por @caribe
original em http://rede.metareciclagem.org/wiki/A-Matriz-de-forcas-da-sustentabilidade
Há pouco mais de um ano escrevi um texto chamando Sustentabilidade Insustentável, uma provocação que deu certo. Nele eu destacava que, na prática, em se tratando de sustentabilidade somo quase todos hipócritas e egoístas, pois ao mesmo tempo que nos tornamos verdes, continuamos agindo como se o mundo fosse um gigantesco shopping. Propus que a única forma de mudar o mundo seria mudando profundamente nosso estilo de vida, repensando o consumo e o capitalismo, e fechei ressaltando que temos de pensar e agir coletivo, antes que o próximo cataclisma venha nos ensinar.
Na busca de fundamentar o tema, comecei a chegar a conclusão que não existem apenas duas forças. Admito que a cultura do consumo e a cultura verde são duas forças importantes, mas não são as únicas. Existem outras e a interferência entre elas, tanto as ameaças artificiais na natureza quanto as naturais no espaço do artificial, ou as forças da natureza sobre o planeta e sobre os bens artificiais e tecnológicos. Na análise da matriz, tanto as forças naturais como artificiais podem se alinhar e provocar ainda mais danos nos dois sistemas: o natural e o artificial, entendeu? Pois é, eu ainda não cheguei a uma conclusão, mas nada mais natural do que compartilhar as ideias para que elas se desenvolvam no ecossistema social.
Mapeando as forças, cheguei a uma matriz muito semelhante à Matriz de Porter, que analisa as cinco forças que determinam a sustentabilidade de um mercado dentro de um ambiente capitalista. Esta abordagem não tem nada de científica, o foco aqui é mais filosófico, e obviamente não tem nenhuma pretensão de ser conclusivo.
As cinco forças
As cinco forças da sustentabilidade atuam numa matriz onde o bem é o próprio planeta, e são elas:
- Forças da natureza – efeitos naturais que afetam o planeta, são forças que independem da ação do homem tais como terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis, tempestades, forças das marés, enchentes, pragas, doenças e etc...
- Ameaças artificiais – são forças decorrentes da interferência do homem no planeta, configuram-se novas ameaças ou potencializam os efeitos naturais.
- Ameaças naturais – são forças naturais externas ao planeta, tais como tempestades solares, meteoros, forças de atração interplanetárias e outros por exemplo.
- Cultura verde – é a força de sustentação do planeta, a cultura ecológica que visa interferir na recuperação do meio ambiente.
- Cultura do consumo – é a cultura do consumo criada em 1955 por Victor Lebow para favorecer o crescimento do capitalismo. E hoje somos vítimas desta cultura que consome a nós, nossos laços familiares e afetivos e principalmente o planeta.
No texto Sustentabilidade Insustentável ficou clara a interação entre as forças da Cultura verde e da Cultura do consumo, mas também ficou claro que esta interação não é frontal. A cultura verde ainda não se posicionou frontalmente contra a cultura do consumo, esta interação hoje ainda se dá de forma tangencial. Entretanto o posicionamento frontal é a tendência para que a resultante destas duas forças seja nula. Mas por que ainda não temos um posicionamento frontal entre estas duas forças?
Durante a Crise Econômica Mundial de 2008-2009, os países envolvidos injetaram cerca de US$ 10 trilhões para salvar a economia, ou seja US$1.422,00 por habitante do planeta! Proteger os principais ecossistemas mundiais por 30 anos custaria apenas US$ 1,3 Trilhões, ou erradicar a fome no planeta apenas US$ 30 milhões por ano. Você acha que os governos investiriam esta quantia para salvar o planeta? Provavelmente não, e não que os governos sejam maus, e sim porque todos nos vivemos num perverso sistema de dogmas e valores, onde o capital e a propriedade intelectual estão acima das pessoas e dos direitos civis.
Segundo Douglas Rushkoff, o capitalismo é o sistema operacional da sociedade atual. Ou seja, todo o nosso sistema de valores, dogmas e padrões comportamentais estão baseados neste sistema operacional chamado capitalismo e acrescento que o “shell” é a cultura do consumo de Victor Lebow, que nada mais é do que a maior força destrutiva do meio ambiente da atualidade. Rushkoff ressalta que já houveram outros “sistemas operacionais” na história da humanidade e assim como o capitalismo, que é uma invenção do homem, o próximo sistema também o será.
Voltando alguns parágrafos atrás, podemos concluir que as culturas verde e do consumo não se enfrentam frontalmente porque a cultura verde teria de negar o capitalismo para fazer este enfrentamento, e uma sociedade “rodando” sobre o capitalismo simplesmente iria reagir contra o confronto. Ou seja, não enfrentamos o capitalismo e a cultura do consumo que devoram o planeta porque simplesmente não conseguimos achar alternativas para o primeiro e nem nos entender sentindo prazer sem o segundo, esta é a pura verdade. Será necessário um profundo pensar “fora da caixa” para achar uma solução para este paradoxo.
No livro The End of Money and The Future of Civilization, Thomas Greco fala que qualquer crescimento exponencial é insustentável, e cita três crescimento exponenciais na atualidade: o nível de CO2 na atmosfera, a população humana e o endividamento. Todos os três nos levam à um sistema em crise, o crescimento do nível de CO2 na atmosfera intensifica o aquecimento global e é uma das forças chamadas de ameaças artificiais, o crescimento da população humana também se enquadra nesta força pois nossa tecnologia afastou de nós nosso inimigos naturais, e, segundo estudos, o planeta só suporta o dobro da população atual. O endividamento deu seu primeiro sinal na crise recente, e colocou a eficiência do sistema na roda de discussão e o capitalismo em cheque. O colapso anunciado dos três sistemas será bom para o planeta e ruim para a humanidade.
História das coisas é um projeto que tem por objetivo mostrar que o sistema capitalista está em crise e que é preciso mudar muita coisa, aliás foi este projeto que me motivou escrever este artigo. No vídeo do projeto, a autora ressalta alguns fatos preocupantes: somente nas três últimas décadas foram consumidos 33% dos recursos naturais existentes no planeta; para cada saco de lixo que dispensamos, outros 70 foram dispensados no processo de fabricação; os EUA, com 5% das população mundial, consomem 30% dos recursos naturais extraídos.
O cenário não é nada favorável, e ainda temos de acrescentar as forças de ameaças naturais e artificiais na equação, uma tempestade solar anunciada promete dizimar todo tipo de equipamento eletrônico, isto é um exemplo de interação das ameaças naturais no espaço do artificial. A interação das forças nos espaços naturais e artificiais pode configurar novas forças e novos cenários, é importante pararmos para analisar isto.
É importante repensarmos novos valores, para muitos será impossível pensar num mundo sem a cultura do consumo, mas para a sociedade conectada isto pode ser bem mais fácil. Temos de pensar diferente, retornar os bens duráveis, dizimar a cultura do consumo. Temos aí a rede Metareciclagem que tem por proposta a desconstrução da tecnologia para a transformação social, dando novas funcionalidades a hardwares descartados. A cultura livre é um ótimo exemplo de pensar diferente, a ideia de compartilhar e remixar é o caminho para um novo modelo de economia sustentável, e eu acredito muito que este novo modelo surgirá com força no Brasil.