão envolvidas no projeto?

Célio Turino: Vinte e cinco pessoas seguem em caravana e tantas outras que nem sei, seguem em sonhos e por seus diversos caminhos, sempre dizendo que a vida não pode ser transformada em coisa, por isso Caravana por la Vida.

 

A Caravana é um projeto .gov ou é uma iniciativa da sociedade civil?

Célio Turino: A caravana é da vida, da vontade da gente que não quer virar coisa. Além do apoio de tanta gente e tanta vontade, há o apoio da Tierra de Hombres, uma ONG que segue pelo mundo.


Como você enxerga as reverberações (ganhos e intercâmbios) de um projeto como esse?

Célio Turino: A Cultura Viva segue, mesmo quando incompreendida por governos, como acontece agora no Brasil. A Cultura Viva segue porque sempre encontra seu Ponto de Potência, seja em uma caravana com esta ou em pequenas acolhidas.