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Um tablete por criança?

por @efeefe [1]
original em http://rede.metareciclagem.org/blog/13-01-11/Um-tablete-por-crianca  [2]

Estava lendo a entrevista do ministro Paulo Bernardo [3] no Estadão [4], e me chamou a atenção a frase que ele atribui à presidenta: "chama os produtores nacionais de computador e faz uma negociação com eles para fornecer tablets com preço mais popular". Acho um movimento interessante, mas é necessário aprofundar um pouco mais a conversa. O problema das iniciativas de governo nessa escala é que elas têm um tempo de implementação totalmente diferente da velocidade de desenvolvimento de tecnologias. O projeto Um Computador por Aluno [5] é um exemplo. 

Tudo começou quando o MIT criou o projeto OLPC [6], que propunha um hipotético laptop de cem dólares para crianças de países em desenvolvimento. Eles desenvolveram uma solução de hardware e uma distribuição Linux. O Brasil foi um dos interessados, de onde surgiu o UCA. A minha opinião é que o maior resultado do projeto OLPC foi influenciar a indústria a entender que existia demanda para computadores menores, mais leves, com menos processamento e maior duração de bateria. A primeira a apostar nisso foi a Asus, com a linha EEE. O resultado foi o desenvolvimento de um nicho totalmente novo no mercado, os netbooks. Em pouco tempo, todas as grandes fabricantes (até uma relutante Apple) desenvolveram soluções nessa linha. 

Enquanto isso, o programa UCA patina com a licitação de lotes de computadores de uma fabricante nacional onde grande parte da inovação do OLPC foi deixada de lado: nada de manivela para alimentação manual da bateria, nada de distribuição linux desenvolvida com aplicativos educacionais, nada de redes mesh. É o que acontece quando a indústria brasileira de TI (que não cria nada sozinha!) é deixada a cargo do desenvolvimento de produtos: nada de inovação, somente replicação do que é trivial no mercado. 

É nesse sentido que acredito que simplesmente negociar para que os produtores nacionais ofereçam tablets mais baratos é perder uma grande oportunidade. Existe uma linha de pensamento limitada que tenta opor computadores e tablets, tratando estes como dispositivos para o mero consumo de mídia (acesso) e os primeiros como máquinas mais adequadas para a criação. Isso só é verdade em um nível superficial, pensando em arquiteturas fechadas e restritivas. Em tempos de possibilidades múltiplas de produção de hardware [7], seria bem interessante que se projetassem dispositivos abertos e genéricos [8] baseados em software livre e protocolos igualmente abertos. Em vez de simples "tablets", podemos pensar em dispositivos inseridos em soluções abrangentes de acesso, processamento, conexão, armazenamento e conectividade. Eu lembro de conversar há alguns anos com Daniel Pádua [9] sobre dados pessoais em telecentros, e imaginamos um cenário em que os telecentros não teriam CPUs - somente teclados, mouses e monitores. As pessoas levariam seus aparelhos com processamento próprio e utilizariam esses periféricos. Depois, poderiam levar os dispositivos para casa, para a escola, para o trabalho. Na época, tínhamos imaginado laptops sem tela, mas hoje em dia (depois da revolução dos smartphones, dos netbooks e do surgimento dos tablets) é possível pensar em uma solução semelhante baseada em tablets genéricos. 

Eu testei [10] um modelo específico, o SmartQ V7 [11], da Smart Devices. Ele tem porta USB, saída de vídeo HDMI e slot para cartão SD. Pode ser usado com um monitor, mouse e teclado externos. Roda Android, um sistema operacional baseado em Linux (é possível questionar o quão livre o Android é, mas de toda forma ele é muito mais versátil do que seu principal concorrente atual). 

SmartQ V7

Como o SmartQ, existem hoje algumas dezenas de aparelhos semelhantes, tão ou mais versáteis, como o Touchbook da Always Innovating [12]. Se deixarmos para que as grandes empresas da indústria nacional ofereçam soluções próprias, não duvido que apareçam tablets que se resumem a netbooks com touchscreen e sem teclado, rodando uma versão leve do Windows (não!!). Ou então tablets que tentem reproduzir a ecologia da apple e façam suas próprias lojas proprietárias e fechadas. 

O grande problema é: como operacionalizar o desenvolvimento de produtos inovadores em grande escala? Não é papel do governo criar essas soluções. Talvez pensar em uma estrutura modular, em que pequenas equipes criativas desenvolvam soluções para pautar a indústria. Talvez propor que, antes de responder a licitações com especificações e preços, a indústria brasileira entregue estudos de campo e propostas criativas mais abrangentes. Não vamos perder mais uma oportunidade de gerar inovação genuinamente brasileira.

Tudo aqui é livre. Ainda não decidimos uma licença geral.


Source URL: http://mutgamb.org/MutSaz/2011/Janxs/Um-tablete-por-crianca

Links:
[1] http://efeefe.no-ip.org
[2] http://rede.metareciclagem.org/blog/13-01-11/Um-tablete-por-crianca
[3] http://twitter.com/#!/paulo_bernardo
[4] http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110103/not_imp661339,0.php
[5] http://www.uca.gov.br/institucional/
[6] http://one.laptop.org/
[7] http://www.tigoe.net/blog/category/environment/295/
[8] http://links.metareciclagem.org/tags.php/gid
[9] http://imaginarios.net/dpadua/
[10] http://rede.metareciclagem.org/blog/03-12-10/Testando-um-tablete-Smartq-V7
[11] http://rede.metareciclagem.org/wiki/SmartQ-V7
[12] http://alwaysinnovating.com/home/index.htm